Retrocesso nos direitos civis e na luta pela igualdade

PauloPimentaDestaqueTrês notícias relacionadas à orientação sexual ocuparam, na última semana, as pautas da mídia – ao menos de sua parcela mais progressista. Aparentemente desconexas, não fosse o fato de tratarem de direitos civis e livre orientação sexual, as notícias estão intimamente ligadas por outros fatores: a banalização da violência contra homossexuais e os falhos argumentos contra a efetivação de seus direitos.
 
Um padre excomungado por expor suas posições que relativizam interpretações de dogmas da igreja em temas como orientação sexual, fidelidade e conservadorismo. Dois jovens agredidos no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, por serem homossexuais. Um deputado brasileiro que, como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, coloca em discussão um projeto que institucionaliza a “cura gay” e criminaliza a “heterofobia”, num evidente deboche à violência física e moral sofrida pelos homossexuais diariamente em todo o Brasil. Os personagens dessas histórias têm nomes, mas são apenas símbolos, representantes de situações que já se tornam corriqueiras na nossa sociedade. As posturas dos agentes opressores de cada uma dessas histórias vão a um mesmo sentido: naturalização da violência, reafirmação de preconceitos, retrocesso nos direitos civis e na luta pela igualdade.
 
O padre Roberto Francisco Daniel, subordinado à diocese de Bauru, foi excomungado depois de reiteradas declarações condizentes com o avanço da sociedade e das liberdades individuais, mas que acabaram entrando em choque com o retrógrado – e por vezes contraditório – comportamento da Igreja.
 
As suas missas, que conseguiam vencer o atual declínio do número de fiéis da Igreja Católica e atraiam adeptos jovens e recém convertidos ao catolicismo,
não ocorrerão mais na igreja de Santo Antônio. Sob o argumento de ter contrariado os dogmas milenares da instituição, padre Beto ficou sem entender por que uma instituição que tem entre seus dirigentes cardeais acusados de acobertar e cometer pedofilia, crime gravíssimo, não pode estar aberta à discussão de temas que batem à porta, e que iriam ao encontro do pregado amor ao próximo.
 
Em Brasília, mesmo sem o respaldo dos grupos que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias se propõe a defender, o seu presidente, pastor Marco Feliciano, segue agindo. Na véspera do feriado do Dia do Trabalhador, o deputado colocou na pauta da próxima reunião da CDHM a votação de três projetos, dois deles alinhados às bandeiras retrógradas que tomaram conta daquela comissão, e o terceiro incluído em pauta para que seja derrubado em manobra dos deputados da bancada evangélica. O projeto da “cura gay”, que permite o tratamento da homossexualidade ao tratá-la como desordem psíquica, pretende, simultaneamente, derrubar resolução do Conselho Federal de Psicologia e contrariar orientação da Organização Mundial da Saúde. Essa medida é a efetivação do retrocesso, já que especialistas do mundo inteiro (com exceção das teocracias, evidentemente) repudiam que se considere a homossexualidade como patologia. O segundo projeto da pauta tem tom de piada: a criminalização da “heterofobia”. Pelo visto, na terra dos conservadores religiosos estão ocorrendo casos de preconceito contra pessoas que se relacionam com pessoas do sexo oposto.
 
O projeto é de total desrespeito com familiares e vítimas de casos de homofobia e legitima a atuação de grupos formados para incitar a violência e o ódio, como os neonazistas. A impressão que a medida transmite é que, se o Parlamento manifesta preocupação com a “heterofobia”, não há impedimentos para a ação violenta desses verdadeiros esquadrões da morte. Já o projeto de autoria do senador Paulo Paim e substitutivo da deputada Érika Kokay que tipifica os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, origem, religião, orientação sexual e condição de pessoa idosa ou com deficiência física, crimes que de fato ocorrem e preocupam nossa sociedade, foi incluído na pauta com um único objetivo: ser arquivado pelo conservadorismo que tomou conta da Comissão de Direitos Humanos.
 
Exemplo da urgência de leis que criminalizem a homofobia foi visto na madrugada de sábado, quando Porto Alegre foi acometida por mais um caso de agressão a homossexuais. Dois jovens foram agredidos por um grupo de neonazistas por estarem abraçados. Além de chutes e socos, o casal foi ameaçado com uma faca. As ocorrências, cada vez mais frequentes, encontram respaldo nos discursos de ódio que teimam em estampar as páginas dos jornais brasileiros e encontram eco no Parlamento. Atitudes como a excomunhão do padre Beto e a apresentação de projetos no Parlamento que ignoram especialistas e debocham da sociedade brasileira são grandes estímulos para aqueles que querem continuar a viver no obscurantismo, ou pior, praticar a violência contra pessoas que só desejam ter seus direitos garantidos. As notícias demonstram que será necessário ter persistência, coragem e trabalho para que conquistemos os avanços que historicamente defendemos e pelos quais foi eleito um governo democrático, popular e socialista.
 
Paulo Pimenta é deputado federal pelo PT-RS 

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