Para atender aos interesses da bancada ruralista, o presidente Michel Temer criou regras que, na prática, dificultam a fiscalização e punição de empregadores flagrados cometendo trabalho escravo. “Trata-se de um enorme retrocesso aos direitos trabalhistas e humanos, haja vista que a vulnerabilidade do trabalhador, em especial do trabalhador rural, em difícil condição de vida, possibilita, em muitos casos, o consentimento com condições altamente prejudiciais e degradantes”, criticou o deputado José Guimarães (PT-CE), líder da Minoria na Câmara, que entrou com um projeto de Decreto Legislativo para suspender os efeitos da portaria.
Em portaria divulgada nesta segunda-feira (16), o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, determinou que a “lista suja”, que traz os nomes dos empregadores autuados pela prática do crime, só será divulgada “por determinação expressa” dele ou de quem estiver como titular da pasta. Antes, essa atribuição era da área técnica.
A portaria trouxe ainda novos conceitos de práticas ligadas ao trabalho análogo à escravidão. Para que sejam caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante, por exemplo, agora terá que haver a restrição de liberdade do trabalhador.
Tal enunciado contraria entendimento firmado há mais de 10 anos de que o cerceamento ostensivo do direito de ir e vir não está vinculado obrigatoriamente à jornada exaustiva e ao trabalho degradante. Mas apenas ao trabalho forçado e à servidão por dívidas, outras condições ligadas ao delito de redução à condição análoga à de escravo previsto no Código Penal.
“Na prática, a portaria dificulta enormemente a punição de flagrantes de situações impróprias e desumanas de trabalho, uma vez que se fundamenta no entendimento já ultrapassado de que tais situações são configuradas somente quando há restrição da liberdade do trabalhador (limitação de vontade e do direito de ir e vir)”, afirmou Guimarães.
Uma série de procedimentos criados na nova portaria retiram a autonomia dos auditores-fiscais nas inspeções. Eles terão agora que atuar sempre com um policial, que precisará lavrar um boletim de ocorrência do auto de flagrante. Sem esse documento, a fiscalização será considerada inválida. O empregador ficará isento de eventuais penalidades e de ser incluído na lista suja. O resgate de trabalhadores em condição análoga à de escravo, trabalho que hoje é feito pelas equipes técnicas, também poderá ficar prejudicado com os novos conceitos e exigências.
“A Portaria atenta contra os direitos humanos e contraria compromissos internacionais assumidos pelo Brasil relativos à proteção ao trabalhador, entendemos que a Portaria n. 1.129, de 13 de outubro de 2017, do Ministro do Trabalho, por ser desproporcional e desarrazoada, exorbita do poder regulamentar conferido ao Poder Executivo, e deve ter seus efeitos sustados pelo Congresso Nacional”, concluiu o deputado.
AP