O plenário da Câmara aprovou na tarde desta sexta-feira (7) o projeto (PL 2384/23), do governo Lula, que altera o funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e mantém o voto de qualidade a favor da União quando houver empate nas decisões do conselho – tribunal administrativo que julga causas tributárias (recursos contra multas e autuações). Desde 2020, o empate entre os julgadores beneficia as empresas/contribuintes. O líder do PT, deputado Zeca Dirceu (PR), ao defender a aprovação do projeto, afirmou que a proposta era importante para o bem do Brasil e “para complementar tudo o que fizemos de positivo quando aprovamos o novo regime fiscal sustentável”.
O texto foi aprovado na forma do substitutivo do deputado Beto Pereira (PSDB-MS), que manteve o voto de qualidade do governo, mas acolheu parcialmente acordo realizado entre o governo federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o tema, como a redução de multas e juros para o pagamento de dívidas em ações julgadas pelo Carf com desempate a favor da União.
O deputado Carlos Zarattini defendeu a retomada do voto de qualidade da União e afirmou que o governo Bolsonaro mudou a lei, retirando o voto de qualidade do governo para favorecer grandes empresa. “O resultado dessa alteração fez a arrecadação da União cair. Então o ministro Haddad (Fazenda) propôs a volta do voto de qualidade para a Receita, para fazer com que as empresas paguem o que devem”, argumentou Zarattini.
Políticas públicas
O deputado Alencar Santana (PT-SP) reforçou que o projeto é muito importante para o País, não só para a União como ente governamental, mas também para os estados e municípios. “Afinal de contas, a depender do tributo, os estados e municípios têm uma quota parte. Ao alterar, na legislatura anterior, dando o voto de desempate em numa matéria cujo interesse é do povo brasileiro — afinal de contas, nós estamos tratando de tributos, que são revertidos em serviços públicos às pessoas —, o desempate estava a favor de grandes grupos econômicos que tinham condições e têm de levar ao contencioso administrativo no Carf”.
Alencar Santana enfatizou que não só no Brasil, mas em vários outros países também, no caso de empate, o poder de desempate é do voto da Fazenda, que pode votar favoravelmente ao contribuinte, se assim entender, ou votar favoravelmente à Fazenda Pública, ao interesse econômico, “o que vai permitir que o Brasil arrecade, no mínimo, mais R$ 60 bilhões/ano. Isso com certeza vai permitir que o País possa fazer mais políticas públicas, ofertar mais serviços públicos, garantir um crescimento e um desenvolvimento econômico maior”, argumentou.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) também argumentou que o projeto é importante para robustecer as políticas públicas. “É bom que nós tenhamos clareza de que dependem do voto de qualidade apenas por volta de 2% de todos os processos que chegam ao Carf. Além disso, se o contribuinte não tem a sua tese priorizada, ele pode recorrer à justiça. Mas o governo não pode recorrer à justiça de uma decisão favorável ao contribuinte”, explicou.
Portanto, reiterou a deputada, “nós precisamos ter políticas públicas de qualidade, manter o arcabouço e ter um Brasil que se abrace com a sua potencialidade. Por isso, é importante que nós tenhamos o governo com voto de qualidade, porque é o Estado que representa o próprio povo”, completou.
Grandes devedores
O deputado Merlong Solano (PT-PI) também defendeu o retorno do voto de qualidade para o governo. “Com o fim do voto de qualidade no governo Bolsoanro, consagrou que, em caso de empate, ficava perdoada a dívida do grande devedor. Eu estou falando de grandes devedores, são processos de milhões e até de bilhões. Desde 2020 o prejuízo é estimado em R$ 59 bilhões para a Receita Federal do Brasil”, citou.
Esta situação, na avaliação do deputado Merlong, é tão grave que, quando a decisão do Carf é favorável ao governo, o contribuinte pode ir à justiça. “Mas sendo favorável ao contribuinte, a Receita Federal não pode recorrer ao Judiciário para contestar aquele valor devido; e, como eu já disse, são valores bilionários”, protestou.
Ele citou ainda que, no ano de 2022 foram julgados processos no montante de R$ 24 bilhões. “Pois bem, R$ 22 bilhões diziam respeito a processos de apenas 26 empresas. Portanto, estamos tratando de grandes dívidas, por isso, é fundamental restabelecer o voto de qualidade”, reiterou.
Operação Zelotes
E o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), ao defender a aprovação do projeto, lembrou que o volume de recursos tratados no Carf motivou uma operação da Polícia Federal, a Operação Zelotes, que levou empresários e conselheiros à cadeia. Ele destacou ainda que os atores no conselho são indicados por grandes confederações patronais.
“O montante julgado no Carf nos últimos três anos superou R$ 1 trilhão. É preciso alterar a decisão em busca de um controle democrático, para que a sociedade cada vez mais consiga arrecadar daqueles que não querem pagar”, disse.
Texto aprovado
O projeto aprovado, que ainda será apreciado pelo Senado, cria um programa de autorregularização tributária, uma espécie de renegociação de dívidas tributárias para as empresas (exceto as optantes do Simples Nacional) que confessarem os débitos.
O programa será aplicado aos créditos tributários que ainda não tenham sido lançados até a data da publicação da lei, inclusive aqueles objetos de procedimento fiscal já iniciado.
Não haverá cobrança de multas se o contribuinte reconhecer a dívida e pagar. O pagamento poderá ser realizado à vista ou em até 60 parcelas, corrigidas pela taxa Selic, com desconto gradual nos juros a depender do número de parcelas. O prazo de autorregularização ficará aberto por quatro meses após a publicação da lei.
Entre outros pontos, o texto aprovado estabelece também:
Podem recorrer ao Carf contribuintes cujo valor da ação em disputa seja a partir de 60 salários mínimos (R$ 79.200). O PL 2384/20 prevê mil salários mínimos;
Empresas que aderirem à política de conformidade tributária da Receita Federal poderão receber alguns benefícios, como redução de multas e prazo maior para pagamento de impostos;
A Receita Federal poderá fazer acordos de transação tributária de débitos ainda não inscritos na dívida ativa;
Contribuinte com capacidade de pagamento será dispensado da apresentação de garantias ao questionar na justiça decisão do Carf favorável ao Fisco pelo voto de qualidade;
O contribuinte terá 90 dias após o lançamento para recolher o imposto cobrado, depois do qual este será remetido à dívida ativa. Hoje esse prazo de “cobrança amigável” é de 30 dias.
Vânia Rodrigues, com Agência Câmara