A economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social do governo Dilma (2011-2016), disse que a gestão Bolsonaro deveria “pedir desculpas” pelo que tem sugerido para o Bolsa Família.
Ainda sem apresentar uma proposta acabada e após idas e vindas em relação ao tema, o ministro da Cidadania, Onyz Lorenzoni, tem reiterado que o governo pretende anunciar uma espécie de programa social que reconfiguraria o Bolsa Família. A proposta, até agora, não prevê novos recursos para a política. Segundo Lorenzoni, o projeto deverá atender 14,5 milhões de famílias com um benefício médio de R$ 202,00.
“Eles estão excluindo e jogando na extrema desgraça – não dá nem pra dizer que é miséria – 15 milhões de famílias, porque você tem hoje 30 milhões de famílias que não têm renda nenhuma e que dependem do auxílio emergencial. Se eles vão dar cobertura somente pra 14,5 milhões, pelo antigo Bolsa Família, significa que 15 milhões de famílias vão ser excluídas de qualquer proteção de renda”, criticou Campello, em entrevista ao Brasil de Fato.
A ex-ministra também avalia que o valor anunciado para o beneficio, pago a pessoas em situação de extrema pobreza e miséria, está aquém da necessidade. Ela lembra que o preço do arroz, por exemplo, subiu 71% entre fevereiro e outubro deste ano.
“O Bolsa Família já era, em média, R$ 190. Eles estão dizendo que vai passar pra R$ 200. É ridículo. E o valor do programa está congelado desde 2016. Se isso for verdade, é um escárnio. Eles não tinham nem que estar fazendo anúncio. Tinham que estar pedindo desculpa porque não estão fazendo nada. Isso que eles estão propondo não cobre sequer o aumento do preço do arroz durante a crise”.
Na última segunda (16), ao ser questionado a respeito de verbas para o programa, Lorenzoni disse que a escassez de recursos não seria um entrave, na visão do governo. “Nada a ver com grana, podemos fazer o programa que já está previsto no ano que vem, que são R$ 34 bilhões. Dá para fazer um Bolsa Família inteirinho mesmo”, acrescentou.
A economista disse que, caso o programa se efetive da forma como Lorenzoni tem anunciado, o Bolsa Família irá retroceder a patamares e números de 2014, mas sem considerar a demanda atualmente existente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2014, por exemplo, a taxa de desemprego média do país atingiu um mínimo histórico, com 4,8%. Foi, naquele momento, o menor índice desde o início da série histórica anual, em 2003. Já em 2020 o Brasil bateu outro recorde, mas de alta, chegando a 14,4% no trimestre encerrado em agosto.
“[O país] volta pra uma situação de cobertura da época do governo Dilma, sendo que nós estamos no meio de uma crise gigantesca. Eles vão voltar pra 2014? É isso que eles estão falando”, frisa a ex-ministra.
Vaivém
Tereza Campello vê ainda com maus olhos o vaivém da gestão em relação às ideias que vêm sendo lançadas para o programa. Entre outras coisas, Bolsonaro disse que criaria o “Renda Brasil”, uma espécie de substituto do Bolsa Família, mas com características diferentes e usando verbas de outros lugares. O governo cogitou, por exemplo, acabar com o fim do seguro-defeso destinado a pescadores artesanais e mesmo congelar as aposentadorias.
Também foi ventilada a possibilidade de se usar recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), política que passou cinco anos tramitando no Congresso Nacional até ser aprovada, este ano, após uma série de dissidências.
Outra ideia lançada foi a utilização de recursos dos precatórios, dívidas cobradas após perda de causas judiciais, o que desagradou o mercado financeiro. Ao fim e ao cabo, as propostas anunciadas por Bolsonaro naufragaram em meio a uma avalanche de críticas. A gestão não chegou a oficializar nenhuma das ideias ventiladas para o Bolsa Família.
“O pior disso é que já é quase a décima vez que o governo diz que vai fazer uma coisa, não diz o que é, não apresenta um projeto, a imprensa fica discutindo, nós ficamos discutindo, e depois não é nada”, critica Campello.
“Pegadinha”
A ex-ministra também demonstrou preocupação com a ideia – ventilada pela gestão Bolsonaro – de criação de um auxílio-creche de R$ 200,00 para mães que conseguirem um posto no mercado de trabalho. Lorezoni disse à imprensa que o governo pretende apresentar a medida formalmente após o segundo turno das eleições municipais.
Campello aponta que a ideia inicial apresentada não dialoga com a conduta do governo diante da necessidade de criação de políticas públicas estruturantes para a geração de emprego.
“É uma pegadinha. Não tem emprego, tem 40 milhões de pessoas querendo trabalhar e não tem emprego, aí ele diz ‘pra quem arranjar um emprego eu dou R$ 200’? Ele está achando o quê? Que as mães não trabalham porque não querem? Não existe emprego no Brasil. Nós estamos no meio de uma crise”.
Para a economista, a ideia seria “um acinte contra o povo pobre”. “E também é um escárnio contra as mulheres. As trabalhadoras do Brasil precisam de creche. O governo deveria estar fazendo creche”, acrescenta.
Brasil de Fato