Com a presença do teólogo Leonardo Boff, entidades que lideram a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida que congregam os movimentos ligados à agroecologia, segurança alimentar, saúde e meio ambiente, lançaram nesta terça-feira (6) um dossiê contra “pacote do veneno”, contido no projeto de lei (PL 6299/02), em tramitação na Câmara Federal.
Com o dossiê que traz a público um conjunto de produções técnico-científicas que fundamentam as críticas ao “PL do Veneno”, as entidades pretendem chamar a atenção da sociedade para o uso abusivo dos agrotóxicos no País e, ao mesmo tempo, busca sensibilizar e mobilizar a população para a proteção da saúde e do ambiente.
Em sua fala inicial, Leonardo Boff sentenciou: “Nós estamos vivendo uma emergência ecológica”. Segundo ele, aqueles que trabalham para ter vantagem com os agrotóxicos, “agridem profundamente a natureza, destrói aquele trabalho de bilhões de anos que a natureza fez para a conjugação de todos os elementos de equilíbrio para manter a vida em toda a sua diversidade”.
“Eles, com os agrotóxicos intervêm nesse processo e mudam em função, não da vida, em melhorar a vida, mas em função do aumento financeiro. Então, esse é o caminho da nossa destruição”, sentenciou Boff.
Desafio
Ao apresentar o conjunto de estudos e análises técnico-científicas do dossiê, a pesquisadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) Karen Friederich destacou o momento difícil pelo qual passa o Brasil e o mundo, e o desafio que a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida tem nesse contexto.
A pesquisadora relatou que o dossiê foi lançado em 2018 quando o PL do Veneno estava em tramitação no Congresso Nacional. Ele disse ainda, que em 2020, a Abrasco, a Associação Brasileira de Agrocologia e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, trabalharam em conjunto para atualizar o documento.
O documento, segundo a representante da Abrasco, contou também com apoio do Instituto Ibirapitanga, da Fiocruz, e da Articulação Nacional de Agroecologia.
Segundo Karen, o dossiê avalia o que aconteceu de 2018 até o momento, e de como o governo Bolsonaro tem atuado na questão relacionado ao meio ambiente. Ela avalia que o governo teve um propósito “muito forte de desmonte da legislação ambiental, desmonte da estrutura de saúde do SUS e isso tem um impacto”.
“A gente traz uma análise técnico-científica do PL do Veneno, em apontamos também os caminhos da agroecologia. Reforçamos a importância desse movimento, que é a única possibilidade de se produzir alimentos saudáveis, respeitando a natureza, respeitando os direitos humanos”, explicou a pesquisadora.
Cenário devastador
Karen Friederich disse ainda que se em 2018, o quadro era devastador, hoje, esse cenário relacionado ao uso indiscriminado de agrotóxicos é muito pior. “Se 2018, com o PL do Veneno já era algo avassalador sobre a soberania, a insegurança alimentar, sobre a saúde das populações, do campo, da agricultura familiar, hoje, nesse cenário, que se instalou principalmente 2019 para cá, a aprovação desse PL é ainda muito pior, é ainda mais destruidora dos nossos direitos”, alertou.
A representante da Abrasco afirmou que a justificativa usada pelos representantes do agronegócio de que a lei dos agrotóxicos não permite o desenvolvimento da agricultura, do agronegócio e que não permite produção de alimentos, cai por terra.
“Quando a gente vê esse marco temporal, de lá pra cá, o agronegócio só avançou, o uso de agrotóxico também explodiu, cresceu exponencialmente, foram introduzidos lavouras transgênicas que só estimulam, induzem o uso de mais agrotóxicos”, criticou.
“Então, na verdade, essa justificativa do PL, assim como todas as outras dos seus dispositivos, cai por terra quando a gente faz uma análise técnica, científica e jurídica desses itens.
Sobre o que se deve esperar do PL do Veneno, a pesquisadora esclarece que ele propõe a mudança do nome agrotóxico para pesticida. Segundo ela, essa troca de nome oculta a toxicidade, o impacto dado para saúde por essas substâncias.
“A construção desse nome foi feito durante processo da elaboração da lei dos agrotóxicos, de 1989, a partir de vários movimentos de trabalhadores, comunidade científica, de organizações sociais, e a mudança desse nome a gente vê também como uma, mais uma estratégia de ocupar esses riscos”, alertou.
Ponto destruidor
Karen alertou também que a aprovação de agrotóxicos “que causam riscos aceitáveis de câncer e outras doenças”, é um dos pontos do PL, talvez mais destruidores “porque eles vão permitir que se estabeleça o que é aceitável de doenças no Brasil, que quantidade de doenças e óbitos vão ser aceitáveis para que se continue nesse desenvolvimento do agronegócio”.
Outro alerta feito pela representante da Abrasco diz respeito à alteração de órgão regulador. Ela contou que a Anvisa e o Ibama são as instituições responsáveis em avaliar e tomar decisões sobre aprovação de registro de agrotóxicos. Com o PL essa decisão passa a ficar sob responsabilidade do Ministério da Agricultura.
“O PL quer justamente derrubar isso, esse poder de manifestação da Anvisa ou do Ibama sobre questões de saúde e questões ambientais. Então, é praticamente restringir ao máximo uma revisão periódica do registro de agrotóxicos”, denunciou.
Mobilização nacional
Leonardo Boff enfatizou a importância da mobilização nacional liderada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. “Essa luta de vocês é gloriosa, é salvadora. Ela trabalha com o futuro da humanidade”, frisou o religioso.
Para Leonardo Boff, essa ação conjunta é assumir uma tarefa ética, em defesa de um destino comum que conclama um novo começo. Segundo ele, é preciso entender a terra “não como um baú de recurso, mas como o superorganismo vivo, como Gaia – grande mãe”.
E assim, continuou, pode-se “mudar nossa mente, mudar nosso coração, sentir o grito da terra e o grito do pobre, porque do coração, a ética, nasce o sentido de solidariedade com todos os que sofrem, e o sentido de interdependência de todos com todos, entre os humanos e a natureza e uma responsabilidade coletiva pelo futuro comum da humanidade”.
Agronegócio não vai sensibilizar
O coordenador do Núcleo Agrário da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara, deputado Pedro Uczai (PT-SC) solicitou uma reflexão do teólogo em relação aos agrotóxicos. Em respostas, Leonardo Boff apontou a necessidade de conscientizar as pessoas.
“Veja que os países onde o nível de consciência é mais alto como os europeus, eles não aceitam aquilo que é transgênico, de forma nenhuma, porque não tem nenhuma segurança que garanta uma vida saudável para ele”, afirmou Boff.
O parlamentar ponderou que o agronegócio não vai se sensibilizar, e que um caminho central “é nossas organizações do campo e da cidade, nas várias dimensões, dialogar com quem consome o alimento, que são as vítimas que têm câncer, que tem problema de saúde, as doenças provocadas pelos agrotóxicos, que é dialogar com a sociedade e com o urbano, com as classes populares que são as maiores vítimas, também, se esse é um caminho de enfrentamento e de fortalecimento da nossa luta”.
Boff corrobora a avaliação feita pelo deputado Pedro Uczai. “Cabe o diálogo, a discussão, o enfrentamento. Quantos mais dados científicos a gente puder trazer e efeitos negativos que exatamente esses, esses transgênicos trazem para o meio ambiente, para o nível freático das águas, para a saúde humana, à saúde do meio ambiente, quanto mais nós pudermos argumentar com dados para as pessoas despertarem, tanto mais nós vamos criar uma consciência que rejeita os agrotóxicos e dá valor aquilo que a própria natureza tem de abundante”, argumentou Leonardo Boff
Governo necrófilo
Uczai questionou ainda a política genocida de Bolsonaro que incentivou a imunidade de rebanho, que já ceifou mais de 525 mil mortes causadas pela Covid-19.
Nesse ponto, Leonardo Boff defende resistência e luta para enfrentar o negacionismo. “Temos que resistir, mas mais que resistir, temos que ir pra cima deles, temos que lutar para salvar a vida, porque nós não queremos um governo necrófilo e nem um futuro de morte para o nosso País, para o nosso planeta”, disse Leonardo Boff.
“Eu acho que nós chegamos a um ponto em que é intolerável. Nós não podemos mais suportar alguém que tem como projeto a necrofilia. É um aliado do vírus contra o ser humano. São 518 mil, 520 mil pessoas que já perderam suas vidas e não há lenço suficiente para enxugar as lágrimas de milhares que estão sofrendo porque perderam seus entes queridos. Nós não podemos aguentar esse homem [Bolsonaro], temos que tirá-lo de lá, de qualquer maneira, porque a vida que está no centro”, defendeu o teólogo.
Também participaram do lançamento, os parlamentares Nilto Tatto (PT-SP), Airton Faleiro (PT-PA), Padre João (PT-MG) e Erika Kokay (PT-DF).
Assista a íntegra do seminário:
Benildes Rodrigues