A Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 da Câmara dos Deputados promoveu, nessa quarta-feira (26), audiência pública para debater o impacto da pandemia do novo coronavírus nas populações negras e quilombolas, saídas para reduzir os impactos do racismo por meio de projetos de lei, execução de recursos públicos e políticas públicas de saúde específicas. Os participantes também criticaram o governo Bolsonaro pela falta de políticas públicas e auxílios para essas populações durante a pandemia.
Um dos autores do pedido da audiência, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), criticou o governo federal por ignorar a existência do racismo estrutural e institucional no Brasil, ignorar o impacto do vírus numa situação tanto sanitária, quanto social, quanto econômica que aprofunda a desigualdade no País. Ele disse ainda que os dados mostram que “não é só que a Covid-19 se expressa mais nas populações negras, mas os óbitos são maiores”.
Padilha, que é médico, também ressaltou o racismo institucional dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). “Não é só a dificuldade do acesso, mesmo quando a população negra acessa o serviço de saúde, infelizmente, ela é tratada da pior forma dentro do serviço de saúde por conta do racismo institucional que existe dentro do SUS”, denunciou o parlamentar.
Para a deputada Erika Kokay (PT-DF) o Brasil tem um racismo estrutural, estruturante, é estruturado, mas que é negado. “Racismo que foi negado, essa lógica negacionista ajudou com que ele fosse entranhado nas relações sociais e não percebido. Ao negá-lo, o Brasil, por muito tempo, vivenciou uma dita “democracia racial” que nunca existiu de fato, e que contribuiu para que não houvesse a clareza das paredes e dos tetos de vidro que se constrói na nossa sociedade. E, ao mesmo tempo, tenta-se culpabilizar as pessoas que são vítimas das paredes e dos tetos de vidro pela sua desigualdade social que a atinge de forma muito direta”.
Desmonte nas políticas de igualdade racial
Representantes de entidades ligadas ao movimento negro e às comunidades quilombolas criticaram o atendimento prestado pelo governo federal a esses segmentos da população durante a pandemia de Covid-19. A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Carmela Zigoni acusou o governo de promover um desmonte na política de igualdade racial do País e lamentou a baixa execução do orçamento colocado à disposição do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). Segundo ela, o governo gastou efetivamente neste ano apenas 13% (R$ 77 milhões) dos R$ 575 milhões disponíveis.
Como exemplo do desmonte, ela citou a decisão do governo de excluir, do Plano Plurianual 2020-2023, o Programa 2034, que prevê ações de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade racial. Zigoni criticou ainda, em relação aos quilombolas, a ausência, desde 2017, de recursos para a regularização fundiária e, desde 2018, de recursos para apoiar o desenvolvimento sustentável.
Secretária-executiva do Fórum Permanente de Igualdade Racial, Valdecir Nascimento, disse que a pandemia evidenciou e agravou ainda mais a exclusão social, o racismo, o desemprego, a ausência de saneamento básico e a violência entre populações vulneráveis. “Vivemos em um País totalmente hostil à população negra. Se temos 115 mil pessoas mortas, 70% são negros”, detalhou.
Governo racista
Erika Kokay afirmou que o Brasil vive um momento diferente com o atual governo, pois além de uma visão negacionista, o governo de Bolsonaro tem uma visão racista. “Não é apenas que você, ao negar a existência do racismo, não prioriza o seu próprio combate, não entende o seu caráter estruturante, estrutural e estruturado e, ao mesmo tempo, permite que ele vá se consolidando e tapando os poros democráticos da nossa sociedade, e sendo reproduzido e, ao ser reproduzido, ser naturalizado. Nós temos, hoje, racismo no governo. As falas do presidente da Fundação Palmares indicam isso”.
Projetos de lei
O ex-ministro da saúde Alexandre Padilha fez um apelo para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e líderes, aprovem os projetos de lei que estabelecem, que cobram, transformam em lei a obrigatoriedade de todos os serviços públicos incorporar o componente de raça, cor, componente de etnia, outras características e outros segmentos como pessoas com deficiência, pessoas com doenças raras na transparência dos dados da Covid-19.
Relatório
O deputado Alexandre Padilha ofereceu outras contribuições para que fosse incorporado ao relatório da comissão. Para ele, que a população negra, como um todo, e os quilombolas sejam considerados prioritários à estratégia da vacinação. “Com um sistema logístico próprio, campanhas próprias, planejamento próprio para que a gente possa, tendo a esperança da vacina, ter a garantia de que a população negra estará em prioridade absoluta na estratégia vacinal”, observou.
Padilha ainda solicitou prioridade no reforço da atenção primária em saúde nas áreas mais vulneráveis e com maior concentração da população negra. E, por fim, que o relatório reforce o repúdio a qualquer medida do governo federal que possa significar a redução do cuidado de um conjunto de doenças crônicas que tem na população negra uma expressão ainda mais grave.
Lorena Vale com informações da Agência Câmara de Notícias