Parlamentares e debatedores criticam em comissão a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM)

A venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, por US$ 1,65 bilhão para Mubadala Group no Brasil – fundo de investimentos de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, motivou o deputado Jorge Solla (PT-BA) a propor audiência pública na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara (CFFC) para debater o tema, nesta terça-feira (1). O parlamentar argumenta em seu requerimento, que o Tribunal de Contas da União está avaliando a transação. A venda, segundo o TCU, só será efetivada em novembro.

“Isto porque está sendo questionado o valor de US$ 1,65 bilhão, que estaria abaixo do preço de mercado, definido pela própria Petrobras, de US$ 3,04 bilhões”, afirma o parlamentar ao se referir a três ações civis públicas de autoria do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro/BA) que tramitam na Justiça Federal contestando a venda da Rlam.

Jorge Solla justifica que no dia 24 de março – quando o País atingia a macabra soma de 300 mil mortos em decorrência da pandemia de Covid-19 -, o Conselho de Administração da Petrobras se reunia para deliberar sobre a privatização da Refinaria Landulpho Alves e, “aturdidos pela catástrofe sanitária, a sociedade e os meios de comunicação não se deram conta ou não divulgaram como deveriam, que a venda da RLAM se consumava a preço vil”. “Negociada, como se diz, na bacia das almas”, reclamou o deputado.

Foto: Agência Câmara

 

Em análise

O secretário de Fiscalização de Infraestrutura de Petróleo e Gás Natural do TCU, Alexandre Carlos Leite de Figueiredo, relatou que o processo que envolve a venda da RLAM ainda não teve o seu mérito analisado pelo TCU. Segundo ele, existem vários pontos elencados que atualmente estão em análise e que no momento oportuno “haverá uma manifestação do plenário do Tribunal de Contas da União sobre essa questão relacionada a preço”.

“Nessa análise do desinvestimento, o Tribunal de Contas da União parte do pressuposto, da necessária venda a preços justos, obviamente. Questões relacionadas a mercado cativo, monopólios regionais a eventual abuso de preço, segurança do abastecimento, todas essas questões que também preocupam o acordo de contas, foram analisados em um processo diferente, porque tem questões um pouco diferentes do próprio valor do ativo, que ainda carecem de manifestação do Tribunal de Contas da União”, afirmou Alexandre Figueiredo.

Equívoco

Em contraposição às justificativas apresentadas pelo gerente Executivo de Estratégia da Petrobras, Rafael Chaves Santos, que afirmou que o desinvestimento da Rlam vai gerar produtividade e recursos, o pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) Eduardo Costa Pinto observou que o argumento de que a venda desse ativo irá aumentar a rentabilidade da Petrobras é um equívoco. Segundo ele, o gráfico revela que “a economia do petróleo ao longo do século 20 e 21, mostra que as grandes empresas de petróleo mantêm refinarias exatamente para reduzir riscos”.

O pesquisador disse ainda, que a Petrobras inicialmente estimou, em meados do ano passado, o valor justo da refinaria em cerca de US$ 3 bilhões, assim como o Ineep, em dezembro do ano passado. Ele relatou ainda, que a XP, em fevereiro deste ano, estimou o valor de venda em US$ 3,5 bilhões (o qual depois foi reduzido), e o BTG estimou o valor em US$ 2,5 bilhões.

Em março, continua Eduardo Costa Pinto, a Petrobras ajustou o valor para US$ 1,7 bilhão por conta dos impactos da pandemia de Covid-19. O pesquisador afirmou que o Ineep considera equivocada a ideia de que a pandemia teria provocado profundas mudanças nos parâmetros. Segundo ele, no auge da pandemia o preço do petróleo despencou.

“Se a Petrobras tivesse apenas produção de petróleo, a sua receita cairia. Mas, como ela tem refino, o que significa isso? Ela conseguiu vender por um preço maior, ou seja, as premissas que estão sendo utilizadas como argumento para justificar a venda pelo preço de US$ 1,6 bilhão são equivocadas e muito passíveis de refutação”, alertou.

Pacote logístico

O pesquisador acrescentou que com a venda, o monopólio estatal pode se transformar em monopólio privado regional. Eduardo ressaltou que, além da refinaria, o Grupo Mubadala está adquirindo um pacote logístico de dutos até os terminais de Jequié e Itabuna, e acesso para o escoamento ferroviário de produtos para o mercado de Minas Gerais.

Apagão de combustível

Além disso, conforme Costa Pinto, o País poderá ter apagão de combustíveis, já que, com as privatizações, a estatal deixa de responder pela coordenação do abastecimento.

Análise do Congresso

Coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, avalia que a venda das refinarias é inconstitucional e ilegal. Conforme ele, para a privatização ocorrer deveria ter passado pela análise do Congresso Nacional, mas foi analisada “por apenas 29 pessoas”.

Monopólio regional

Bacelar avalia que o monopólio regional privado vai levar ao aumento de preços do gás de cozinha, da gasolina e do diesel. “O investidor vai querer retorno do investimento, minimizando custos e maximizando lucros, e quem paga a conta é o cidadão”, lamentou.

O sindicalista acredita que a venda causa prejuízos não apenas à população, como aos municípios, aos estados, à própria Petrobras e à União. Ele salientou que os investimentos na estatal estão caindo, enquanto os ganhos dos acionistas aumentam. Segundo ele, a iniciativa privada não constrói novas refinarias, gera menos empregos e de menor qualidade.

“Querem entregar para a iniciativa privada mais de 50% da capacidade de refino do nosso País, alegando que vão aumentar a concorrência, e os preços baixarão. Esta é uma grande mentira”, afirmou.

Crivo do Congresso

O deputado Joseildo Ramos (PT-BA) concorda que a venda da refinaria baiana deveria ter passado pela análise dos parlamentares. “A Rlam não é uma subsidiária, é uma filial, que faz parte da holding, e para ser vendida tem que passar pelo Parlamento”, destacou.

O parlamentar avalia que a Petrobras, nesse momento, “está ficando de costas pra sua história”. Segundo ele, o que existe na realidade “é um governo cheio de gente traquina, que está vendendo os interesses nacionais e não se incomodam com as futuras gerações. São criminosos. Isso é um crime de lesa-pátria, não tem que perder as palavras não, tem que dizer isso, em alto e bom som”, denunciou Joseíido.

Deputado Joseildo Ramos. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O deputado Leo de Brito (PT-AC) criticou a entrega de empresas lucrativas para a iniciativa privada, “a preço de banana”. Ele disse ainda que confia no bom senso do TCU ao avaliar a transação. “O que a gente tem a confiança que o Tribunal de Contas da União, que cumpre o papel importante de ser um órgão auxiliar desse Poder Legislativo, tenha um maior rigor nessa questão”.

Deputado Leo de Brito. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Subavaliação

Presidente da Associação Nacional dos Acionistas Minoritários da Petrobras, Mário Alberto Dal Zot, disse que a Petrobras está trabalhando em prol de acionistas especulativos. Na visão dele, o momento não é de venda de refinarias, com poucas refinarias sendo vendidas no mundo, e a Rlam ainda é vendida por preço vil.

“Ela poderia estar sendo vendida por três vezes esse valor”, disse, ao comparar com o valor de outras refinarias vendidas recentemente. De acordo com ele, a entidade vai buscar a responsabilização dos gestores, dos conselheiros e até dos agentes fiscalizadores. “Está muito claro que teremos prejuízos no futuro”, concluiu.

“Fica patente que há uma subavaliação”, reiterou o diretor jurídico da Associação de Engenheiros da Petrobras, Ricardo Moura de Albuquerque Maranhão. “Não estamos tratando apenas de uma refinaria com todos os ativos de logística, estamos tratando da venda de uma parcela expressiva, de 14% do mercado brasileiro, de combustível para um fundo estrangeiro, inclusive desrespeitando a Constituição”, alertou. Na visão dele, não se pode abrir mão da soberania nacional em favor de acionistas estrangeiros.

Contrassenso

Para Fernando Siqueira, da Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema Petrobras e Petros, a venda da refinaria é um contrassenso. “É um injustificável contrassenso, pois a Petrobras tem a capacidade de refino da ordem de 2,5 milhões de barris por dia, e a produção já atinge 3 milhões de barris por dia. Em 2025, segundo o plano estratégico da Petrobras, será de 5,2 milhões de barris por dia”, afirmou.

“Então, o que nós teríamos que fazer é construir novas refinarias para dobrar a capacidade de refino, e não vender as refinarias da Petrobras a preço de banana”, criticou. Assim, segundo Siqueira, o Brasil poderia exportar petróleo com valor agregado.

Privatizações em andamento

A venda da Rlam faz parte do processo de “desinvestimento” de ativos realizado pela Petrobras desde 2019 e que inclui oito das treze refinarias que representam 50% da capacidade de refino do Brasil.

Outras refinarias que estão na mira da privatização são: Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul; Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas; Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco; Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais; Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor), no Ceará, e Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná.

História

A Refinaria Landulpho Alves (Rlam) foi a primeira do Brasil em 1950. Hoje é considerada a segunda maior do país em complexidade e capacidade. Refina GLP, gasolina, diesel e lubrificantes, entre outros produtos, e abastece principalmente os estados da Bahia e Sergipe, além de outros estados do Norte, Nordeste e mercados dos Estados Unidos, Argentina e países europeus.

Benildes Rodrigues com informação da Agência Câmara

 

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