Câmara libera às empresas privadas fabricação de produtos que atendem vítimas de câncer; PT votou contra

Plenário da Câmara - Foto - Paulo Sergio - Câmara dos Deputados

Ignorando o apelo das bancadas do PT, da Oposição e da Minoria, o plenário da Câmara aprovou nesta terça-feira (5), em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC 517/10), que trata da quebra de monopólio estatal na fabricação de radiofármacos. Com isso, a produção de todos os tipos de radioisótopos de uso médico foi liberada às empresas privadas. O PT votou mais uma vez contrário à matéria. A PEC vai à promulgação.

“Faço um apelo ao conjunto de parlamentares aqui presentes. Não rasguem a nossa Constituição. Não entreguem o futuro de pessoas que são vítimas do câncer ao mercado privado. Não entreguem a pesquisa nacional brasileira que envolve produtos radioativos — os radioisótopos — à lógica do mercado privado”, conclamou o ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que conduziu o debate, a votação e se pronunciou em nome da Liderança do PT.

Segundo Padilha, ao rasgar a Constituição brasileira, abrindo essa área estratégica ao setor privado, o governo brasileiro quebra não apenas a soberania à saúde, como também a segurança nacional. Esse alerta do ex-ministro refere-se à produção e a comercialização desses fármacos no Brasil que são realizadas por intermédio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e seus institutos, como o de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo.

“O Ipen nunca faltou com o Brasil. Esta Casa hoje, os parlamentares, ao votarem, não podem faltar com o Ipen, não podem faltar com os pesquisadores e os trabalhadores do Ipen, sobretudo, não podem faltar com os pacientes de câncer no Brasil, com os profissionais que se utilizam desses produtos por uma rede diagnóstica”, apelou o ex-ministro.

Deputado Alexandre Padilha (PT-SP) – Paulo Sergio-Câmara dos Deputados

PEC da destruição

Segundo Alexandre Padilha, a aprovação da PEC vai impedir que o Ipen, uma instituição pública, possa continuar produzindo. O deputado nominou a proposta de “PEC da morte, da mamata e da destruição do Ipen”.

“Nem todos os parlamentares sabem que, na medida em que uma empresa privada puder registrar sua produção, o Ipen não será mais autorizado a continuar produzindo. Com isso, vamos sufocar uma empresa pública, tirar quem media o preço para baixo e aumentar os preços dos produtos”, alertou.

Falácia

Padilha esclareceu que uma parte da produção de medicamentos não é monopólio estatal. Segundo ele, hoje, o setor privado já é autorizado a fabricar os produtos chamados de meia-vida curta. O deputado rebateu ainda o discurso de que se abrir para o mercado privado vai baixar o preço desses produtos de meia-vida curta.

“Hoje o setor privado pratica preços cinco vezes maiores do que o preço do Ipen. É falácia dizer que abrir para o setor privado vai abaixar o preço! Esse preço quem paga é quem paga o plano de saúde. Esse preço quem paga é o SUS, que vai deixar de investir em outras áreas”, reforçou o ex-ministro.

O parlamentar enfatizou que o que se pretende fazer com a aprovação da proposta é estabelecer que o setor privado também poderá produzir os produtos chamados de meia-vida longa, “que são estratégicos, que todos os países que têm sistemas nacionais públicos têm empresas públicas, estatais para garantir a segurança dessa produção”.

“Lembro que há país que já teve acidentes radiológicos, radioativos, e, mais do que isso, a empresa pública garante o preço para baixo, para disputar com o mercado privado, para não existir um monopólio privado do mercado”, argumentou.

A deputada Erika Kokay (PT-DF) também afirmou que os produtos de vida curta não são mais monopolizados. “Então, me digam se houve a diminuição do preço! Não houve, não houve. A iniciativa privada produz esses medicamentos três a cinco vezes mais caros do que o próprio Ipen. Perguntem-me se houve aumento da capilaridade! Não, está concentrado nos mesmos locais”, criticou.

Deputada Erika Kokay (PT-DF) – Paulo Sergio-Câmara dos Deputados

Negacionismo

Erika Kokay criticou o negacionismo da ala bolsonarista da Câmara que defende a proposta. “Não venham aqui negar os fatos! É a metodologia política dos bolsonaristas negar os fatos. Os fatos pontuam que a quebra do monopólio para os produtos de vida curta não representou nem capilaridade nem diminuição de preço”, reafirmou a parlamentar.

Para o líder da Minoria na Câmara, deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), o voto “não” da bancada ocorre porque “numa questão tão estratégica que é a saúde pública, o Brasil não pode abrir mão da sua capacidade de produção em relação aos radiofármacos”.

Ele lembrou que o Brasil deixou de produzir fertilizante, mesmo sendo um País de alta produção agrícola. Com isso, explicou, o Brasil ficou dependente da exportação e, quando vem um cenário externo altamente adverso, fica-se sem capacidade de produção própria.

Para ele, no caso dos radioisótopos, ao abrir o mercado, “a gente fragiliza a produção pública, prejudica o setor, consequentemente prejudica a saúde pública e quem precisa do atendimento e do medicamento lá na ponta”.

Deputado Alencar Santana Braga (PT-SP) – Paulo Sergio-Câmara dos Deputados

Descaso de Bolsonaro

Ao se pronunciar contrário à matéria, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) reiterou que a votação da PEC vai permitir que se implante no País “um novo sistema de monopólio, o monopólio privado desta vez, porque algumas poucas empresas que produzem radiofármacos vão se aproveitar dessa PEC para vender os seus produtos aqui pelos preços que desejarem”.

Na avaliação de Zarattini, se hoje há falta de radiofármacos, isso ocorre exatamente porque o governo Bolsonaro não destina os recursos necessários para que o Ipen possa produzir. “O Instituto de Pesquisas Nucleares de São Paulo é um centro de excelência e desenvolve há décadas pesquisas em radiofármacos e pesquisas nucleares e produz de forma muito competente esses produtos”, disse.

“É contra isso que nós temos que lutar. Nós batalhamos e continuaremos batalhando contra essa PEC, porque ela em nada ajuda no desenvolvimento da medicina no Brasil, especialmente da medicina nuclear. Ao contrário, favorece multinacionais, como a francesa Roche, que com certeza vai ganhar muito dinheiro no Brasil em detrimento do povo brasileiro, que precisa de uma saúde barata”, denunciou Zarattini.

Deputado Carlos Zarattini (PT-SP) – Paulo Sergio-Câmara dos Deputados

Mamata

Em sua fala, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) disse que o que está em jogo com essa proposta, ao se quebrar esse monopólio e ao se entregar para o setor privado essa área estratégica, “é terminar com a busca de autonomia e independência tecnológica do País”.

Fontana disse ainda que o Ipen – além de produzir os radiofármacos dos quais o Brasil precisa para atender tanto o setor público, no SUS, como o setor privado -, é um instituto de pesquisa. Para ele, não se pode desmontar essa fonte de recursos que faz com que ele produza a grande e maior parte da necessidade que o Brasil tem de radioisótopos e de radiofármacos, que alimenta uma rede de pesquisa, e que influencia na autonomia e na soberania do Brasil.

“Essa PEC quer abrir este mercado tirando o monopólio do setor público e o entregando ao setor privado, é exatamente a abertura de um mercado que será altamente lucrativo para essas empresas ou para essa única empresa que entrará nessa verdadeira mamata, que será um mercado cativo, no qual todos que precisam do produto têm que pagar o preço que eles querem”, alertou Fontana.

 

Benildes Rodrigues

 

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