Passados quase três anos de governo Bolsonaro, o setor cultural brasileiro se vê obrigado a transformar seu dia nacional, celebrado todo 5 de novembro, em uma data de resistência e enfrentamento, uma vez que Jair Bolsonaro cumpre as ameaças de campanha e persegue os trabalhadores da área. Uma análise das antipolíticas do atual governo mostra que, mais que ignorância ou falta de interesse, o que existe é um projeto que busca inviabilizar a livre manifestação artística. E isso é crime, pois produzir e ter acesso à arte sem censura é um direito garantido pela Constituição.
Em ação apresentada à Justiça Federal do Distrito Federal, em maio passado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) destrincha como esse projeto é colocado em prática. Além de cortar verbas; deixar o patrimônio nacional literalmente queimar; reduzir o status do Ministério da Cultura para o de secretaria, ligada à pasta do Turismo; e deixá-la sob o comando de pessoas claramente pouco comprometidas com o setor (até gente que faz apologia ao nazismo foi nomeada), o governo Bolsonaro age para reduzir drasticamente a produção cultural no País.
A principal medida nesse sentido foi a Portaria nº 24, de 22 de dezembro de 2020, na qual o atual secretário, Mário Frias, cinicamente estabeleceu como “meta” a análise de até 1.440 projetos inscritos na Lei Rouanet por ano. Esse número é muito menor que o total de projetos aprovados nos anos anteriores (em 2020, foram 4.492). A portaria, denuncia a OAB, instituiu uma verdadeira “operação tartaruga” para limitar o acesso à principal fonte de financiamento cultural do País.
O pior é que a mesma portaria, além de limitar drasticamente a quantidade de projetos que poderão buscar patrocínio, ainda estabelece como prioritários projetos ligados a museus e conservação de acervos, dificultando ainda mais a produção de livros, discos, shows, peças de teatro e musicais, entre outros. Fora que o governo também passou, claramente, a priorizar projetos de acordo com seu viés ideológico, em outro claro desrespeito à Constituição, segundo a qual cabe ao Estado disponibilizar o suporte logístico para a manifestação das expressões culturais, mas nunca dirigir-lhes o conteúdo.
Como se não bastasse, o governo Bolsonaro aproveitou a pandemia de Covid-19 para ampliar seu ataque, por meio da Portaria nº 210, de 15 de abril de 2021, que dificultou a aprovação de projetos que envolvessem aglomeração de pessoas. Como se o secretário Mário Frias não soubesse que a grande maioria dos projetos aprovados só começam a ser realizados muitos meses depois, já que a aprovação apenas dá início à tentativa de captação de recursos. Para a OAB, com toda essa “limitação ilegal” realizada pelo governo, “milhares de projetos culturais já deixam e deixarão de ser executados, inúmeros artistas e produtores são prejudicados e milhares de cidadãos brasileiros são furtados do acesso à cultura”.
PT em defesa da cultura
Percebendo o ataque sofrido pelo setor cultural, o Partido dos Trabalhadores se converteu em um contraponto à política de desmonte praticada por Bolsonaro. Na Câmara dos Deputados, nossa bancada transformou a Comissão de Cultura em importante foco de resistência, criando ali a Lei Aldir Blanc, de autoria de Benedita da Silva (PT-RJ) e José Guimarães (PT-CE), que garantiu auxílio emergencial de R$ 600 aos trabalhadores da cultura. Além disso, é de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA) a Lei Paulo Gustavo, que, ainda em tramitação, pretende injetar R$ 4,3 bilhões para o setor cultural, a serem geridos diretamente por estados e municípios.
Outra linha de ação do partido foi buscar a Justiça sempre que possível. O exemplo mais recente é a ação que o PT e outros partidos ingressaram, em agosto, no Supremo Tribunal Federal (STF), contra o Decreto nº 10.755/2021, que regulamenta a Lei de Incentivo à Cultura e cria um novo funcionamento do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) com o claro objetivo de dar prosseguimento ao dirigismo estatal do setor. Antes disso, em junho, o PT ingressou contra outra portaria que deu ao secretário Mário Frias funções que antes cabiam à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).
Dia Nacional de luta dos trabalhadores da Cultura
A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados debateu o projeto de lei (PL 1732/21), de autoria da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e que tem a coautoria das deputadas Benedita da Silva, Marília Arraes (PT-PE), Alice Portugal (PCdoB-BA) e deputados Tulio Gadelha (PDT-PE) e Airton Faleiro (PT-PA). que institui o Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Cultura, a ser comemorado, anualmente, no dia 4 de maio, em todo o País, nesta sexta-feira (5). A deputada Benedita da Silva participou do debate.
“Nós estamos nesse enfrentamento desde 2019, numa guerra tremenda, em uma guerra cultural imposta pelo governo. Em dois anos e meio nós tivemos quatro ministros e cinco secretários especiais de cultura, a situação vem se agravando e impactando toda a política pública. Tivemos apagão de recursos, tivemos a Lei Rouanet que é emergencial e que todos nós deveremos trabalhar para que ela faça parte do contexto do orçamento da cultura, do Fundo Nacional de Cultura, com política e com condições de viabilidade”, destacou Benedita.
Para a parlamentar, o dia será de muita luta para reconhecer os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da Cultura. “O projeto que estamos debatendo é para que essa data seja uma data de luta, uma data necessária de garantia dos recursos para que nós possamos, cada dia mais, ter o reconhecimento dos direitos legais dos trabalhadores e das trabalhadoras de cultura. É preciso que tenhamos a preservação desse campo de respeito a diversidade e a memória”.
Benedita da Silva também reforçou que a cultura precisa continuar gerando renda e emprego. “É cultura de fomento, de desenvolvimento social, é cultura econômica para o Brasil, é cidadania, é Soberania Nacional”.
Símbolo do enfrentamento
Os artistas brasileiros, apesar de todas as dificuldades criadas pelo governo Bolsonaro, seguem criando e levando ao público obras inventivas, corajosas e sobretudo livres. E às vésperas deste Dia Nacional da Cultura, um filme atacado e censurado se tornou símbolo do enfrentamento. Marighela, de Wagner Moura, venceu todos os obstáculos colocados pelo atual governo para finalmente, quase três anos depois de concluído, ganhar as salas de cinema.
“Entregar um filme como Marighela no Brasil de hoje faz parte de um enfrentamento do qual eu tenho muito orgulho de participar. Todos nós precisamos fazer esse enfrentamento contra o fascismo. (…) Estou aqui com vontade e muito feliz que meu filme esteja sendo abraçado, que as pessoas estejam vendo que o filme é um produto da cultura brasileira disposto ao enfrentamento”, disse o diretor em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura (assista abaixo).
O ator e diretor #WagnerMoura fala sobre as ameaças que recebeu durante a produção do filme “Marighela” no #RodaViva pic.twitter.com/r3l8tmjQc7
— Roda Viva (@rodaviva) November 2, 2021
Lorena Vale com PT Nacional