Depois de mais de cinco horas de debate no plenário da Câmara, ficou para esta sexta-feira (26) a votação da PEC das Prerrogativas (proposta de emenda à Constituição 3/2021), que regulamenta a imunidade parlamentar e restringe a prisão em flagrante de parlamentares somente se relacionada a crimes inafiançáveis listados na Constituição, como racismo e crimes hediondos. Logo no início da sessão do líder da Bancada do PT, deputado Bohn Gass (RS), apresentou requerimentos para adiamento da apreciação da PEC, argumentando que ainda havia muitas divergências. “O debate está incompleto, precisamos dialogar mais pois trata-se de mudança na Constituição”, afirmou.
Bohn Gass explicou que o texto apresentado pela relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), não assegurou todos os pontos que estavam em negociação com os líderes desde a tarde na quarta-feira (24). “O tema da inelegibilidade, por exemplo, é fundamental e ele foi retirado do parecer e nós precisamos resgatá-lo”, defendeu.
O líder citou ainda o art. 53 da PEC, que na sua avaliação foi pautado em função da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), ocorrida na última semana, por ele ter feito apologia à ditadura, por ter defendido o enfrentamento contra as instituições brasileiras. “A liberdade de expressão, a imunidade parlamentar não dá direito a nenhum congressista de cometer crime, como foi praticado por Silveira” afirmou.
Superpoderes para o Conselho de Ética
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) criticou a forma açodada na apreciação da PEC, sem análise na Comissão de Constituição e Justiça e sem discussão do mérito em comissão especial. Ela apontou como um dos pontos mais graves da proposta a definição de que apenas o Conselho de Ética poderá julgar ações, palavras e votos dos deputados. “Não se trata agora de aceitarmos que o Parlamento crie uma operação de blindagem, que é efetivamente a leitura que faço quando o Conselho de Ética passa a ter superpoderes e perdemos o poder de recorrermos fora da Casa quando se trata de crimes contra a honra e de crimes também previstos no Código Penal”, afirmou a deputada.
Ela relembrou que tentou várias vezes fazer com que o Conselho de Ética responsabilizasse o então deputado Jair Bolsonaro. “V.Exas. sabem que ele nunca foi responsabilizado, seja por sua ode à tortura, que é crime inafiançável, seja por aquilo que ele foi condenado civilmente, por danos morais — e vejam que dois processos ainda restam no STF por apologia ao estupro. Como é possível agora, eu que tentei tantas vezes a atuação dentro da Casa e não encontrei guarida diante do corporativismo, ter confiança de que interna corporis todas as questões se realizem?”, indagou.
A parlamentar afirmou ainda que não é democrático que um Poder não seja controlado por outro, que não é democrático superpoderes para os parlamentares. “E agora será liberado uma espécie de abolicionismo prévio a todo ataque. Não há freios? Não há Constituição? Não há Estado Democrático de Direito a ser preservado? A apologia ao nazismo, a apologia à tortura, a apologia ao estupro e ao feminicídio serão liberados? Isso será apenas uma quebra de decoro? Não será crime quando é crime para qualquer cidadã ou cidadão brasileiros? Nós não podemos concordar com isso.”, protestou.
Depois do relato pessoal da deputada Maria do Rosário e dos apelos por mudança no artigo 53, a relatora propôs acordo para excluir do texto a exclusividade do Conselho de Ética como foro para discussão de condutas parlamentares quanto a opiniões, palavras e votos. Margarete Coelho concordou em suprimir a parte final do artigo, por destaque, para garante que as condutas de parlamentares sejam levadas à Justiça. O PSL, no entanto, já anunciou que não concordará com a supressão.
Impunidade
Na avaliação do deputado Henrique Fontana (PT-RS), a imunidade parlamentar precisa ser aperfeiçoada, mas ela não pode ser confundida com impunidade. Ele destacou a inoportunidade da PEC. “Primeiro, porque todos nós que defendemos a correta imunidade parlamentar, para garantir o direito de opinião e de debate dos parlamentares, não podemos corroborar, por exemplo, com os crimes de opinião que cometeu o deputado Daniel Silveira. Ele está preso, porque cometeu crimes, porque vilipendiou a Constituição do País, porque tentou incitar movimentos absolutamente antidemocráticos, porque propôs, de maneira vil, a agressão de ministro do Supremo Tribunal Federal”. O direito a debater continuou o deputado, “não é o direito de trabalhar com a palavra para desestruturar o sistema democrático de um País”.
O deputado Fontana considerou o relatório da deputada Margarete Coelho “muito infeliz”, porque amplia a imunidade parlamentar para níveis que podem ser definidos como de impunidade parlamentar. “Pela redação que está no art. 53, por exemplo, o deputado Daniel Silveira não poderia ter sido preso, a despeito do crime grave que cometeu naquele vídeo que gravou. Então, nós queremos, sim, preservar as prerrogativas do Parlamento, mas essas prerrogativas têm que ser preservadas não para garantir privilégios aos parlamentares”, defendeu.
Fontana explicou ainda que a sua leitura sobre esta PEC, como está redigida, é a de que se um deputado for preso em flagrante por um ato evidente de corrupção, por desviar dinheiro do patrimônio público, ele não poderia ser preso. “E isso é uma mudança negativa para o País. Nós não podemos fazer uma espécie de totalização onde apenas o Parlamento poderia se posicionar sobre crimes cometidos por parlamentares”, enfatizou.
Fontana afirmou ainda que o texto aumenta a impunidade parlamentar, uma vez que no seu artigo 9º deixa claro que nenhum congressista poderá ser afastado do cargo por uma decisão judicial cautelar. Essa prerrogativa passa do Conselho de Ética. “E nós sabemos muito bem que esse colegiado tem histórico de muita autoproteção. Então, haverá mais impunidade sim”, reforçou.
Salvo conduto
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também criticou a forma açodada como o texto foi discutido. “Nós estamos apreciando uma matéria que não é uma demanda da sociedade e tão pouco é uma matéria que contribui para reforçar o Estado Democrático de Direito. E se utilizar do açoite para dizer que imunidade parlamentar significa impunidade parlamentar é tripudiar sobre o povo brasileiro. A impunidade esgaça o tecido do Estado Democrático de Direito e naturaliza o crime, a violação de direito”, alertou.
Na avaliação da deputada, o que está se propondo é “um salvo conduto” para todas essas agressões, quando se estabelecem para parlamentares que podem chegar e fazer ode a Ustra, às salas escuras da tortura apenas punições no Conselho de Ética. “E, se o Parlamento não se posiciona com a cassação do seu mandato ou com a punição através do Conselho de Ética, não se pode recorrer ao Poder Judiciário, não se pode processar, do ponto de vista cível nem criminal, é isso? É isso o que estamos respondendo à sociedade?”, protestou.
PEC 3/21
A PEC 3/21 é assinada pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA) e outros 185 deputados. Entre outros pontos, o texto proíbe a prisão cautelar por decisão monocrática, ou seja, de um único ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), como ocorreu com o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). A prisão de Silveira foi decretada inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada depois pelo Pleno da Corte.
Vânia Rodrigues