No que tange os cuidados, as crianças das famílias de classe D são as mais negativamente afetadas. Confira também o que as crianças estão dizendo sobre o Coronavírus em suas vidas.
Dificuldades na linguagem e na coordenação motora fina têm sido os principais impactos imediatos nas crianças, por conta da quarentena e do isolamento impostos pela pandemia de Covid-19. No que diz respeito aos cuidados com crianças até três anos, as famílias de classe D — com renda familiar média mensal de R$ 720 – foram as mais negativamente impactadas.
Esses são dados da pesquisa Primeiríssima Infância – Interações na Pandemia: Comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de covid-19, organizado pela Kantar Ibope Media.
O grupo da classe D, mais vulnerável à fome, à situação de miséria e ao desemprego, se sente mais triste, ansioso, sobrecarregado, exausto, impaciente e assustado que os demais. As famílias destacam que o fator financeiro é um ponto de atenção na forma como cuidadores têm lidado com a pandemia, aponta a Agência Brasil.
Apesar dos marcos de desenvolvimento terem atingido as crianças de maneira geral, a classe social a qual ela pertence determina bastante a profundidade desse impacto. Em famílias cujos cuidadores puderam trabalhar em casa, fenômeno recorrente sobretudo nos segmentos mais elevados da classe AB1, mais de 50% relataram que tiveram boas oportunidades de convivência com as crianças durante a pandemia.
Nas famílias de classe D, por exemplo, mais da metade (52%) relataram que não houve alteração no tempo de convivência. A pesquisa alerta que, apesar do tempo de convivência dos pais com os filhos não ter sido alterado para classe D, ele pode estar mais precário devido à sobrecarga e ao acúmulo de funções.
“Regressão”
As mudanças na rotina tiveram efeitos nas crianças. De acordo com a pesquisa, cerca de uma em cada quatro (27%), de todas as classes, apresentou regressão neste um ano de pandemia. Isso significa que voltaram a ter comportamentos de quando eram mais novos, como chorar muito, fazer xixi na roupa sem pedir para ir ao banheiro e falar menos. O uso mais frequente de equipamentos eletrônicos também pode ter impactado no desenvolvimento.
Em relação à atividade física e ao ar livre, os dados seguem preocupantes. Quase 70% dos pais afirmaram que os filhos fazem menos atividades físicas do que antes da pandemia, segundo pesquisa conduzida pela ONG Youth Sport Trust (Reino Unido).
O isolamento domiciliar também tem sido um fator de risco para a saúde mental de crianças e adolescentes. Alterações no sono, agressividade, desânimo, acessos de raiva e sintomas de ansiedade e depressão foram identificados nesse grupo ao longo da pandemia, de acordo com a pesquisa de monitoramento “Jovens na Pandemia”, desenvolvida pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Variante Delta
Apesar de mais transmissível, ainda não há indícios de que a variante Delta seja mais grave — tampouco se as crianças ficarão doentes ou desenvolver maior gravidade por causa dessa nova cepa. Ao Estadão, Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), afirmou que “a Delta não tem nenhuma predileção por crianças”. A recomendação dos especialistas segue sendo o mesmo protocolo para o Coronavírus: distanciamento, máscara, álcool 70%, higiene e vacina.
A importância da Escuta
Enquanto adultos buscam informação de qualidade, em um mar de fake news, e tentam garantir a sobrevivência da própria família, as crianças acabam sendo um grupo silenciado — que recebe orientações hierárquicas de novas formas de convívio e interação — e também mais exposto: ainda estão em andamento as aprovações de vacinação para grupos de zero a cinco anos.
Confinadas nos lares e expostas diretamente à vulnerabilidade social das famílias, as crianças acabam tendo pouco espaço de escuta sobre o que pensam da pandemia. A Rede Nacional de Primeira Infância (RNPI) desenvolveu um projeto de escuta com crianças de diversas regiões do Brasil. A iniciativa se ocupou em investigar como o distanciamento social tem afetados as múltiplas infâncias a partir da escuta infantil.
“Uma pessoa não pode nem tocar a outra”
“Ficar muito tempo em frente à tela para fazer a aula é muito difícil, a gente acaba se distraindo com qualquer coisinha”.
“Essa vida tá muito chata”
“Eu odeio a pandemia”
“Todo mundo morre”
“Mas antes desse coronavírus vir pra cá, era tudo muito bom”
“Antes eu ia no parquinho no condomínio da minha vó e da minha mãe. Agora os dois fecharam e a gente não pode ir mais”
“As aulas online não são muito boas como as da escola. Da escola a gente entende melhor”
“Eu tenho muita saudade sempre. Sempre penso na aula. Sempre amei fazer as coisas na aula, no recreio. Eu amava a escola. Mas agora veio essa pandemia e ficou tudo embaralhado”
“Eu queria poder abraçar meus professores “
“Eu estou longe da minha melhor amiga. É muito ruim”
“Foi difícil pra mim ficar longe de todo mundo. Do vovô, da dinda, do dindo, do tio, da tia”
“Eu quero que o coronavírus acabe”
O que você mais quer que aconteça quando acabar o Coronavírus?
“Que eu possa encontrar todos os meus amigos e todo mundo esteja bem, com boa saúde”.
“Que a vacina vem logo”
“Eu queria poder estudar, brincar, parar de usar máscara e poder brincar com meus amigos”
“Eu queria um parque pra brincar”
“Eu ia fazer as pessoas entender que todo mundo é igual a todo mundo”
“Que mudasse o mundo e só coubesse amor dentro dele”
Ana Clara, Elas Por Elas