Bancada do PT vota contra: a proposta representa um retrocesso em relação à reforma psiquiátrica aprovada pela Câmara.
O plenário da Câmara aprovou nesta quinta-feira (12/12), com o voto contrário do PT, o projeto de lei (PL 1637/19), que aumenta para 3 a 20 anos o tempo mínimo de internação compulsória de réus inimputáveis em razão de a pessoa ter doença mental ou desenvolvimento mental incompleto quando cometeu o crime. Atualmente, a internação compulsória decidida pelo juiz tem um prazo mínimo de 1 a 3 anos. O texto, que segue para apreciação do Senado, também aumenta de 1 para 3 anos o intervalo das avaliações a que o internado será submetido, por meio de laudo multidisciplinar, para se decidir sobre a necessidade de manutenção, substituição ou suspensão da medida.
Ao encaminhar o voto contrário da Bancada do PT, a deputada Delegada Adriana Accorsi (PT-GO) afirmou que a proposta representa um retrocesso em relação à reforma psiquiátrica aprovada pela Câmara. “Nós votamos não a este projeto e não a este retrocesso. Nós queremos que as pessoas com transtorno mental sejam tratadas com dignidade neste País”, afirmou.
Adriana Accorsi pediu responsabilidade no debate do projeto e chegou a defender o adiamento da apreciação da proposta. Ela enfatizou que lei da reforma psiquiátrica é extremamente humana. “Uma lei que avançou e que trouxe, sim, os casos em que há periculosidade e como devem ser mantidas essas pessoas, sob cuidados psiquiátricos necessários, e também a proteção à sociedade, tanto é que os casos que foram citados aqui, como o do Vampiro de Niterói, refere-se a uma pessoa que está internada há décadas! E o que essa lei traz é, na verdade, baseada em mentiras, dizendo que não há esse tratamento, que não há proteção da sociedade, que não há internação nos casos necessários. Mas isso acontece, sim!”, reiterou.
Entre os pontos negativos do projeto, Adriana Accorsi citou que hoje, todos os anos, o paciente, sob medida de segurança, é verificado, passa por uma consulta com um profissional da psiquiatria. “Esse projeto de lei, no entanto, propõe que isso aconteça de 3 em 3 anos. Portanto, isso reduz a avaliação, reduz o contato com a ciência, com os médicos, fazendo com que essas pessoas fiquem abandonadas”, protestou.
Mudança no Código Penal
Ao criticar a proposta, a deputada Erika Kokay (PT-DF) explicou que o projeto muda dispositivos do Código Penal. “Estamos discutindo mudança no Código Penal de pessoas que não têm discernimento do ato que cometeram. E aqui se está estabelecendo praticamente uma prisão perpétua, porque aqui se está estabelecendo que essas pessoas têm que ficar, no mínimo, de 3 a 20 anos, e apenas de 3 em 3 anos elas terão avaliação multidisciplinar para ver a cessação ou não da periculosidade”, denunciou.
Erika alertou ainda que pelo texto aprovado, existe a possibilidade de pessoas terem penas ou terem uma medida de segurança, às vezes, com um tempo maior do que a pena análoga ao próprio ato. “Nós estamos falando inclusive do que já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que não pode ser estabelecido tempos de medida de segurança acima do que está estabelecido para atitudes análogas previstas no Código Penal”, citou.
Erika afirmou que, na verdade, o que a Bancada do PT quer é que essas pessoas sejam tratadas e que sejam avaliadas, como é hoje, anualmente. “E cessou ou não a periculosidade, e, cessada a periculosidade, podem ter um atendimento em liberdade”, completou.
Políticas públicas de saúde mental
A deputada Ana Paula Lima (PT-SC) também se manifestou contra a proposta. “Esse projeto propõe alterações na reforma psiquiátrica, a qual, há muito tempo, o Brasil se mobilizou para fazer, para acabar com os manicômios em nosso País”, relembrou. Para a parlamentar, o que o projeto preconiza vai contra tudo aquilo que foi votado aqui nesta Casa anteriormente na questão da reforma psiquiátrica no Brasil. “Esse projeto propõe essas alterações na reforma psiquiátrica, que foi um marco da transformação das políticas públicas de saúde mental no nosso País, que promoveu um sistema de atenção baseado na inclusão social, no cuidado comunitário e no respeito aos direitos humanos”, protestou.
Texto aprovado
O projeto aprovado estipula prazos mínimos conforme o tipo de crime, sendo de 7 anos nos crimes com violência ou grave ameaça e de 15 anos nos crimes com resultado morte.
O inimputável é considerado pelo Código Penal como a pessoa inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. No entanto, apesar das avaliações previstas de três em três anos, o projeto permite a suspensão da internação apenas depois do tempo mínimo, levando, no caso de internação por crime que resultou em morte, a uma internação de 15 anos.
Outro prazo que muda é aquele no qual a internação poderá ser retomada se a pessoa liberada pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. Esse período passa de 1 ano para 5 anos.
Já a internação determinada pelo juiz em qualquer fase do tratamento ambulatorial poderá ocorrer também “como garantia da ordem pública”. Hoje, isso é possível apenas se for necessário para fins curativos.
Hospital de custódia
Na lei que viabilizou o fim dos manicômios judiciais (Lei 10.216/01), o projeto prevê que o poder público deverá providenciar unidades adequadas, com infraestrutura física e equipe multidisciplinar especializada a fim de promover programas de reinserção social e acompanhamento psicossocial dos pacientes submetidos a medidas de segurança.
A internação deverá ocorrer em unidades em que o internado compulsoriamente seja separado dos demais pacientes e receba tratamento humanizado e seguro, ou em setores e alas de estabelecimentos de saúde.
Outra alternativa é o uso de estabelecimentos de saúde que forneçam serviços de atenção à saúde mental, desde que também tenham condições de separar o inimputável de maior periculosidade dos demais pacientes.
Nova medida
O texto aprovado cria ainda uma nova medida de segurança pela qual o juiz pode optar: a liberdade vigiada com acompanhamento psicossocial e fiscalização judicial. Esse tipo de medida será aplicada a indivíduos cuja condição clínica não exija internação compulsória, mas que precisem de monitoramento contínuo para evitar riscos de reincidência ou agravamento.
A liberdade vigiada incluirá obrigatoriamente: supervisão por autoridade judicial, com apresentação periódica de relatórios técnicos; acompanhamento psicossocial contínuo com programas individualizados de apoio e reinserção social; e adesão a programas de tratamento, quando necessário, para a estabilização clínica e redução do risco de reincidência.
Vânia Rodrigues, com Agência Câmara