“As consequências da Indústria 4.0 podem ser devastadoras para a classe trabalhadora”. Assim o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes define o momento atual, também denominado de 4ª. Revolução Industrial ou manufatura avançada. A avaliação aconteceu durante audiência pública nessa terça-feira (10), promovida pela Comissão do Trabalho, Administração e Serviços Públicos (Ctasp) sobre os impactos da Indústria 4.0 no mundo do trabalho.
“É um tema de extrema complexidade que pode ser uma fase ainda mais complicada para a classe trabalhadora. Vejo como hipótese que as consequências da Indústria 4.0 podem ser devastadoras para a classe trabalhadora. É simples assim! O mundo digital com as tecnologias de informação e comunicação é cada vez mais central no mundo produtivo”, avaliou o especialista da Unicamp.
O debate foi proposto pelo deputado Carlos Veras (PT-PE), que durante a audiência adiantou que vai sugerir a criação de uma subcomissão no âmbito da Ctasp a fim de analisar os efeitos e aprofundar o diálogo sobre essa nova realidade. “Vamos criar uma subcomissão para tratar desse tema, porque a tecnologia tem que vir, ela é importante, mas não para substituir o trabalhador, não para precarizar ainda mais a relação do trabalho, mas para proteger o trabalhador, reduzir a jornada de trabalho, garantir uma vida mais digna”.
Automação
O professor Ricardo Antunes explicou ainda durante sua exposição, que a Indústria 4.0 nasceu na Alemanha em 2011, e foi concebida para gerar um novo salto tecnológico no mundo produtivo, a partir do crescimento exponencial das novas tecnologias de informação e comunicação que, segundo ele, se desenvolvem celeremente.
Para ele, isso acarretará na intensificação ainda maior dos processos produtivos automatizados em toda a cadeia produtiva geradora de valor, como indústrias, serviços, agricultura, agroindústria “de modo que a produção e a logística empresarial sejam controladas e comandadas digitalmente em todos os espaços onde isso for possível, e economicamente vantajoso para os capitais”.
Ricardo Antunes citou a Amazon e a Uber como exemplos emblemáticos que configuram globalmente o mundo do trabalho hoje. Segundo ele, a Amazon é uma empresa que há dez anos não aparecia em nenhum mapa, e hoje é uma gigante global. Ele contou que a empresa combina atividade digital com formas mais intensas de trabalho manual, físico e intensificado.
“Depoimentos de trabalhadores nos EUA demonstram que, caminhar 24 ou 25 quilômetros ao longo do dia para buscar nas prateleiras produtos a serem enviados em tempo veloz aos consumidores, é pratica sistemática”, disse o professor, ao se referir ao relato de uma das unidades da loja na Inglaterra, onde se encontra seu maior centro de E-commerce na Europa.
Na opinião do professor, a Uber é um exemplo expressivo de precarização do trabalho. Isso se dá, explicou, porque os trabalhadores arcam com a despesa de seguridade, os gastos de manutenção de seus carros, de alimentação, de limpeza, entre outros. “Enquanto a plataforma, se apropria da força de trabalho gerada pelos serviços dos motoristas sem que se contemple os deveres trabalhistas vigentes nos países onde a plataforma opera”, denunciou.
Escravidão digital
Outro ponto abordado pelo especialista diz respeito a “zero hour contract”, ou seja, “contrato de zero hora”. Segundo ele, é uma modalidade de trabalho com enorme crescimento global e que se estrutura a partir de um amplo contingente de trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas atividades que ficam à disposição de uma plataforma. “Vou me ater às grandes plataformas que são para mim, a forma prévia da Indústria 4.0. Eles (trabalhadores) ficam esperando uma chamada, e quando a recebem ganham estritamente pelo que fizeram, nada percebendo pelo tempo que ficaram à espera da solicitação. Se eu fico dois dias esperando uma chamada e não vem chamada nenhuma, eu sou um escravo à disposição do meu senhor que é o equipamento digital”, lamentou.
Trabalho morto
Para o professor, a principal consequência da Indústria 4.0 para o mundo do trabalho é o “trabalho morto’’. Segundo ele, trata-se de uma exponencial expansão das tecnologias digitais, com o surgimento da ‘internet das coisas’ e as suas profundas consequências no espaço microcósmico do trabalho. “Haverá, então, a drástica redução do trabalho vivo, com a substituição das atividades assalariadas e manuais por ferramentas automatizadas e robotizadas, sob o comando informacional digital”.
Divisão do trabalho
O representante do Dieese Max Leno de Almeida chamou a atenção para a presença da divisão internacional do trabalho no contexto da Indústria 4.0. “Cada vez mais empresas estão procurando lugares onde a produção seja efetuada a custo cada vez menores. Conceito advindo justamente desse desdobramento da globalização de fato, no âmbito das próprias empresas, e de própria produção contemporânea.
Sindicatos
Max Leno destacou o papel dos sindicatos nesse processo. “Os sindicatos têm que ser preservados do ponto de vista da sua atuação social, mas alguns ingredientes novos acabam surgindo de tal maneira que eles intensifiquem ainda mais sua relevância social que é entender tudo isso que está acontecendo, de que maneira ele vai ser representado dentro desse processo”, apontou o representante do Dieese.
Os parlamentares da Bancada do PT, Bohn Gass (RS), Margarida Salomão (MG), Erika Kokay (DF) e Rogério Correia (MG) também participaram do debate.
Texto e foto: Benildes Rodrigues