A Câmara aprovou nesta terça-feira (3), no retorno dos trabalhos legislativos, o projeto de lei (PL 2633/20), do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), que aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, bastando a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental. O deputado Nilto Tatto (PT-SP), ao encaminhar o contrário da Bancada do PT, denunciou que o projeto só foi discutido dentro da Frente Parlamentar da Agropecuária, na base do governo Bolsonaro. “Nenhuma entidade ou instituição que representa a agricultura familiar, a academia e quem acompanha de perto o processo de desmatamento e de grilagem de terra neste País é favorável a essa proposta. Portanto, esta Casa está avalizando o crime de invasão de terra cometido por pessoas físicas e por pessoas jurídicas”.
O deputado enfatizou que são terras públicas da União, pertencentes ao povo brasileiro e que agora, com este projeto de lei, pretende-se regularizar, dar o título. “É fazer com que o crime compensa. Aquilo que está sendo invadido hoje, logo para frente, vai ter outro projeto de lei para poder regularizar mais ainda o crime”, criticou.
A proposta aprovada, que ainda será apreciada pelo Senado, passa de 4 para 6 módulos fiscais o tamanho da propriedade ocupada que poderá ser regularizada com dispensa de vistoria pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Para Nilto Tatto, é muito fácil neste ano, que não é ano eleitoral, nesta conjuntura de votação remota, atender a interesses somente do agronegócio expansionista que provoca desmatamento. “Para até quatro módulos fiscais, nós temos leis. O que não temos é um governo que implemente a lei porque destruiu o Incra, porque não envia recursos para o órgão fazer o seu papel de titulação. E o que está sendo votado aqui é a ampliação da titulação para outros módulos fiscais, para, assim, consolidar o roubo de terra”, denunciou.
Adiamento
Nilto Tatto, que chegou a defender a retirada do projeto da pauta, disse que se não lembrava da última vez que a Câmara havia se reunido para debater projetos de lei para avançar na titulação dos 5.500 quilombos que reivindicam o seu território. Ele citou que hoje aproximadamente 50% das terras indígenas que não foram demarcadas. Esta Casa não discute para avançar no reconhecimento e na titulação dessas terras. Nós temos milhares de comunidades tradicionais que reivindicam a criação de reserva de desenvolvimento sustentável, e esta Casa não senta para debatê-la. Estão querendo falar e falam que mais de 90% de agricultores familiares estão contemplados neste projeto de lei. Mas já existe legislação, e o Incra não a implementa. Não há necessidade de aprovação de uma nova lei”, afirmou.
Grilagem
O deputado Nilto Tatto indagou ainda se alguém garantia que boa parte das terras indígenas que não foram demarcadas de populações tradicionais, de quilombolas não está nessas áreas que agora estão querendo dar título para aqueles que invadiram e que grilaram? “Quem garante isso? É este o sentido dessa lei: aprovar a regularização de terra pública que foi invadida, roubada, patrimônio do povo brasileiro”, denunciou. Ele ainda alertou que, “daqui a alguns anos, vai vir outro projeto de lei para aprovar uma nova regularização para dar título para aqueles que estão invadindo área pública neste momento”.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também criticou a proposta. “Às vezes, nós temos a impressão de que alguns acham que este País cabe dentro de uma cerca e que podem fincar as suas estacas nessa lógica patrimonialista herdada de um processo colonialista. Alguns acham que é preciso ter um Estado a serviço apenas do latifúndio, um Estado que sirva a reconhecer a posse ilegal de terras públicas, que reconheça a grilagem e que legalize a própria grilagem”, protestou.
Na avaliação da deputada, esta é uma proposição que vira as costas para o desenvolvimento do Brasil, para a utilização da terra como instrumento para que nós tenhamos renda, para que nós tenhamos produção daquilo que é consumido pelo povo brasileiro. “Esta é a proposta da grilagem. Esta é a proposta de quem não tem qualquer tipo de preocupação com o meio ambiente. Esta é a proposta para a valorização dos jagunços, para a valorização daqueles que se sentem acima da própria lei e que podem fincar as suas estacas em qualquer espaço e nos espaços públicos, que depois essas estacas serão legalizadas por projetos como esse”, criticou.
Desmatamento
Este projeto, na avaliação do deputado Nilto Tatto, vai provocar mais desmatamento, com consequências econômicas inclusive para o Brasil. “Nós já estamos tendo ameaças, na verdade já concretizadas, de vários fundos de investimentos que estão parando de trazer recursos em investimentos, em especial na área da agricultura”, alertou. Ele frisou que nesses últimos 2 anos, a maior parte do desmatamento foi em áreas públicas invadidas, e não houve sequer fiscalização. “Está aí a situação do País perante a comunidade internacional nesse debate sobre a crise climática. Nós vamos trazer consequências sérias, inclusive econômicas, para o País ao entregar essas terras públicas àqueles que cometeram crimes. E, agora, vamos legalizar o crime cometido por essas pessoas”, criticou.
E o deputado Alencar Santana (PT-SP), ao se manifestar contrário ao projeto, disse que essa proposta é mais uma boiada que querem passar nesta Casa, “que favorece pequenos grupos, nesse caso, não o pequeno produtor, o pequeno agricultor, aquela família que precisa de um lote, de uma terra para garantir não só a própria sobrevivência, mas também a produção de mais alimentos ao País”. O deputado enfatizou que o texto favorece aquele explorador que invadiu terras, grandes lotes, e que quer simplesmente agora, praticamente, “ganha um prêmio do governo”.
Texto aprovado
O projeto foi aprovado na forma do substitutivo do deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM). Pelo texto, a regularização de imóveis poderá beneficiar inclusive posseiros multados por infração ao meio ambiente, se for atendida qualquer uma destas condições: imóvel registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR); adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA); ou o interessado assinar termo de compromisso ou de ajustamento de conduta para recuperar vegetação extraída de reserva legal ou de Área de Preservação Permanente (APP).
As novas regras da Lei 11.952/09 valerão para imóveis da União e do Incra em todo o País, em vez de apenas os localizados na Amazônia Legal, mas a data de referência da ocupação continua a ser 22 de julho de 2008, atualmente prevista na lei. A data de 2008 coincide com a anistia ambiental concedida pelo Código Florestal de 2012.
Destaques
A Bancada do PT apresentou três destaques para tentar reduzir danos no texto aprovado. Um deles pretendia excluir da proposta a permissão de venda com licitação de áreas rurais não passíveis de regularização de até 2,5 mil hectares, desde que não exista interesse público e social no imóvel; outro tinha o objetivo de impedir que o imóvel pudesse ser regularizado se o posseiro tiver aderido a programa de regularização ambiental ou se comprometido a recuperar área desmatada irregularmente em reserva legal ou Área de Preservação Permanente (APP); e o outro pretendia retirar do texto o trecho que permite a regularização de imóveis com até 6 módulos fiscais com dispensa de vistoria prévia. Todos eles foram rejeitados pelo plenário.
Vânia Rodrigues