Mobilizar para rejeitar a medida provisória (MP 868/18) que prevê a privatização da água e do saneamento básico brasileiro foi a tônica do seminário nacional que ocorreu nesta terça-feira (21), na Câmara dos Deputados. O debate foi conduzido pelos deputados Joseildo Ramos (PT-BA) e Leonardo Monteiro (PT-MG), que também preside a Comissão de Legislação Participativa uma das autoras do evento, em parceria com as comissões de Direitos Humanos; Desenvolvimento Urbano; e Integração Nacional e Desenvolvimento Regional.
Medida com o mesmo teor – a MP 844 – foi rejeitada pelo plenário da Casa, no ano passado.
Para as entidades e movimentos sociais que representam o setor e participaram do debate, a proposta enviada pelo governo golpista de Michel Temer, no final do ano passado, e que tem anuência do atual governo, é uma “falácia”.
“Essa medida deve ser rejeitada. É uma falácia essa história de que ela vem para resolver a deficiência do saneamento básico brasileiro”, afirmou o coordenador-geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Marcos Montenegro.
Para ele, a MP trata a água e o saneamento básico como mercadorias. Montenegro considera a proposta “um ataque aos direitos humanos, uma medida nefasta, que deve ser rejeitada”, e que se deve “buscar instrumentos para que os serviços prestados por empresas públicas tenham qualidade e preço acessível para todos”.
Mercado
Para o representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) Sérgio Antônio Gonçalves, a MP “é um retrato dos desmontes que vêm sendo feitos na nossa Constituição. Ela não avança, não aponta para melhorias e tem o viés notório de um acordo de mercado que vai criar, cada vez mais, bolsões de excluídos”.
O secretário executivo da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), Francisco dos Santos Lopes, lembrou que 95% dos serviços de saneamento são prestados pelo serviço público. Acrescentou ainda que qualquer alteração do marco legal do saneamento público seja executada a partir de uma discussão com a sociedade. “A Associação não aceita a nova proposta do governo sem que seja promovido um amplo debate que vise a universalização dos serviços”.
O urbanitário Ubiratan Pereira, da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), apresentou dados que revelam a eficiência dos serviços prestados pelas empresas públicas. “No Nordeste, as empresas estaduais avançaram de 64% para 98% o serviço de esgoto. No Sul, em 2017, o saneamento básico foi 25,7% para 69% da população. É mentira a mensagem que as empresas estaduais não estão fazendo o papel delas”, contestou. Ele ressaltou ainda, que a privatização coloca em risco os empregos dos trabalhadores do setor.
Para Washington Fraga, da Central Sindical e Popular (Conlutas), a privatização do saneamento básico fere a soberania nacional, na medida que passaria para empresas multinacionais a exploração de “algo sagrado, como a água”. Fraga também lembra que a MP “destrói os anos de construção da lei brasileira de saneamento, o subsídio cruzado, a autonomia dos munícipios e as características regionais”.
Retrocesso
“Esse é o maior retrocesso desde os anos 70. Estamos falando da época da ditadura. Mesmo dentro do processo de redemocratização do País sempre foi negado o investimento nesse setor. O saneamento é o maior espelho da desigualdade que temos dentre todos os serviços públicos, mas existe uma mobilização da sociedade contra esse estado de coisa”, observou o deputado Joseildo Ramos.
Governo Lula
O parlamentar lembrou que houve uma mudança nesse quadro quando nos governos do Partido dos Trabalhadores, investimento em saneamento básico era prioridade. “Pela primeira vez houve uma seleção de projetos a partir do governo Lula, em que R$ 88 bilhões foram alocados para fazer saneamento em nosso País. Desse montante, aproximadamente R$ 50 bilhões foram executados e o restante do dinheiro ainda está por ser executado”, denunciou Joseildo Ramos.
Ele lembrou que a iniciativa privada – que tem condições de investir – não faz isso, e em todos os Estados em que presta serviço, ao invés de elevar os investimentos em saneamento, deixa a população à margem dos benefícios à saúde que o saneamento traz.
Manaus
O deputado José Ricardo (PT-AM), um dos autores do requerimento para a realização do seminário, usou a cidade de Manaus como exemplo de que a iniciativa privada não é a solução. “A tarifa aumentou, e na capital falta água para cerca de 600 mil pessoas, e o esgoto não chega a 10% das moradias. No interior nenhum município foi atendido”, revelou o deputado, ao esclarecer que a concessão do serviço vale por 30 anos.
O texto
A proposta encaminhada pelo governo golpista de Michel Temer desestrutura o marco legal do saneamento brasileiro ao propor mudanças na prestação de serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais para toda a população brasileira. O texto altera entre outros, princípios fundamentais como universalização e controle social; procedimentos relacionados ao exercício da titularidade; e altera critérios para a obrigatoriedade do licenciamento ambiental.
Também participaram do seminário os parlamentares da Bancada do PT Erika Kokay (PT-DF), Margarida Salomão (PT-MG), Afonso Florence (PT-BA), Zé Neto (PT-BA), Célio Moura (PT-TO), Bohn Gass (PT-RS), Alencar Santana (PT-SP), Paulão (PT-AL) e Antônia Melo da Silva, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Dalila Alves Calisto, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e José Pereira Barreto, do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo.
Assista o vídeo na íntegra:
Benildes Rodrigues com informações da CDHM