Emiliano José : Rubens Paiva e justiça

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Dia 20 de janeiro de 1971. Rubens Paiva recebe a visita de dois amigos, Raul Ryff e Waldir Pires. Bebericaram e conversaram uma boa parte da manhã. Então, foram embora. Waldir porque havia prometido a Yolanda, sua mulher, almoçar em casa, e Raul Ryff tinha plantão à tarde no Jornal do Brasil, onde trabalhava na editoria de pesquisa. Por volta das 11 horas, o telefone toca. Uma mulher pede para falar com Rubens. Ela o informa que tem uma carta para ele, e queria só confirmar o endereço. Desligou em seguida.
 
A mulher era Marilene de Lima Corona, 19 anos, irmã da mulher de Luiz Rodolfo Viveiros de Castro, exilado no Chile, de onde ela viera trazendo cartas para familiares de exilados no Brasil, juntamente com a mãe de Castro, Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro, ambas presas ao chegar ao País. Uma carta devia ser entregue a Rubens Paiva, presumivelmente junto com documentos do MR-8, destinados a Carlos Alberto Muniz, dirigente da organização. O feriado dedicado ao padroeiro do Rio de Janeiro, São Sebastião, seria fatal para Rubens Paiva, que não desconfiou de nada ao receber o telefonema.
 
Da sede do Cisa, na Base Aérea, chefiada pelo brigadeiro Carlos Afonso Dellamora, para onde tinham sido levadas no dia anterior logo depois de serem presas ainda no avião, as duas, na manhã seguinte, foram transferidas para a III Zona Aérea, comandada pelo brigadeiro João Paulo Burnier, um dos mais terríveis homens da repressão no período. Este, então, achava que tinha peixe grande nas mãos, um ex-deputado cassado. E queria tê-lo nas mãos para arrancar dele informações preciosas sobre a luta armada – ao menos era o que imaginava.
 
Seis agentes do Cisa, serviço de inteligência da Aeronáutica, em trajes civis e fortemente armados, bateram na porta da casa de Rubens Paiva. Este os recebeu, acalmou a família, disse que os acompanharia, pegou dois charutos, e foi dirigindo o próprio carro, acompanhado pelos policiais. Na III Zona Aérea foi acareado com Marilene. Ela não o conhecia, como Rubens também nunca a tinha visto na vida. Depois foi levado para o DOI-CODI, na Barão de Mesquita, dentro do Batalhão da Polícia do Exército, local onde tantos prisioneiros políticos foram torturados e assassinados. Para dizer de modo simples e trágico, Rubens Paiva foi ali barbaramente torturado até a morte. Ainda chamaram o médico Amilcar Lobo, que disse aos seus amigos torturadores que se quisessem salvá-lo, Rubens Paiva precisava ser internado num hospital imediatamente. A repressão o matou e sumiu com o cadáver.
 
No dia 10 deste mês, a Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com sede no Rio, decidiu restabelecer a ação penal que apura a morte e desaparecimento de Rubens Paiva. O general José Antonio Nogueira Belham, então comandante do DOI-CODI, e o ex-integrante do Centro de Informações do Exército, Rubens Paim Sampaio, foram denunciados por homicídio triplamente qualificado. A pena, caso condenados, será de 37 anos e meio de prisão. São réus ainda o coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos e os militares Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza, estes acusados de ocultação de cadáver, fraude processual e associação criminosa armada. Nesses casos, as penas podem chegar a dez anos de prisão.
 
Vamos chegando. É uma caminhada longa, esta, a da Justiça diante dos crimes da ditadura. Vivemos uma fase de apuração da verdade, com o trabalho da Comissão Nacional da Verdade, e das muitas comissões da verdade que se espalharam país afora, inclusive aqui na Bahia. Tardiamente, é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar. É a punição, nos limites do Estado de Direito, àqueles que durante tanto tempo esmagaram covardemente todos os que ousaram se levantar contra o arbítrio, a ilegalidade. Pouco a pouco, vai se derrubando a ideia de que os torturadores foram anistiados. Não o foram. Não podiam ser. A tortura é crime imprescritível. E espera-se que esta seja uma primeira atitude, e que venham outras. Todas destinadas a fazer justiça. Não queremos mais do que isso: justiça. Simples assim. Ainda que tardia.
 
Assessoria Parlamentar

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