Especialistas em infectologia e epidemiologia afirmaram durante audiência pública virtual da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, nesta sexta-feira (11), que a realização da Copa América no Brasil pode agravar o combate à proliferação do vírus da Covid-19 no País. Durante o debate, realizado por iniciativa do deputado Rogério Correia (PT-MG) – que também presidiu a reunião –, representantes de torcidas organizadas do Brasil e da União Nacional dos Estudantes (UNE), também criticaram a competição. Convidado para a audiência, o Ministério da Cidadania não enviou representante.
Rogério Correia lamentou a realização da Copa América no momento em que “os hospitais ainda se encontram lotados de pacientes com Covid, com surgimento de novas cepas e ainda de uma terceira onda”. O deputado também lembrou que três patrocinadores já desistiram de vincular suas marcas à competição e que até a população demonstra ser contra o torneio.
O parlamentar citou recente pesquisa Exame/Ideia, que aponta 61% dos brasileiros contra a realização da Copa América e apenas 24% a favor. No mesmo levantamento, 75% acreditam que a competição pode piorar a pandemia no Brasil e 25% têm opinião contrária.
O representante da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi o primeiro a se manifestar na audiência e defendeu a realização da competição. Segundo André Pedrineli, coordenador Operacional da Copa América, o campeonato – que será realizada entre os dias 13 de junho a 10 de julho – será seguro porque não terá público e as delegações das 10 seleções, cada uma com 65 integrantes, terão que seguir um “rígido protocolo” para evitar contaminações. Pedrineli, no entanto, revelou que cerca de 150 pessoas estarão envolvidas diretamente na realização de cada partida.
Sobre essas ações, o médico infectologista e membro do comitê de enfrentamento a Covid-19 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Prefeitura de Belo Horizonte, Dr. Unaí Tupinambás, declarou que elas não são suficientes para garantir que não possa ocorrer contaminações entre as delegações ou mesmo com terceiros.
“Mesmo com todo o cuidado que se possa ter com as delegações, essa competição coloca em risco a população brasileira, por conta das variantes, e outros países da América do Sul. Até mesmo as Olimpíadas, evento de muito maior porte, está sendo questionado no Japão com o argumento de que não é o momento de realizar a competição. E olha que o Japão está em uma situação epidemiológica muito mais confortável do que a nossa”, observou o Dr. Unaí ao ressaltar ainda que Chile e Argentina desistiram de sediar a competição justamente por conta da pandemia.
O presidente da Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatorg), Alex Minduín, destacou que os alegados protocolos para evitar o contágio também foram adotados durante o campeonato brasileiro e que não obtiveram sucesso para evitar contaminações.
“Estamos vendo o que está acontecendo no campeonato brasileiro e nos estaduais, ao longo dos últimos 8 meses. Tivemos 306 jogadores infectados, apenas em times da 1ª divisão, e nem mesmo temos notícias sobre o que aconteceu com os familiares desses jogadores”, alertou.
O representante das torcidas observou ainda que diante da paixão gerada pelo futebol, e pela curiosidade que representa a vinda de jogadores de fama internacional ao País, será impossível impedir aglomerações de torcedores.
“A movimentação da seleção brasileira mostra isso. Na semana passada, uma multidão de torcedores apareceu na frente do hotel da seleção para esperar os jogadores. Muitas pessoas também vão se aglomerar, principalmente nas periferias do País, para acompanhar os jogos da seleção. Infelizmente isso não está sendo levado em consideração”, lamentou.
Competição é falta de respeito aos mortos pela Covid
De acordo com o médico mineiro, a decisão do governo em sediar a competição demonstra “um certo desprezo e falta de respeito com as mais de 480 mil famílias de mortos pela Covid-19 no País”. Segundo Dr. Unaí, “a situação se agrava a partir do momento em que o próprio presidente da República despreza os cuidados básicos para se evitar a propagação do vírus, estimulando aglomerações e desestimulando o uso de máscara”. Usando uma metáfora futebolística, o infectologista ressaltou que esse tipo de comportamento enfraquece o combate ao vírus no Brasil.
“Como acontece no futebol, a vacina é o goleiro. O isolamento social, a higienização das mãos e o uso de máscara são os três zagueiros. Então se chega bola demais, representando o vírus, e a defesa está enfraquecida, vai acabar acontecendo o gol, que nesse caso são as mortes e as contaminações. Se a zaga for fraca, o goleiro não vai dar conta de resolver sozinho”, explicou.
Ao comentar a participação do Dr. Unaí, o deputado Rogério Correia complementou que o problema do Brasil é que o presidente da República está sabotando a zaga do time que enfrenta a Covid, se comportando como o maior incentivador do vírus. “Desse jeito vamos continuar perdendo de 7 x 1 para a Covid”, disse o petista lembrando a derrota da Seleção Brasileira frente a Alemanha na Copa de 2014.
Copa América nesse momento é inoportuna
Cláudia Travassos, pesquisadora titular aposentada da Fiocruz e representante do Grupo de Políticas de Saúde da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid – Vida e Justiça, disse que sediar a Copa América é uma ação inoportuna. Segundo ela, o governo Bolsonaro deveria nesse momento voltar sua energia para o combate ao vírus.
“O indicado nesse momento seria tomarmos medidas para reduzir as taxas de transmissão existente no Brasil. Não faz qualquer sentido sediarmos um evento que contêm em si o risco de agravar a pandemia e suas consequências. Nesse contexto, ao invés de sediar a Copa América deveríamos voltar nossas energias para combater o vírus e fortalecer o SUS, salvando vidas”, argumentou.
Bolsonaro usa o futebol para desviar a atenção sobre a pandemia
O vice-presidente Regional Sudeste da União Nacional dos Estudantes (UNE), Diego Carlos Ferreira, destacou que Bolsonaro aceitou sediar a Copa América para tentar desviar a atenção da opinião pública sobre problemas causados pela pandemia no País. Estudante de história da Universidade Federal de Viçosa (MG), Diego Ferreira lembrou que política e futebol já se misturaram no Brasil em outros momentos.
Ele lembrou que durante a ditadura foi criado o campeonato brasileiro, como forma de demonstrar a unidade do País, e que o então presidente-ditador Emílio Garrastazu Médici tentou interferir na escalação da seleção brasileira que iria para a Copa do Mundo em 1970.
“Vimos na última semana notícias sobre a tentativa de interferência do Bolsonaro na própria seleção, algo que só aconteceu na ditadura”, ressaltou o estudante sobre a pressão de Bolsonaro pela substituição de Tite, técnico da seleção. “Dessa forma, Bolsonaro utiliza o futebol para propagar suas ideias. Quantas vezes não o vimos vestidos com camisas de times diferentes, ou visitando estádios em finais de campeonato? Mais uma vez o futebol brasileiro está refém de mãos autoritárias”, observou.
Governo Bolsonaro faltou ao debate
O autor do requerimento que viabilizou a reunião, deputado Rogério Correia, criticou a ausência do governo no debate. O petista lembrou que o ministro da Cidadania, João Roma, foi convidado para a audiência pública. O ministro apenas mandou um comunicado informando que não poderia comparecer, e nem mesmo se preocupou em designar um representante.
Héber Carvalho