Cardozo: Processo de impeachment aprovado pela Câmara é nulo, inconstitucional e deve ser rejeitado pelo Senado

Cardozo

O processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff, aprovado pela Câmara e em análise no Senado, é nulo, inconstitucional de deve ser rejeitado. A afirmação é do ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, que apresentou a defesa da presidenta aos senadores nesta sexta-feira (29).“Esse processo não está sendo realizado em conformidade com a Constituição. Se consumado o impeachment nesses moldes, haveria um golpe sim”, enfatizou. 

O ministro Cardozo foi contundente ao explicar que, para que exista o impeachment, tem que ter um atentado à Constituição; portanto, uma situação de gravidade extrema praticada pelo Presidente da República. “Tem que haver um ato da presidenta. Sem ato do Chefe do Executivo, não há impeachment. A Constituição é clara: ato do Presidente”, afirmou e acrescentou: “E esse ato tem que ser tipificado em lei. Não há crime sem lei prévia que o defina. Portanto, tem que ter a tipificação do delito para que se possa ter a configuração do crime de responsabilidade. E esse delito tem que ser praticado no exercício das funções da Presidência da República” enfatizou.

O ministro Cardozo sustentou que não houve crime de responsabilidade por parte da presidenta Dilma ao editar, em 2015, créditos suplementares, tendo em vista que não implicou em qualquer aumento de gastos do governo. O ministro esclareceu que as medidas apenas deram outra destinação para recursos existentes. “Onde está o atentado nesses decretos que não feriram as metas fiscais? O governo só mudou a meta quando viu que ela não seria cumprida. E era obrigação do governo fazer isso. E o fez por projeto de lei. Não há dolo, ilegalidade, nem atentado à Constituição. Nada. Absolutamente”, reforçou.
Cardozo desmontou também a denúncia de que o governo fez operação de crédito, “as chamadas pedaladas fiscais” para pagamento do Plano Safra. Ele explicou que,
eventuais atrasos no repasse de recursos da União para bancos responsáveis por pagamentos relacionados a políticas públicas, não configuram operação de crédito, ainda que realizados em volumes superiores aos praticados no passado por outros governantes.

“A quantidade maior não altera a natureza jurídica. Um homicídio pode ocorrer com uma facada ou com dez. Ou é crime ou não é crime. Ou é operação de crédito ou não é. O que define isso é o vínculo jurídico, que neste caso não é de crédito, é de um contrato de prestação de serviços”, comparou Cardozo.
Pressuposto processual – Cardozo afirmou também que o processo de impeachment não possui “pressuposto processual”. Isso porque, as contas da presidente Dilma Rousseff de 2015, que integram a peça de acusação contra a presidente, ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e apreciada pelo Congresso Nacional.

“Afirmo, na defesa da presidente da República, que uma das condições é o julgamento das contas de 2015. As chamadas pedaladas e os decretos são questões orçamentárias e financeiras que englobam a análise pelo TCU, pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso e depois pelo plenário do Congresso. Se a Constituição prevê um rito para apreciação das contas, não se pode em fase de juízo político usurpar o processo”, defendeu o ministro.

Cardozo alertou ainda que essa precipitação em se fazer o impeachment é “caracterizador de um desejo puramente político do afastamento”, e questionou: “É na hipótese de a presidente ser afastada, ter o mandato cassado e, depois o Congresso aprovar as contas de 2015? Como se explica isso? É preciso apreciar as contas primeiro para depois discutir as matérias nessa base constitucional”, argumentou.

Nulidade – O ministro Cardozo pediu a nulidade do processo argumentado que houve flagrante ilegalidade na tramitação do pedido de impeachment da presidenta na Câmara dos Deputados. Ele afirmou com veemência que a sessão, na qual foi aprovada a admissibilidade do processo, é nula de pleno direito e enumerou como uma das ilegalidades as declarações de votos deputados, consideradas alheias aos motivos do pedido de impedimento.

“Posso afirmar-lhes: a maior parte dos parlamentares não disse nada, quando votava, das razões que ensejavam esse processo. Votou-se por tudo – inclusive, isso tem sido bastante divulgado na imprensa do mundo inteiro –, pela Lava Jato, pela solidariedade, por vários fatos; menos pelos fatos do processo. Ora, pela Teoria dos Motivos Determinantes, esses votos são, portanto, inválidos – absolutamente inválidos!
Portanto, é nula de pleno direito também essa sessão. Nulo o processo; nula a sessão; nula a autorização; impossível de ser recebida, portanto, a presente renúncia, e o Senado Federal terá que apreciar, obviamente, essas arguições, posto que oferecidas no âmbito do exercício do direito de defesa. E creio será impossível dizer que não tem como, por força do próprio Código de Processo Penal, deixar de analisar essas respectivas matérias”, defendeu o ministro chefe da AGU.
O ministro da AGU citou ainda decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, pela qual os parlamentares não poderiam ter declarado antecipadamente seus votos. “Isso implica prejulgamento. Se fosse um processo só político, não haveria problema, mas em um processo jurídico-político não pode. E havia até painéis nos jornais atualizados diariamente com a opinião dos deputados”, criticou.

Resolução – Outra ilegalidade destacada pelo ministro Cardozo, que inibe o recebimento do processo de impedimento da presidenta Dilma pelo Senado, diz respeito à promulgação da resolução da decisão do plenário da Câmara, autorizando a instauração do processo de impeachment. Ele destacou que o Regimento da Câmara prevê, no art. 109, III, letra e, que, em decisões dessa natureza, seja promulgada uma resolução. “Aliás, assim foi previsto no rito do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, que foi tomado como paradigma, pelo Supremo Tribunal Federal, para o regramento do impeachment”, citou.

Como a Câmara não expediu, até agora, essa resolução, Cardozo sustentou que há um vício formal intransponível neste processo. “Como o Regimento da Casa se aplica subsidiariamente ao processo de impeachment, como diz o Supremo Tribunal Federal, a ausência desta resolução inibe a possibilidade de recebimento da denúncia. Evidente, o Senado Federal poderá rejeitar, in limine, a denúncia ou então suspender o processo até que, eventualmente, a Câmara edite essa resolução, aprovada em Plenário”, defendeu.

Desvio de Poder – O advogado-geral da União fez também questão de lembrar aos senadores que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cometeu “desvio de poder” ao aceitar o pedido de impeachment como vingança por ter perdido votos do PT no processo que sofre no Conselho de Ética. “É notório e fartamente documentado que ele abriu esse processo no segundo seguinte em que a Bancada do PT não lhe deu os votos no Conselho de Ética. Ele claramente ameaçou o governo: ou me dão os votos ou abro o processo de impeachment. Essa ameaça e a chantagem qualificam a clássica figura de desvio de poder”, argumentou.

Relator – Cardozo também questionou a indicação do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) para ser o relator do caso na comissão especial. Na avaliação do chefe da AGU, o senador tucano não tem a isenção necessária para exercer a função, tendo em vista que um dos autores do pedido é filiado ao mesmo partido do parlamentar e outra denunciante chegou a ser contratada pela agremiação partidária e recebeu R$ 45 mil para na analisar o caso.

Vânia Rodrigues

Foto: Agência Senado

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