Dia de luta: todos contra o projeto que privatiza o saneamento e transforma a água em mercadoria

Uma plenária virtual reuniu na segunda-feira (22), parlamentares, movimento social, trabalhadores, ativistas, acadêmicos e artistas no “Dia Nacional de Lutas em Defesa do Saneamento Público”. Todos contra o projeto de lei (PL 4162/19), que trata do novo marco legal do saneamento básico, que está na pauta do Senado desta quarta-feira (24). O projeto é criticado porque afeta a titularidade dos municípios, privilegia as empresas privadas, cria fundo público para fomentar a privatização e acaba com os Contratos de Programa e os subsídios cruzados – quando os municípios mais ricos financiam em parte as obras e serviços para os mais pobres. Além disso, estabelece prioridade no recebimento de auxílio federal para os municípios que efetuarem concessão ou privatização dos seus serviços.

Os participantes do dia de luta foram unânimes em afirmar que água não é mercadoria. Eles também denunciaram a quebra de acordo do Congresso ao pautar essa proposta, uma vez que o entendimento para sessões virtuais incluía apreciação apenas de projetos com ações voltadas para o enfrentamento da pandemia. “Não podemos deixar esse governo de ultradireita passar a boiada, como propôs o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente”, afirmou o deputado Bohn Gass (PT-RS).

O esforço, explicou Bohn Gass, tem que ser para convencer os senadores a não aceitar esse projeto na pauta e esclarecer que todos os argumentos utilizados para a aprovação da proposta são falsos. “Esse governo mente, é fake e os argumentos para privatizar o saneamento também são falsos”, afirmou, citando o que ele considera três grandes mentiras do projeto: O governo não vai ganhar dinheiro, não haverá barateamento das tarifas dos serviços de água e saneamento e o serviço privado não é mais eficiente que o público. “Não podemos aceitar esse projeto que vai desestruturar todo o serviço de saneamento do País”, reforçou.

Mobilização

O deputado Afonso Florence (PT-BA) defendeu a mobilização até quarta-feira (24) para impedir a apreciação da proposta. “O capital quer sucatear e inviabilizar a prestação pública de um serviço essencial para a vida. Não podemos aceitar. Com a privatização, as tarifas dos serviços de água e esgoto ficarão mais altas”, protestou. Ele alertou ainda para a correlação de forças neste momento. “Mesmo com toda a luta dos partidos de esquerda, com apoio de parlamentares de outras legendas, há probabilidade de aprovação da proposta, por isso, precisamos reforçar a luta para reverter votos”, reforçou.

A mobilização contra o PL 4162/19 também foi defendida pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP). Ele lembrou que foi a pressão da sociedade civil e o trabalho dos parlamentares de esquerda que possibilitaram a derrota da MP 910, conhecida como a MP da grilagem de terras. “Não podemos permitir essa aprovação porque se passar essa proposta vamos perder uma grande conquista: a universalização do saneamento básico. Se esse projeto passar, a água e o esgoto só vão para onde houver lucro, e a maioria dos municípios brasileiros e a zona rural vão ficar sem esse serviço essencial para a vida”, argumentou. Tatto reforçou que é preciso mobilizar, usar as redes sociais até quarta-feira para que esse projeto não vá a voto. “Não queremos privatização, água não é mercadoria e saneamento é direito de todos”, afirmou.

Subsídio cruzado

Na avaliação do deputado Joseildo Ramos (PT-BA), essa proposta tem que ser rejeitada. “Na verdade ela nem deveria ser pautada porque é um projeto nocivo, que carrega no seu bojo o lucro”, criticou. O objetivo do PL, segundo Joseildo é privatizar, entregar a Eletrobras, entregar a soberania dos rios. “Um rio como o São Francisco vai atender o lucro, isso é um absurdo, é inaceitável”, protestou. Ele enfatizou ainda que, com essa privatização, acaba a universalização dos serviços de água e esgoto.

Joseildo explicou que hoje a iniciativa privada tem todos os caminhos para trabalhar no setor. “O projeto é para tirar os serviços das empresas públicas municipais e estaduais e transferir para a iniciativa privada e ainda com luva. O resultado disso é que vão acabar os subsídios cruzados, que permitem às cidades que dão lucro subsidiar o saneamento para os pequenos municípios. As empresas privadas ficarão com o filé e o osso ficará com o Estado. Isso é um crime de lesa-pátria”, denunciou.

Para o deputado Carlos Veras (PT-PE) é lamentável ver que o Senado vai descumprir um acordo do Parlamento de só votar neste momento projetos de lei para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. “Em um momento como esse, de luta pela vida, e sem oportunidade de diálogo e de debates com os senadores, estão aproveitando para votar um projeto de tanta crueldade com a população. Com essa proposta não vai ter saneamento para quem precisa, ao contrário, deixará a zona rural e as periferias sem água tratada e sem esgoto. Não pode concordar com essa proposta. Água não é mercadoria. Água é vida”, enfatizou.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) alertou que se o projeto passar, o povo brasileiro, especialmente dos pequenos municípios e zona rural não terão água tratada nem serviço de esgoto. Ele citou como exemplo a privatização desses serviços em Manaus. “Eles não ganharam nada com essa privatização, nem um metro de rede de água e esgoto”, lamentou. Paulo Teixeira disse que os senadores precisam dizer não a esse projeto. “Água é um patrimônio do povo”, enfatizou.

O deputado João Daniel (PT-SE) frisou que é o Estado que deve ser o responsável pela execução das políticas públicas e do bem estar social. “A vida é o que interessa. Agua é vida, ter água tratada e saneamento é um direito”, afirmou. Ele também denunciou o entreguismo do governo Bolsonaro. “Esse é um projeto de interesse do capitalismo, que transforma água em mercadoria. Não a esse projeto. Essa votação não faz sentido”, reiterou.

Direito sagrado

A deputada Margarida Salomão (PT-MG) reforçou que água e saneamento são direitos sagrados. “Será insensatez o Senado levar esse projeto a voto”, observou. Ela disse que o momento é de priorizar o combate à pandemia. “E curiosamente o coronavírus mostrou como é fundamental o saneamento. Todo mundo escuta lave as mãos, mas infelizmente não tem água nem esgoto tratado pra todo mundo”, lamentou.

A deputada observou ainda que na contramão de países como a França e Alemanha – onde a privatização do saneamento deu errado – o preço disparou e a qualidade caiu – e foi preciso reestatizar o serviço, o Brasil, com atraso, que copiar o modelo falido. “Não a esse projeto. Votar agora é um desrespeito à vida”, completou.

O senador Paulo Paim (PT-RS) declarou seu voto contrário ao projeto e citou que hoje no Brasil apenas 48% da população conta com serviço de coleta de esgoto e 36 milhões – que corresponde à população do Canadá – não tem água tratada. “Este serviço não pode ser privatizado. Água não pode ter dono, água é um bem de todos”, enfatizou.

O deputado Frei Anastácio (PT-PB) se manifestou radicalmente contra o projeto, que entrega um bem público para a iniciativa privada. “Sou contra esse absurdo que está na contramão do mundo. Água é vida, não pode virar mercadoria, ficar na mão da iniciativa privada significa aumento de tarifa, precarização dos serviços e desemprego. E o mais grave, é o povo mais pobre que será o mais prejudicado”, alertou.

O deputado estadual Robson Almeida (PT-BA) também alertou que o fim do subsídio cruzado vai deixar os pequenos municípios sem água tratada e sem serviço de esgoto. Ele citou como exemplo a Bahia, que só tem 20 municípios lucrativos e por causa do subsídio eles sustentam 340 pequenas cidades. “Se esses que dão lucro forem para a iniciativa privada vai inviabilizar os serviços principalmente para a população que mais precisa. Não a esse projeto. Voto tem que ser em favor da vida e do povo brasileiro”, afirmou.

Organização

A plenária virtual que durou mais de quatro horas foi organizada pela Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), que representa boa parte dos mais de 200 mil trabalhadores de saneamento do País, em parceira com 28 entidades de representação nacional e internacional – e mais os sindicatos dos urbanitários dos estados. As entidades entendem que a privatização da água será um retrocesso sem precedentes na nossa história, gerando a exclusão de milhões de brasileiros do acesso a esse bem essencial para a vida.

Veja a íntegra do seminário:

 

Vânia Rodrigues

 

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