CCJ rasga a Constituição ao aprovar proposta que aniquila direitos dos povos indígenas

Foto: Divulgação do CIMI - Conselho Indigenista Missionário

Com voto contrário da Bancada do Partido dos Trabalhadores, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara (CCJ) aprovou na tarde desta quarta-feira (23), por 40 votos a favor e 21 contrários, o projeto de lei (PL 490/2007), que modifica os critérios de uso, demarcação e gestão das terras indígenas.

Durante mais de sete horas de debates, parlamentares do PT e da Oposição lutaram para barrar o retrocesso imposto pelo projeto que prevê, entre outros pontos, a adoção do marco temporal, veda a ampliação de terras que já foram demarcadas e permite a exploração de terras indígenas por garimpeiros.

Pelo marco temporal, só poderão ser consideras terras indígenas aquelas em posse desses povos na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, com expressa comprovação da posse.

Os parlamentares alertaram para o fato de o PL violar a Constituição, infringir normas estabelecidas na Convenção 169 da OIT, e que a proposta pode ser revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Quando nós começamos a colocar em prática a Constituição, a gente vê de novo a elite desse País, essa elite com cabeça colonizadora, extrativista, ocupadora, de novo, colocar a população indígena para fora das suas terras ou retirar os seus direitos. É triste ver isso. Nós temos uma Constituição jovem que não consegue ser implementada e é golpeada a todo momento”, criticou a presidenta Nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Ao se manifestar, a deputada Erika Kokay (PT-DF) avisou: “Aqui se rasgou a Constituição, aqui se estabeleceu um rompimento e um ferimento na nossa brasilidade, mas não prosperará”, afirmou a deputada.

A coordenadora da bancada petista na CCJ, deputada Maria do Rosário (PT-RS), questionou seus pares sobre o preço da aprovação da matéria às pressas. “Já não bastam os garimpeiros ilegais, já não basta a destruição ambiental, o ministro do Meio Ambiente envolvido com madeireiros ilegais, e vocês decidiram passar a boiada, passar o trator? Quanto custa aprovar às pressas uma matéria como essa aqui dentro?”, indagou.

Maria do Rosário questionou ainda o porquê de a CCJ colocar como pauta única uma matéria com a importância que tem o PL 490. “Esta única matéria na pauta de hoje é para nos impedir de apoiar os indígenas. Como disse a deputada Gleisi, essa sala está fechada aos indígenas, porque o coração e a alma de vocês estão fechados aos povos do Brasil”, criticou.

O deputado Rui Falcão (PT-SP), que participou dos debates na CCJ desde o início das discussões do PL 490, defendeu com veemência uma audiência pública para aprofundar o tema. Rui sempre foi contrário à matéria.

Rui disse para a presidente da Comissão que ele é autor do requerimento nº 214, que visa a realização de audiência pública, em que seriam convidados Edinho Macuxi, Coordenador-Geral do CIR, Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e a Federação Nacional dos Povos Indígenas. O petista frisou para Bia Kicis que “considerasse, independentemente do resultado da reunião, que pudéssemos, talvez amanhã [hoje], quem sabe, se hoje não for possível, pelo Regimento, deliberar a respeito desse requerimento”. Como toda bancada petista na CCJ, Rui Falcão votou contra o texto que rasga a Constituição Federal e prejudica ainda mais os povos indígenas brasileiros.

Jurisprudência

Ao falar em nome da Bancada da Minoria, o deputado José Guimarães (PT-CE) argumentou sobre a inconstitucionalidade da matéria e jurisprudência sobre o tema já arguida pelo STF. “Esse projeto, quem é jurista sabe, esse PL, se ele for aprovado, poderá ser derrubado pelo Supremo Tribunal Federal, porque a Suprema Corte já tem jurisprudência consolidada sobre isso”, lembrou.

Na avaliação do vice-líder da Minoria, a proposta jamais poderia ser votada. “Nós jamais poderíamos aprovar uma proposta de 2007 que pode alterar cláusulas elaboradas e consolidadas pelos constituintes de 1988. E essa cláusula que definiu as atribuições do Poder Executivo em determinar o processo de demarcação de terras indígenas, que está sendo usurpado por esta comissão”, denunciou Guimarães, reforçando que “são cláusulas pétreas”.

Judicialização

José Guimarães alertou para o processo de judicialização que proposta como a que foi aprovada pode acarretar. Segundo ele, os membros do colegiado jamais poderiam atropelar sem dialogar, sem que houvesse ampla discussão sobre a temática. “Esse tipo de conduta, de empurrar, de fazer na marra, não é bom para a democracia, nem para o Parlamento brasileiro. É por isso que nós queremos comunicar, em nome da Liderança da Minoria, que tudo faremos para derrotar esse projeto. E mais do que isso, será judicializado. Eu não tenho dúvida que o Supremo não vai deixar a CCJ agredir aquilo que é maior que todos nós, que é a nossa Constituição”, observou.

Açodamento

A deputada Gleisi Hoffmann questionou a pressa em debater e aprovar uma proposta que se encontra na Casa desde 2007. Ela lembrou que nesse período de 14 anos não ocorreu audiência pública para debater a proposta com a sociedade, com a comunidade indígena.

“Aliás, não entendemos o açodamento. Por que isso tem que ser votado hoje? Por que agora nós temos que votar? Em momento de uma pandemia, aonde nós tínhamos que está discutindo as questões de saúde, de emprego, de recuperação do nosso País, de proteção do nosso povo, vai ser votada aqui uma matéria que é exatamente para desconsiderar a Constituição?”, questionou a presidenta Nacional do PT.

Déficit democrático

Para Gleisi, o açodamento, sem a participação da comunidade indígena, instala no Parlamento brasileiro é conduta antidemocrática. “A pressa, inclusive para reverter os processos da comissão, é coisa absurda, e nós vamos pagar caro para história. Nós estamos tendo déficit de democracia no processo legislativo brasileiro. É uma vergonha. A Casa, que é o Parlamento, que teria que ter o debate, não tem”, reclamou.

Aspectos jurídicos

A deputada Maria do Rosário questionou e criticou a presidente da comissão, deputada Bia Kicis (PSL-DF) acerca dos aspectos constitucionais, legais, jurídicos, que segundo a petista, foram feridos, em todos os sentidos. “É matéria inconstitucional. Eu creio que vossa excelência está ferindo as atribuições da comissão em vários aspectos. O aspecto da cidadania, como haverá cidadania sem a garantia de que estejam presentes as pessoas interessadas? Todo o Brasil é interessado, porque junto com ataque as populações indígenas, tem ataque ambiental. Nós não vamos sobreviver a isto”, lamentou Maria do Rosário.

Passar boiada

Para a deputada Erika Kokay, não havia a necessidade de se votar a proposta em tempo recorde, sem ouvir a população indígena. “Não temos que votá-lo! Nós temos que seguir a ordem natural. É passar a boiada, é impedir que possamos discutir a memória desta comissão, é impedir que possamos atentar para o expediente e simplesmente tentar arrancar os territórios dos povos indígenas, para colocá-los numa bandeja e entregá-los ao latifúndio, inclusive à exploração de mineração, ferindo a Constituição de forma absolutamente nítida”, argumentou Erika.

Transparência

O deputado Alencar Santana (PT-SP) criticou a falta de transparência no debate de tema tão caro à população indígena. “A votação do projeto na CCJ é mais uma agressão que o povo indígena sofre nessa Câmara. De uma maneira covarde, onde eles não foram ouvidos, onde eles não foram escutados, onde o debate plural não foi feito de forma transparente”, apontou.

Boicote internacional

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), em aparte cedido pelo deputado Guimarães, argumentou sobre como um assunto dessa monta pode ferir a imagem do Brasil, do Parlamento.

“O bolsonarismo quer destruir o País. Esse projeto contribui para destruição da nossa imagem. Nós estamos correndo risco de sofrer um boicote internacional porque o Brasil não respeita os povos tradicionais, os povos originários. É um País que não combate o trabalho escravo, não combate o trabalho infantil. Portanto, é lamentável que esse projeto esteja em pauta. Vamos retirar esse projeto de tramitação para o bem do País, porque o Supremo Tribunal Federal tem uma opinião, e vai se posicionar no próximo dia 30”, defendeu.

 

Benildes Rodrigues

 

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