Entidades pró-direitos humanos exigem investigação imediata das circunstâncias em que ocorreu o massacre do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) em Manaus, entre 1º e 2 de janeiro. Ao todo, 56 pessoas foram mortas em um suposto conflito entre facções criminosas, caracterizando uma das maiores matanças ocorridas em presídios brasileiros desde o massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar de São Paulo.
A organização Conectas Direitos Humanos considera que o caso “representa a fotografia mais trágica da bomba-relógio que é o sistema penitenciário brasileiro”. Há exatamente um ano, um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ligado ao Ministério da Justiça, denunciava as condições precárias e o clima de tensão no complexo, que prenunciavam a tragédia desta semana.
O documento afirma que o presídio abrigava, no momento da visita, 1.147 homens, 697 a mais do que sua capacidade. Além disso, o relatório criticou o fato de o Compaj ser administrado por concessão pública e contar com agentes de segurança terceirizados, o que resultou em “treinamento deficitário, precarização do trabalho, alta rotatividade e número insuficiente de funcionários de segurança – apenas 153 estavam em trabalho no dia da visita, em comparação com os 250 previstos em contrato”, segundo a organização.
O levante na unidade começou no domingo (1º) e foi controlado apenas durante a manhã de segunda-feira (2), após mais de 17 horas de conflito. O secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, afirmou que se trata de um “massacre” provocado pela briga entre as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC), originária de São Paulo, e a Família do Norte, do Amazonas. A maioria dos mortos pertence ao PCC. Pelo menos 12 guardas foram feitos reféns e liberados sem ferimentos.
“A Conectas demanda a investigação das circunstâncias das mortes e responsabilização dos autores, a reparação para as famílias dos falecidos, a identificação das responsabilidades dos agentes estatais que, por ação ou omissão, permitiram o massacre, e medidas urgentes do governo para pôr fim à situação medieval dos presídios brasileiros”, diz a entidade em nota. “É inadmissível que o poder público seja incapaz de garantir a vida e a integridade física de pessoas sob sua custódia e de oferecer condições dignas para o cumprimento da pena.”
A assessora de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil, Renata Neder, afirmou que “as autoridades devem garantir uma investigação imediata, independente e completa deste massacre, e todos os responsáveis devem ser levados à Justiça”, de acordo com nota publicada pela entidade. “A superlotação e as péssimas condições do Complexo Anísio Jobim, assim como do sistema prisional do Amazonas como um todo, já tinham sido denunciadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, mas as autoridades não adotaram as medidas necessárias e a situação apenas se deteriorou.”
O analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingardi afirma que o massacre é fruto de uma política que Estado que nunca se preocupou em controlar o sistema carcerário. “O que se faz é cercar as pessoas e deixá-las se virarem lá dentro. Esse é um modelo que não funciona, porque deixa na mão dessas quadrilhas qualquer sujeito que vai para lá, mesmo um condenado por um crime pequeno fica na mão dessas organizações”, disse em entrevista à Rádio Brasil Atual.
“Essa aparente paz não é porque o estado tem controle, mas porque a facção tem. Aqui em São Paulo a maioria dos presídios é comandada pelo PCC. A coisa fica calma lá dentro, porque o estado delegou implicitamente e deixou que o PCC tomasse conta do cotidiano dos presos, então, eles não vão se rebelar, porque lideram tudo e através disso controlam tráfico para dentro e fora dos presídios”, disse. “Terminando esse caso tudo volta a ser como antes: a situação se acalma e ninguém mexe no sistema.”
PT na Câmara com Rede Brasil Atual