Encontro na Câmara repudia ingerência do agronegócio sobre os rumos da Embrapa

Foto: Camila Bordinha/SINPAF

Servidores da Embrapa, representantes de movimentos sociais do campo e parlamentares da Bancada do PT repudiaram durante plenária, realizada na Câmara nesta quarta-feira (16), a ingerência de empresas privadas junto à instituição pública de pesquisa agropecuária.

O evento foi convocado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, presidida pelo deputado Patrus Ananias (PT-MG), e pela deputada Erika Kokay (PT-DF) e o deputado Pedro Uczai (PT-SC). Os participantes condenaram a “reestruturação” elaborada pela atual direção da empresa com base em “estudos” de uma consultoria paga com recursos de entidades ligadas ao agronegócio.

O presidente do sindicato da categoria (Sinpaf – Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário), Marcos Vinícius Vidal, denunciou que atualmente está em curso um desvirtuamento dos objetivos institucionais da Embrapa.

“Com o discurso da modernização e da eficácia a atual direção da Embrapa contratou uma consultoria especializada, paga com doações vindas de entidades como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e o Sebrae, para apresentar estudo sobre a reestruturação da empresa pública. Por que empresas que têm interesses diretos no resultado das pesquisas feitas pela Embrapa estão financiando esses estudos? Como diz o ditado, nós sabemos que quem paga a banda escolhe a música. Estão transformando a Embrapa em um grande balcão de negócio”, acusou o dirigente sindical.

O presidente do sindicato denunciou ainda que, para esconder o processo de desmonte da empresa em benefício de setores privados, o atual presidente da Embrapa, Celso Moretti, marcou uma reunião com servidores da empresa para o mesmo horário da plenária marcada para debater o futuro da empresa na Câmara. No evento realizado na manhã desta quarta-feira, a direção da Embrapa apresentou o “estudo” da consultoria sobre a reestruturação da Embrapa.

“Nenhum servidor conheceu esse plano de reestruturação ou sequer teve participação em sua formulação. Oito mil trabalhadores da Embrapa estão sendo vergonhosamente invisibilizados nesse processo de desmonte. Estamos sendo atacados por oportunistas que querem destruir uma empresa pública construída com o suor do povo brasileiro”, disse Marcos Vinícius.

Conflito de interesses entre Embrapa e agronegócio

Os parlamentares petistas participantes do ato condenaram a relação espúria envolvendo interesses públicos e privados na “reestruturação”. O deputado Patrus Ananias destacou que a “reestruturação” da Embrapa a partir da visão de entidades ligadas ao agronegócio, “não se coadunam com os objetivos de produção de alimentos saudáveis e de apoio à agricultura familiar, que deveriam ser perseguidos pela empresa”. “Todo esse processo faz parte da destruição da nossa soberania promovida pelo governo Bolsonaro”, ressaltou o deputado.

Já a deputada Erika Kokay disse que essa “reestruturação” é um “processo covarde que não visa atender os interesses da população brasileira”. “A Embrapa não pode ser vítima de um processo de reestruturação financiado por setores que não tem interesse público. O que a Embrapa precisa é de um projeto de desenvolvimento tecnológico para tirar o Brasil do Mapa da Fome, com alimentos saudáveis na mesa do povo brasileiro”, destacou.

Já o deputado Pedro Uczai ressaltou que, “por si só” um projeto de reestruturação de uma empresa não é o problema. No entanto, ele ressaltou que uma ação dessa na Embrapa só faria sentido para atender as necessidades do povo brasileiro e se tivesse a participação dos servidores que conhecem os problemas da empresa de pesquisa.

“O problema é que o interesse privado está por trás da reestruturação de uma empresa que deveria estar a serviço de toda a sociedade. A pergunta a ser feita é qual Embrapa nós queremos para esse País? Nós queremos uma empresa que estimule a produção de alimentos saudáveis e a transição ecológica da agricultura, e que promova uma agricultura que respeite o meio ambiente beneficiando todo o povo brasileiro”, observou.

Ao enaltecer o trabalho desenvolvido pela Embrapa, o deputado Frei Anastácio (PT-PB), destacou as pesquisas desenvolvidas pela empresa em seu estado natal.

“Eu falo da Embrapa a partir da Paraíba, da relação que nós temos no estado com a empresa e o trabalho desenvolvido por ela na plantação do algodão colorido, e de outros ciclos de algodão, na região do semiárido. Por isso estou aqui para parabenizar, apoiar e dizer que nosso mandato continuará apoiando os servidores da Embrapa”, ressaltou.

Sociedade civil contra o desmonte da Embrapa

O representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) Marciano Silva criticou o envolvimento do setor privado nos rumos da Embrapa. Segundo ele, movimentos nesse sentido acabam desvirtuando a empresa pública de seus objetivos.

“A Embrapa é motivo de orgulho para o povo brasileiro. São quase 50 anos de trabalho de técnicos, servidores e pesquisadores para a empresa chegar ao que é hoje. Tenho andado por muitos lugares, no interior do Brasil, e até em outros países, e vejo o trabalho desses técnicos que construíram a maior empresa de pesquisa dos trópicos. Claro que houve equívocos nessas cinco décadas, principalmente quando houve uso político desta instituição”, apontou.

O especialista em políticas públicas e professor da Unicamp Renato Dagnino condenou o estudo para a “reestruturação” da Embrapa financiado por entidades ligadas ao agronegócio.

“Não tem sentido contratar uma consultoria privada para avaliar e projetar o futuro de uma instituição como a Embrapa. Isso vai na contramão da história, uma vez que mesmo no auge do neoliberalismo países hegemônicos não adotaram a privatização de suas pesquisas”, observou Dagnino.

Mesmo defendendo um maior envolvimento da Embrapa no desenvolvimento de pesquisas voltadas à agricultura familiar e camponesa, a representante do MST no evento Kelli Mafort defendeu a paralisação do processo de reestruturação da Embrapa.

“Esse governo e as forças parasitas que o apoiam estão correndo contra o tempo porque sabem que vão perder as próximas eleições. Por isso querem passar a boiada. Nós do MST apoiamos a ideia de uma moratória nas decisões da Embrapa, para que não se mexa em sua estrutura até o fim desse governo”, defendeu.

Também discursaram durante a plenária representantes da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Contraf/Brasil) e o presidente da Frente Parlamentar Mista da Agricultura Familiar, deputado Heitor Schuch (PSB-RS).

Veja a íntegra da audiência:

https://youtu.be/Om6D1JTLeY4

 

Héber Carvalho

 

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