O domingo das Mães não poderia ser mais triste para 27 mulheres da favela do Jacarezinho. Dois dias antes, seus filhos haviam sido assassinados por membros da Polícia Civil na mais letal chacina já realizada no Rio de Janeiro. Permeada pela ilegalidade, a operação Exceptis pelo nome já mostrou a que veio. É a excrescência pura do Estado de exceção que sangra o país.
A matança foi realizada no Estado que inventou a milícia, produto criminoso das forças policiais em estágio avançado de putrefação. Após se espalhar pelo que há de pior nas forças de segurança, avançou para a política. Através da corrupção e da coação, elegeu muitos representantes para o Legislativo, como o vereador carioca Dr. Jairinho, que passou cinco mandatos incólume, até ser preso ao revelar seu lado sádico de torturador e assassino de criança.
Em 2018, as forças ligadas à milícia chegaram ao Executivo pelas mãos de Wilson Witzel (governador cassado por corrupção), seu vice empossado Cláudio Castro e o presidente Bolsonaro. Aliás, os dois últimos se reuniram a portas fechadas um dia antes do morticínio. Saíram sem dar declarações à imprensa, mas certamente trataram da operação. Quando os nomes das vítimas ainda nem eram conhecidos, o vice-presidente Hamilton Mourão vaticinou se referindo a elas como sendo “tudo bandido”.
A justificativa da Polícia Civil para a realização da operação seria a execução de 21 mandados de prisão, mas, quando os nomes dos corpos foram conhecidos, descobriu-se que apenas três deles estavam naquela lista. E, como no Brasil não existe pena de morte, mesmo eles deveriam ser presos, e não assassinados. Dos 27 mortos, apenas sete eram alvo da chamada operação, segundo um relatório sigiloso da Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil, ao qual o jornal “O Globo” teve acesso.
Outro objetivo, segundo a polícia, seria a apreensão de armas, e ela saiu do Jacarezinho com seis fuzis atribuídos aos bandidos, enquanto em 2019 foram apreendidos 117 fuzis no Vivendas da Barra, mesmo condomínio onde tem casa o presidente, mas não houve nenhuma morte.
As execuções policiais levaram as 27 vidas, mais uma vez na sua maioria negros, mas o alvo era o Estado de direito e seu guardião, o Supremo Tribunal Federal. O pleno da instituição proibiu operações de confronto bélico, como aquela, em comunidades cariocas durante a pandemia, chamada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e apelidada de ADPF das Favelas. A decisão da corte foi atacada pelo porta-voz da Polícia Civil, que insinuou se tratar de um “ativismo judicial”.
Fui o autor e presidente de uma CPI da Câmara dos Deputados que tratou do enfrentamento ao homicídio de jovens negros e pobres, que apresentou seu relatório em 2016. Na época, eram cerca de 200 jovens mortos por dia, 80% deles negros. A experiência mostrou que o Brasil precisa planejar a Segurança Pública, com a participação da sociedade para, finalmente, se livrar do racismo estrutural que permeia a maioria das instituições e corporações brasileiras.
O que o Brasil precisa é de um novo modelo de Segurança Pública, que priorize a garantia de direitos, que promova a cidadania e atue na mediação de confrontos e no investimento em territórios de paz.
A tragédia no Jacarezinho não aconteceria se a política de segurança fosse pautada pela investigação e inteligência, e não pela lógica do confronto. Os 28 corpos produzidos pela chacina podem ser “contabilizados” junto com os 420 mil levados pela Covid no genocídio de Bolsonaro, pois também é expressão do tempo em que a milícia tomou conta do Brasil.
- Reginaldo Lopes é deputado federal (PT-MG).
Artigo publicado originalmente no Jornal O Tempo