Lideranças indígenas e políticas lembraram durante sessão solene realizada no plenário da Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira (19), a data de um ano da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico, Dom Phillips, assassinados em 5 de junho do ano passado, enquanto navegavam na região do Vale do Javari. Durante a homenagem aos defensores da Amazônia foi lembrado o legado dos dois no combate aos crimes ambientais e na defesa dos povos indígenas da região. Também foi cobrado da Justiça punição exemplar dos mandantes e executores dos assassinatos.
A deputada Juliana Cardoso (PT-SP), autora do requerimento que viabilizou a sessão solene – e que também presidiu a sessão –, destacou que as mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips não foram em vão e que devem se tornar um estímulo para a intensificação do combate aos crimes na região. Devem servir também de alerta para adoção de medida de proteção aos territórios e povos indígenas.
“Morreram por denunciar os crimes daqueles que querem sufocar o “pulmão do mundo” e que são contra a proteção do meio ambiente e dos Territórios Indígenas. Levaram a vida de Bruno Pereira e Dom Phillips e acharam que iriam apagar a sua luta, mas o legado deles vai continuar e vai reverberar no mais alto tom, não apenas na Amazônia, mas por todo o Brasil”, afirmou Juliana. Para isso, argumentou que é necessário a continuidade do trabalho de fiscalização do Estado brasileiro para dar garantia de proteção aos territórios dos povos indígenas.
Representando o Ministério dos Povos Indígenas, a secretária de Articulação e Promoção dos Direitos Indígenas da Pasta, Juma Xipaia, ressaltou que tanto Bruno Pereira, como Dom Phillips, foram grandes dos povos indígenas e da preservação do meio ambiente na Amazônia.
“Eles lutavam em defesa do bem viver, não só dos povos indígenas, mas de toda a humanidade. Defendiam o que nós povos indígenas já defendemos a séculos no Brasil. Eles cantavam as nossas músicas, se alimentavam da nossa comida e celebravam nossas conquistas e lamentavam nossas derrotas. Infelizmente, eles foram mais dois nomes acrescentados a lista de assassinatos de indígenas, ativistas, ambientalistas, defensores dos direitos humanos e jornalistas na região, bem como de todos os que defendem a vida ao se somar a luta dos povos indígenas”, lamentou.
Já a viúva de Bruno Pereira, Beatriz Matos – que também é servidora da Funai – ressaltou que a morte dele ocorreu como consequência do abandono daquela região pelo Estado brasileiro. Ela lembrou, inclusive, que Bruno Pereira foi exonerado de uma chefia da Funai durante o governo Bolsonaro – da coordenadoria de Índios Isolados e Recém Contatados – porque o trabalho que ele desenvolvia representava uma ameaça aos gestores da autarquia, identificados aquela época com o agronegócio.
Justiça por Bruno e Dom
“Hoje, temos uma nova gestão, que valoriza servidores e que atua pelo bem viver dos povos indígenas. Lamento muito pelo que ocorreu com o Bruno, que a ação dele (em defesa dos povos indígenas) ter chegado a esse ponto. Infelizmente, ainda hoje lideranças indígenas vivem sob ameaça na região, utilizam colete a prova de balas e andam com proteção policial. Não se pode viver dessa forma, não quero que tenhamos mais Brunos e Doms assassinados por sua atuação em defesa dos povos indígenas. Queremos justiça por Bruno e Dom”, cobrou Beatriz Matos.
Corroborando as ameaças que ainda pairam sobre lideranças indígenas na região, o presidente da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, Eliésio Marubo, abriu sua camisa para mostrar o colete a prova de balas que usa para se proteger.
“Não podemos esquecer jamais que eles (Bruno e Dom) tiveram seus corpos esquartejados, queimados, enterrados e desenterrados para depois (da identificação) serem novamente enterrados. Isso não pode ser aceito em um Estado Democrático de Direito. Temos que ter regras de proteção a pessoas que trabalham com Direitos Humanos e na proteção dos direitos indígenas. Eu não quero acreditar que isso seja normal (abrindo a camisa e mostrando o colete a prova de bala). Isso não é normal, assim como ter que andar com segurança também não é normal”, afirmou.
Governo Lula tem feito a sua parte
Ao também lembrar a luta de Bruno e Dom contra crimes ambientais e violações a territórios indígenas no Vale do Javari, o presidente do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Mauro Pires, ressaltou que o atual governo tem trabalhado para pacificar a região. Ele afirmou que os territórios indígenas têm papel destacado na preservação dos recursos naturais e na proteção ambiental na região. No entanto, cobrou do Congresso a aprovação de medidas que protejam esses territórios.
“O Parlamento brasileiro precisa adotar iniciativas efetivas que protejam os Territórios Indígenas, como a consolidação dessas áreas e a demarcação daquelas que precisam ser reconhecidas para serem protegidas”, alertou.
Após discursos no qual enalteceram a luta de Bruno e Dom em defesa dos povos indígenas e da biodiversidade da Amazônia, a deputada Erika Kokay (PT-DF) e o deputado Bohn Gass (PT-RS) destacaram o compromisso do governo Lula com essas pautas, a partir da criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas e da nomeação da primeira pessoa indígena para comandar a Funai, a ex-deputada Joênia Wapichana. Os parlamentares, no entanto, afirmaram que o Congresso também precisa ter responsabilidade com essas causas.
Os dois citaram como exemplo o projeto de lei do Marco Temporal (PL 490/07), que restringe a demarcação a terras ocupadas até o dia 05 de outubro de 1988, além de outros retrocessos. Erika e Bohn Gass defendem que Senado rejeite o projeto para honrar a luta de Bruno Pereira e Dom Phillips. Com forte apoio de setores ruralistas e de apoiadores do governo anterior, o PL do Marco Temporal foi aprovado pela maioria da Câmara.
Conselho de Ética
Por conta dos intensos debates ocorridos no dia da votação, 6 deputadas de esquerda foram denunciadas ao Conselho de Ética da Câmara por criticarem com veemência os defensores do Marco Temporal. Além de Juliana Cardoso e Erika Kokay, também foram acionadas no colegiado as deputadas do PSOL, Célia Xakriabá (MG), Fernanda Melchionna (RS), Sâmia Bonfim (SP) e Talíria Petrone (RJ).
Héber Carvalho