“A CPI do Incra e da Funai é a expressão máxima de como os ruralistas têm agido na Câmara para cassar direitos dos povos indígenas, quilombolas e assentados, com intuito não só de criminalizar a atuação desses órgãos e dos movimentos sociais, mas de paralisar a democratização do acesso à terra no Brasil”, afirmou a deputada Erika Kokay (PT-DF), ao resumir o objetivo dos trabalhos desenvolvidos pela CPI.
De acordo com a deputada, o fundamentalismo patrimonialista – que considera cercas e bois mais importantes que o direito humano ao território – tem se utilizado da CPI para agir ao arrepio da lei. “Estamos assistindo todos os dias a um festival macabro de atrocidades contra os direitos de indígenas e quilombolas”, disse a deputada.
Segundo ela, o festival de horrores inclui a ampliação do escopo de investigação estabelecido no requerimento de criação da comissão; a delegação de poderes próprios dos mandatários detentores de prerrogativa constitucional para a investigação; a determinação de providências para a abertura de inquéritos contra investigados antes do término dos trabalhados da CPI e aprovação do relatório final; a realização de diligências abusivas em terras indígenas com a prática de ameaças e intimidações, em flagrante desrespeito às comunidades, sua cultura e costumes.
Ciente dos interesses que estavam por trás das supostas investigações do colegiado, em dezembro de 2015, a Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara Federal entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), para impedir a instalação da CPI.
O mandado com pedido de liminar, protocolado pela deputada Erika, aponta que o requerimento que propõe a CPI “nem de longe observa o requisito constitucional do fato determinado” e também não estabelece o período sobre o qual deve se debruçar o trabalho de apuração do colegiado.
A petição assinada pela parlamentar considera que a instalação da CPI seria uma “grave afronta” ao artigo 58 da Constituição Federal, que prevê a obrigatoriedade do “fato determinado” para o funcionamento de comissões parlamentares de inquérito. Assim, o ato da presidência da Câmara que criou a CPI é “abusivo, ilegal e inconstitucional” no entendimento de Erika.
O próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já se manifestou por duas vezes perante ao STF para pedir pelo “urgente deferimento do pedido de medida liminar para a paralisação dos trabalhos da CPI e a sustação dos efeitos dos atos já praticados e, quanto ao mérito, a anulação do Requerimento 16/2015, do respectivo ato de instituição e formação da comissão, deferido pelo Presidente da Câmara dos Deputados, e de todos os atos praticados no âmbito da comissão parlamentar de inquérito”.
Na segunda recomendação de Janot ao ministro Edson Fachin, relator do mandado de segurança, Rodrigo Janot pede o urgente provimento do agravo regimental impetrado pela parlamentar, e ainda ratifica os termos da primeira manifestação da PGR, encaminhada ao ministro Fachin, em 7 de dezembro de 2015.
No documento, Janot reafirma que, “diante do requerimento e do ato de criação [da CPI], não é possível a identificação segura de fato determinado apto a ser averiguado pela comissão parlamentar”. Mais adiante, destaca que os fatos lá trazidos, se considerados verídicos, podem consubstanciar meros exemplos de irregularidades, que não permitem a extensa investigação a que é proposta ao órgão legislativo.
Por fim, a recomendação aponta que os fatos indicados no Requerimento 16/2015 não atendem às exigências quanto à concretude e individualização dos acontecimentos para os quais se postula investigação, vício que contamina a própria existência da CPI da Funai e do Incra.
Entidades de defesa dos direitos dos Povos Indígenas, a exemplo, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e do Conselho Estadual dos Povos Indígenas – CEPIn, de Santa Catarina, também protocolaram manifestação formal junto ao STF em apoio ao Mandado de Segurança, de autoria da deputada Erika Kokay.
Com argumentos relativos aos procedimentos formais do requerimento de criação da CPI, as entidades reafirmaram que “os documentos evidenciam a falta de um prazo para o funcionamento da comissão, assim como a falta de fato determinado com a devida justificativa”.
O requerimento não aponta para delitos específicos ou fatos determinados que justifiquem a abertura do inquérito. CPIs anteriores, inclusive, já foram impedidas pelo Presidente da Câmara dos Deputados sob o mesmo argumento, ou seja, sua natureza genérica, aponta um dos documentos que referendam a petição inicial da parlamentar.
Dentre outros argumentos, as entidades afirmam que o Poder Legislativo não tem competência para avaliar o trabalho técnico, social e antropológico da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou mesmo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por envolver processo de delimitação que é feito por quadro multidisciplinar de especialistas, dado o caráter essencialmente político de suas decisões.
Denunciam, ainda, a falta de isenção e de imparcialidade na condução dos trabalhos da CPI, posto que os deputados que instauraram a comissão possuem interesses diretamente ligados ao agronegócio.
Assessoria Parlamentar
Foto: Lúcio Bernardo Jr