Em mais um gesto de intolerância e retrocesso, o governo Bolsonaro enviou comunicado a representações brasileiras no exterior informando que o Brasil se “dissociará” do Pacto Global para a Migração da ONU, ao qual o País havia aderido no último mês de mandato do ex-presidente Michel Temer. O comunicado diplomático é assinado pelo chanceler Ernesto Araújo, que afirma ainda que o novo governo não pretende “participar de qualquer atividade relacionada ao pacto ou à sua implantação”.
A decisão foi duramente criticada por parlamentares da Bancada do PT, que usaram as suas redes sociais para repudiar a saída do Brasil do pacto para a migração. A deputada Maria do Rosario (PT-RS) afirmou que sair do pacto “é desumano” com quem busca lugar para si e filhos, coloca migrantes brasileiros em condição precária no exterior e desrespeita famílias de imigrantes que vieram para o Brasil. “Nem o direito humanitário, nem a Constituição Federal existem mais para o governo brasileiro”, lamentou em sua conta no Twitter.
Maria do Rosário escreveu também que o novo governo retira o Brasil do pacto de migração ao mesmo tempo que nos EUA, Trump gera crise com Congresso para construir um muro contra migrantes. “Mesma lógica anti-humanitária nos dois países. Não se trata sequer de uma relação diplomática Brasil – EUA, o governo brasileiro serve ao Sr. Trump”, criticou.
Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) a decisão é absurda e vai contra toda a tradição e história do nosso País. “E até contra a nova Lei de Imigração que aprovamos há pouco mais de um ano”, lembrou.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), também no Twitter, disse que a saída do Brasil do pacto pode estimular a xenofobia. “O desgoverno já havia dado de ombros para as questões sobre aquecimento global. Está se metendo nos problemas dos países do oriente médio. São apenas dia 9 de governo pessoal”, ironizou. E o deputado Marco Maia (PT-RS) reforçou que a decisão é um “gesto simbólico de intolerância e retrocesso”.
O deputado Zeca Dirceu (PT-PR) lamentou a saída do pacto para a migração. Ele destacou que o acordo começou a ser discutido em 2017, estabelecendo diretrizes para o acolhimento de imigrantes. Pelo pacto, países signatários se comprometem a dar uma resposta coordenada aos fluxos migratórios, a colaborar para que a garantia de direitos humanos não seja atrelada nacionalidades, e a adotar restrições à imigração somente como último recurso.
O Pacto – O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular foi assinado por mais de dois terços dos países de todo o mundo e serve apenas como referência para o ordenamento dos fluxos migratórios, sem ferir a soberania nacional.
Em 10 de dezembro de 2018, 164 países aderiram ao acordo. Nove dias depois, a Assembleia Geral da ONU se posicionaria favoravelmente aos termos do Pacto por maioria: 152 foram favoráveis ao endosso da instância, 24 não se posicionaram, 12 se abstiveram e 5 foram contrários – Estados Unidos, Hungria, Israel, República Tcheca e Polônia -, todos países governador por conservadores.
Já empossado, Bolsonaro prometeu ao secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, que a saída brasileira se efetivará. O enfraquecimento simbólico do Pacto interessa ao governo republicano de Donald Trump, que tem como uma das propostas a construção de um muro na fronteira com o México.
Soberania Nacional – O novo governo brasileiro argumenta que o Pacto violaria a soberania nacional. O secretário-geral da ONU, António Guterres, rebateu o argumento, utilizado por diversos países contrários ao Pacto, afirmando que o documento não permite que as Nações Unidas imponham políticas ou sanções aos países signatários.
Catia Kim, advogada e integrante do Projeto Migrantes Egressas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), explicou ao site Brasil de Fato pontos polêmicos em relação ao Pacto. O primeiro deles é que, formalmente, o documento não tem status de tratado internacional, portanto, não gera obrigações para o país no direito internacional e tampouco integra o ordenamento jurídico nacional.
“O pacto é uma carta de princípios, não tem um caráter vinculativo, como outros tipos de documentos, como tratado internacional. Ele não cria novos direitos, isso é muito importante destacar”, diz.
O objetivo do documento, segundo ela, é o de estabelecer “diretrizes e objetivos para políticas públicas locais para concretizar tratados que já existem”, tendo dois grandes eixos: o compartilhamento de informações e dados entre os países – incluindo para casos de tráfico de pessoas – e o aproveitamento do potencial social e econômico da migração para o desenvolvimento.
Como não há obrigações formais, também não há sanções. Entretanto, Kim alerta que a saída brasileira pode gerar “desconforto diplomático” e reações no campo da política internacional que podem afetar os interesses brasileiros nas relações exteriores.
PT na Câmara, com site Brasil de Fato