Comissão aponta irregularidades na conservação do acervo da Fundação Palmares que está sob ameaça de doação

Deputadas da Comissão de Cultura em diligencia na Fundação Palmares, em junho deste ano. Foto: Wolglan Melo/Arquivo

A situação do acervo cultural, artístico e histórico da Fundação Cultural Palmares foi tema de debate na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, nesta sexta-feira (8). A audiência pública foi solicitada pelas deputadas Benedita da Silva (PT-RJ) e Erika Kokay (PT-DF). Os participantes apontaram, entre as irregularidades, na conservação do acervo histórico da Fundação Palmares, que o acervo está encaixotado e sob ameaça de doação.

Deputada Benedita da Silva. Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Em junho de 2021, a Fundação Palmares publicou um relatório intitulado “Retrato do Acervo: A Doutrinação Marxista” no qual Sérgio Camargo, presidente da fundação, afirmou que “todas as obras que corrompem a missão cultural da Palmares” seriam excluídas. Segundo ele, 5.165 livros, que representam 54% do total da biblioteca, têm “temática alheia à negra”, com conteúdos relacionados à “sexualização de crianças, manuais de greve, pornografia e erotismo”. No dia 30 de junho, a Comissão de Cultura da Câmara Federal realizou diligência junto à Fundação Cultural Palmares para averiguar as condições estruturais e de preservação do acervo histórico e institucional da entidade.

Durante a audiência, a deputada Erika Kokay disse que a sede da instituição foi transferida neste ano para um prédio cedido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em Brasília e que houve denúncias de armazenamento inadequado do acervo da fundação. “O estado precário de conservação do imóvel oferecido pela cedente representaria uma verdadeira temeridade e ameaça à preservação e manutenção do referido acervo, colocando em risco de perda definitiva documentos que representam valores histórico-culturais da cultura negra afrodescendente”. E completou: “É inadmissível que nós tenhamos o nosso patrimônio sendo destruído dessa forma. Nosso patrimônio histórico, cultural, artístico e literário”.

Deputada Erika Kokay. Foto: Reila Maria/Câmara dos Deputados

Guardião da história

A deputada Bendita da Silva deixou claro que o maior objetivo da Fundação é ser guardiã da história da população negra. “Eu quero cumprimentar a todos os ex-presidentes da Fundação Cultural Palmares, que foram capazes de criar, de formular, dar sustentação e buscar oficialmente uma representação para a comunidade negra, que pudesse se basear na promoção e na integração cultural, social, econômica e política de afrodescendentes no contexto social do País. Esse é o objetivo maior da Fundação Palmares, realmente de ser a guardiã da história da população negra”.

Para a parlamentar, o atual presidente da instituição precisa implementar políticas que visem dinamizar a participação dos afrodescendentes no processo do seu desenvolvimento sociocultural brasileiro. “A Fundação Palmares não apresentou até agora nenhuma política voltada para a inclusão. Toda manifestação foi ideológica (…) esses 3 anos do governo, nós estamos vendo a ausência de qualquer ação, de qualquer promoção. Nós lidamos cotidianamente com a deturpação da nossa história, dos negros, nesse País. E assim sendo, não é possível que nós possamos aceitar a retirada dessas estruturas, as alterações da representação da sociedade civil nessa composição dos conselhos. Nós não podemos aceitar”.

Segundo Raphael da Silva Cavalcante, Presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia do Distrito Federal, quando eles tiveram acesso às declarações de Sérgio Camargo – sobre o acervo bibliográfico da instituição – entraram com ação no Ministério Público para resguardar o acervo. “O acervo bibliográfico da Fundação Cultural Palmares é de suma importância devido a toda a história da fundação e é importante resguardar a trajetória deste acervo”, frisou.

Próximos passos

Segundo Erika Kokay, a comissão vai apresentar um requerimento de informação para que o Estado brasileiro diga onde estão todos os documentos históricos que não foram identificados. Também vão finalizar um relatório que está sendo construído com os órgãos que participaram da diligência junta à Fundação e será encaminhado para todos os órgãos de controle.

“Nós temos, inclusive, nesse relatório, questionários feitos que comprovam se foram cumpridas ou não as condições necessárias para a preservação do acervo. Nós vamos consolidar este relatório e será encaminhado para todos os órgãos de controle para que o Brasil não retroceda, e nós possamos avançar na identificação, desconstrução e enfrentamento de tudo aquilo que considera que seres humanos possam ser hierarquizados a partir de como são, de como amam, de como pensam, hierarquizados a partir da cor da própria pele”.

Sérgio Camargo

Apesar dos inúmeros convites, o presidente da fundação, Sérgio Camargo, não participou da audiência virtual alegando que só iria se fosse presencialmente. Ele usou sua conta do Twitter para dizer que: “Havia aceitado o convite porque a audiência pública seria PRESENCIAL. Repentinamente, a Comissão alterou para videoconferência, sob desculpa esfarrapada da Covid”.

A deputada Erika Kokay leu todos os convites que foram feitos a Camargo afirmando que desde o início o convite ao presidente da Fundação foi explícito quanto à modalidade virtual e nada foi alterado. “Esta reunião não foi cancelada. Ela está acontecendo. Nós estamos em regime de trabalho híbrido. Os deputados não estão em Brasília na sexta-feira. A deputada Erika Kokay está sentada nesta mesa e pode recebê-lo, presencialmente. Estamos aqui também, remotamente, para recebê-lo. Esse tipo de alusão à prática da Comissão de Cultura talvez seja medida pelo seu próprio espelho. A Comissão de Cultura recebe bem a todos, mesmo aos que nos agridem”, disse a presidente da Comissão de Cultura, Alice Portugal (PCdoB-BA).

Lorena Vale

Está gostando do conteúdo? Compartilhe!

Postagens recentes

CADASTRE-SE PARA RECEBER MAIS INFORMAÇÕES DO PT NA CÂMARA

Veja Também