A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara vai enviar à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos- uma denúncia contra o Estado brasileiro por violação aos direitos dos atingidos pela tragédia ocorrida com o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG). A informação foi dada pelo deputado Padre João (PT-MG), durante audiência pública promovida pela CDHM e a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), presidida pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP).
Durante a reunião, várias pessoas atingidas pela tragédia e representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública acusaram a Fundação Renova- organização independente constituída para solucionar os problemas sociais e ambientais ocasionados pela catástrofe- de agir com descaso no atendimento das necessidades básicas dos atingidos, e até de coagi-los a não buscar seus direitos na justiça.
“Considerando que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, e reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nós iremos apresentar uma denúncia na Corte responsabilizando o Estado brasileiro pelo fato de não adotar as medidas cabíveis previstas no ordenamento jurídico, diante das graves violações aos direitos humanos das vítimas pela tragédia”, afirmou Padre João.
Em nome do Ministério Público Federal, o Procurador da República em Minas Gerais, Helder Magno da Silva, acusou ainda a Fundação Renovar de excluir os atingidos pela tragédia na tomada de decisões para a reparação dos danos. “Existe uma exclusão dos atingidos na formulação das decisões da Renova. Em relação aos pescadores, por exemplo, é balela afirmar que eles não possuem conhecimento técnico para auxiliar na recuperação do Rio Doce. São justamente essas pessoas que mais conhecem o rio e sabem exatamente a dimensão do dano causado”, afirmou.
Já o Defensor Público Federal e Defensor Regional de Direitos Humanos do Espirito Santo, João Marcos Mariano, acusou a Fundação Renova de agir com parcialidade na concessão dos benefícios. “A Renova escolhe aleatoriamente quem vai ou não receber o benefício. Eu presenciei nos municípios de Rio Doce e Santa Cruz- no Espírito Santo- a Renova não reconhecer pescadores que sempre viveram da pesca como beneficiários de ações reparatórias, acusando-os de atividade ilegal”, disse.
João Mariano relatou ainda que a defensoria pública constatou que a empresa contratada para fazer a perícia dos danos ambientais causados pela tragédia, já havia prestado serviço à mineradora Samarco, responsável pela barragem de Mariana. “Também constatamos um percentual elevado de ex-funcionários da Samarco na Renovar”, observou.
Para comprovar o vínculo entre os interesses da entidade e da mineradora responsável pela barragem, o deputado Padre João revelou que a CDHM enviou convites para representantes da Samarco e da Vale, dona da primeira, e obteve a resposta de que já estariam representados pela Renovar.
Descaso– A representante da Comissão dos Atingidos de Mariana, Maria do Carmo D’Angelo, acusou a Renova de não oferecer ajuda a todas as famílias atingidas na região. Segundo ela, muitas pessoas na zona rural não recebem qualquer ajuda, e ainda sofrem discriminação de parte da população.
“Fomos expulsos de nossas casas pela lama da barragem, e ainda somos acusados de sermos responsáveis pelas demissões causadas pela interrupção das atividades da Samarco”, lamentou.
O presidente da Associação Comunitária de Bento Rodrigues, José do Nascimento de Jesus (Zezinho), destacou que antes da tragédia nunca a comunidade devastada pela lama da barragem foi alertada sobre os perigos que corria. “Nunca houve um treinamento de emergência, nenhuma sirene. Agora, depois da tragédia, tem placa para todo lado escrito ‘área de risco’ e ‘corra se ouvir a sirene’. Mas agora, quem vai correr? No dia eu consegui, mas 19 pessoas não”, explicou.
Humilhação– Não bastasse o descaso, relatos de casos de humilhação também foram relatados na reunião. O representante dos Atingidos pela barragem do Fundão, Ronaldo Luz, explicou que após o filho ter sido obrigado a interromper a faculdade por falta de pagamento foi ao escritório da Renovar para tentar obter o benefício por ter sido afetado pela tragédia. “E tive que ouvir de um funcionário da Renovar: e por acaso filho de pescador faz faculdade? ”, relatou.
Ameaça– Casos de ameaças aos atingidos também foram denunciados na audiência. “A Renova tem pressionado os pescadores a assinarem um acordo de indenização abaixo do valor pedido na justiça e sob a ameaça de que o cartão de assistência pode ser cancelado. Esse acordo também estabelece que nenhum pescador ou familiar poderá acionar judicialmente a Samarco ou a Vale no futuro”, disse o Presidente da Associação de Pescadores de Conselheiro Pena e região, Lelis Barreto.
O coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, defendeu que o poder público só autorize a volta das atividades de mineração da Samarco após todos as indenizações e compensações ambientais pelo dano causado sejam pagos.
“A Vale/ BHP Billington, controladoras da Samarco, só visam o lucro. Até agora gastaram mais de dois bilhões em ações reparatórias, mas apenas na tentativa de retomar os negócios e não na reparação dos danos causados. Eles só pensam no lucro”, finalizou.
Outro lado– O Diretor Presidente da Fundação Renovar, Roberto Waack, explicou que 42 ações reparatórias de danos já foram implementadas, mas reconheceu que “os procedimentos demandam ajustes e estão longe de serem perfeitos”.
Também participaram da audiência públicas os deputados Adelmo Leão (PT-MG) e Helder Salomão (PT-ES), além de representantes do IBAMA, do Ministério Público de Minas Gerais e do Ministério do Desenvolvimento Social.
Héber Carvalho