A deputada delegada Adriana Accorsi (PT-GO) e especialistas na proteção de crianças e adolescentes defenderam a revogação da Lei de Alienação Parental. A legislação é discriminatória em relação às mães e não protege, de fato, as crianças e adolescentes de crimes praticados por seus cuidadores. O debate ocorreu no seminário de “Combate à exploração e abuso sexual contra crianças e adolescentes em memória de Araceli Crespo e Joanna Marcenal”, realizado na Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (7).
Para a deputada goiana, a Lei de Alienação Parental penaliza as crianças, as mães e mulheres que denunciam os abusos praticados, muitas vezes, por pessoas que deveriam proteger essas crianças. “Nós entendemos que a Lei de Alienação Parental deve ser revogada, porque ela permite que uma pessoa acusada de pedofilia, por exemplo, tenha a guarda definitiva da criança, em uma inversão da justiça que essa lei promove de que a mãe que denuncia está praticando alienação parental”.
Segundo todos os participantes, o mundo inteiro está revogando esse tipo de lei, só falta o Brasil. “A revogação é imprescindível para que tenhamos um país seguro para as crianças e adolescentes”, destacou Accorsi.
“Quando tocamos no assunto da alienação parental a preocupação que nós – da área da infância e dos direitos humanos – temos é com esses termos. Primeiro, é da origem desses termos e o tanto que ele tem demarcado situações de letalidade tanto em relação às mulheres como em relação às crianças. A lei cria uma brecha de desproteção. É um tema que de fato desprotege e tem sido analisado como um sinal de concretude de desproteção das crianças, e temos que estar atentos a isso”, afirmou Maria Luiza Moura, diretora de Proteção da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) defendeu que as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal, que assegura que a criança é prioridade, sejam respeitadas e tenham ações efetivas. “O ECA nos diz das políticas sociais, dos direitos, da condição de sujeitos de direitos, de destinatários e da doutrina de proteção integral a crianças e adolescentes. E a Constituição fala de prioridade absoluta. Então, isso são normas que precisam ser transformadas em ações”.
Alienação Parental
Segundo uma matéria publicada no portal Brasil de Fato, o Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna (CPI Voz Materna) disponibilizou recentemente a versão em português do Informe da relatora especial da ONU sobre Violência contra as Mulheres e Crianças, suas causas e consequências, Reem Alsalem. A acusação de alienação parental tem um componente de gênero muito alto e é frequentemente usada contra a mãe, pontua o relatório.
De acordo com o estudo Análise das Propriedades Psicométricas da Escala de Alienação Parental, de pesquisadora brasileira Paula Inez Cunha Gomide, a mulher foi acusada de alienação parental em 66% dos casos, em comparação com 17% dos casos em que os homens foram acusados, e os homens fizeram acusações mais infundadas do que as mulheres.
Conforme aponta o relatório, um dos padrões sexistas do apelo à alienação parental é a caracterização da mãe como um ser vingativo e delirante em relação a seu parceiro pelos tribunais e peritos judiciais. “Em um grande número de casos, as mães que se opõem ao contato das crianças com o pai ou tentam restringi-lo, ou que expressam reservas, são consideradas pelos peritos como obstrutivas ou mal-intencionada, o que reflete a tendência generalizada para culpar a mãe”, aponta o relatório.
No Brasil, em 2017, uma Comissão de Investigação Parlamentar encontrou uma correlação entre alienação parental, violência doméstica e abuso sexual. No entanto, advogados e defensores da alienação parental pressionaram para que não fossem tomadas as medidas de proteção das vítimas. “Ao ignorar ou menosprezar a violência doméstica em uma família, não as reconhecendo em suas decisões, os Tribunais apresentam violência doméstica como uma exceção e não como a norma nos casos de alienação parental”, afirma o documento.
Araceli e Joanna
A deputada Adriana Accorsi também destacou que o seminário é em memória a duas crianças que tiveram seus direitos violados por negligência de autoridades. “O Caso Araceli completou 50 anos, no dia 18 de maio, e nunca teve justiça. Nós acreditamos que ouve negligência de todas as autoridades envolvidas. O caso Joanna era um caso de abuso e maus-tratos familiar em que as autoridades receberam as denúncias de que a criança sofria espancamentos e abusos e não tomaram providência, pelo contrário, entregaram a guarda definitiva aos acusados de agressão levando à morte”.
Para ela é preciso recordar desses casos para que nunca mais aconteçam crimes como esses. “Nós queremos lembrá-las para que isso não aconteça mais e fazer uma reflexão do papel de toda a sociedade, das autoridades, dos órgãos de defesa dos direitos para que defendam de fato os direitos das crianças e adolescentes. Nós temos um Estatuto da Criança e do Adolescente que diz que elas são prioridades no nosso País e nós queremos que de fato isso aconteça”, explicou a delegada.
Para o promotor de justiça do estado da Bahia, Moacir do Nascimento, integrante da Comissão da Infância Juventude e Educação do Conselho Nacional do Ministério Público, os casos de Araceli e da Joanna “são vergonhosos” e servem para reflexão sobre a estruturação dos órgãos de proteção. Ele também defendeu a importância dos conselheiros tutelares. “O País vive um momento decisivo de eleger os conselheiros tutelares que vão atuar nos próximos quatro anos. São pessoas que realmente podem fazer a diferença em situações relacionadas ao abuso e exploração sexual, mais ainda precisamos amadurecer muito na compreensão do que é o Conselho Tutelar, um órgão extremamente poderoso”.
Crimes virtuais
Moacir do Nascimento também integra o grupo de trabalho que investiga crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes. Ele pediu que o Congresso Nacional aprove o projeto de lei (PL 2630/20) para que as plataformas tenham responsabilidades dos crimes cometidos virtualmente. “Crianças e, especialmente, adolescentes estão sendo recrutadas para produzir material pornográfico nos ambientes virtuais, vendendo por R$ 3, R$ 5 via mensagem direta imagem de pornografia infantil, e isso é muito sério, isso é uma omissão gravíssima dessas empresas. Que o Congresso dê uma resposta a isso por meio da aprovação do PL 2630/20 ou de outras legislações que permitam que o Estado chame a responsabilidade dessas empresas que lucram bilhões de reais e não contratam pessoas em número suficiente para fazer moderação e investigações de ilícitos praticados virtualmente. É preciso transparência”, observou.
Governo Lula
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do governo Lula já promoveu diversas ações de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Foi instituída a Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes que irão trabalhar de forma articulada.
A Pasta investiu, inicialmente, R$ 2,5 milhões para equipar os Centros Integrados de Escuta Protegida para garantir a escuta protegida e segura de crianças e adolescentes. Qualificou o atendimento especializado do Disque 100 e Ligue 180 em parceria com a Polícia Rodoviária Federal, Conselhos Tutelares e agentes de segurança pública. Lançou o Programa Mapear 2.0 que é a atuação da PRF para mapear pontos de maior incidência de exploração sexual nas rodovias federais, para repressão e combate a exploradores.
Lorena Vale com Brasil de Fato