Especialistas nas relações do trabalho envolvendo o serviço público e parlamentares do PT apontaram que a Reforma Administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro (PEC 32/2020) não passa de uma medida para desestruturar os serviços públicos e seus servidores, visando substituir as funções do Estado pela ação exploratória da iniciativa privada. Essa foi a constatação extraída do seminário Jornada Unitária em Defesa dos Serviços Públicos que debateu, na noite desta quinta-feira (10), “os mitos e verdades sobre os servidores e os serviços públicos”.
O evento foi organizado pelo Núcleo de Trabalho, Administração e Serviço Público da Bancada do PT na Câmara, presidido pelo deputado Rogério Correia (PT-MG). “Essa proposta (PEC 32) é o desmonte do Estado com o objetivo de colocar os serviços públicos nas mãos do mercado. E ela faz parte de outro conjunto de propostas, como a PEC do Pacto Federativo (PEC 188), cujo relator já disse que irá propor a desvinculação do orçamento das despesas com saúde e educação, que hoje são obrigatórias. É isso é apenas o prenúncio do que pode acontecer se nós não nos mobilizarmos contra essa Reforma Administrativa”, alertou o petista.
O doutor em Desenvolvimento pela Universidade de Campinas e presidente da Associação dos Servidores do Ipea e Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea (Afipea), José Celso Cardoso Júnior, disse que a atual Reforma Administrativa do governo Bolsonaro apenas dá continuidade ao projeto neoliberal de desmonte do Estado iniciado após o golpe de 2016.
“Essa não é uma Reforma Administrativa, porque não está preocupada em melhorar o desempenho institucional do Estado ou de suas políticas públicas. Essa é uma reforma fiscalista, de cunho neoliberal e privatista, que propõe o desmonte do Estado. Essa é a essência dessa PEC”, acusou.
Mentiras da reforma
Sobre os mitos da Reforma Administrativa, a especialista em Sociologia do Trabalho e professora de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Graça Duck, desmentiu as afirmações do governo de que a proposta visa reduzir o número excessivo de servidores e reduzir os gastos com a máquina pública. A especialista disse que documento elaborado recentemente pelo Banco Mundial aponta que os servidores e os gastos do Brasil estão abaixo da média internacional.
“Esse documento aponta que o número de servidores, em relação média internacional é modesto, ou seja, não há excesso. E entre 1997 e 2016 esse mesmo estudo aponta que a despesa do Estado brasileiro com pessoal se manteve estável, na comparação com o PIB”, esclareceu. Na mesma linha, o Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, destacou que apenas 5% dos trabalhadores formais brasileiros estão no serviço público, enquanto a média dos países da OCDE (mais desenvolvidos), tem, em média, entre 11% e 12%.
“Também não é verdade que os servidores públicos tenham super salários. A maioria ganha até R$ 3 mil, e em muitos estados e municípios, onde estão concentrados a maioria dos servidores públicos, carreiras que garantem a prestação dos direitos sociais garantidos pela Constituição, como médicos e professores, ganham menos do que os do setor privado. Portanto, por trás dessa PEC está a desconstrução dos direitos sociais, ao atacar os trabalhadores públicos que atuam nessa área”, afirmou.
Reforma desvirtua o papel do Estado
O deputado Bohn Gass (PT-RS) destacou que a PEC da Reforma Administrativa é perigosa porque joga para a responsabilidade do presidente autonomia total para mexer na organização do serviço público, “aparelhando a administração pública para o seu governo”. Sobre essa interferência excessiva a especialista em Sociologia do Trabalho, Graça Duck, criticou a proposta contida na PEC 32 de eliminação da estabilidade do servidor público.
“Querem destruir os servidores públicos porque eles são a contratendência da exploração do trabalho, que o capital defende. O neoliberalismo defende a mercantilização de tudo, da saúde, da educação, e até da vida. E como os servidores públicos trabalham para o povo, e não para o mercado, são considerados uma ameaça ao Estado neoliberal”, afirmou.
Segundo Erika Kokay (PT-DF), a PEC da Reforma Administrativa pretende constitucionalizar o papel secundário do Estado, permitindo que ele atue apenas em áreas onde não haja interesse da iniciativa privada. “Essa proposta, portanto, é a destruição do princípio fundante da Constituição de 1988, que é a dignidade da pessoa humana”, afirmou.
Ao lamentar os enormes retrocessos propostos pela reforma administrativa do governo Bolsonaro, a doutora em Ciências Políticas e pós-doutora em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em relações do Trabalho, Regina Camargos, destacou que um governo verdadeiramente preocupado com a qualidade do serviço público deveria valorizar seus servidores.
“Desde 1988 temos visto tentativas de regulamentar a negociação coletiva e o direito de greve dos servidores públicos, este previsto na Constituição. A Constituição de 88 garantiu o direito a sindicalização dos servidores, mas não garantiu o direito a negociação coletiva. E essas lacunas sumiram neste debate da chamada Reforma Administrativa”, lamentou.
Veja abaixo a íntegra do debate sobre “Os mitos e verdades sobre os servidores e os serviços públicos”:
Héber Carvalho