“O Parlamento precisa, com urgência, olhar pelas crianças brasileiras e não permitir que elas sejam levadas embora do País”. O apelo é da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), coordenadora da Secretaria da Mulher e da Bancada Feminina da Câmara. Da tribuna da Casa, ela pediu a revisão do Decreto Legislativo 79, de 1999, que sela a adesão do Brasil à Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, a Convenção de Haia.
Benedita explicou que quando a adesão foi aprovada, o Parlamento brasileiro ainda não tinha aprovado a Lei Maria da Penha, considerada uma das três melhores legislações mundiais de proteção à mulher vítima de violência, “e por isso não foi incorporado os princípios que a regem (Lei Maria da Penha) ao documento assinado”. Ela disse que nesses 25 anos de adesão à convenção, houve diversos avanços legislativos de proteção às mulheres e às crianças, bem como avançamos também na sociedade brasileira sobre a importância de proteção e combate à violência de gênero.
“É nesse contexto que trago a reflexão sobre a importância de revisão da referida norma após o recebimento, pela Secretaria da Mulher, de dezenas de mulheres brasileiras mães que, mesmo diante de um contexto familiar de violência, são penalizadas pela Justiça brasileira ao fugirem da situação de violência com os seus filhos”, argumentou.
Benedita ressaltou que esse problema não afeta só o Brasil. “Esse é um problema de vários outros países que aderiram à convenção até meados de 2019. A convenção contava com 101 Estados-Partes, incluindo países com grande número de imigrantes brasileiros, como Argentina, Espanha, Canadá, Estados Unidos da América, Itália, Bolívia, Paraguai, Portugal e Japão”, citou.
Violência doméstica
A deputada informou que a Bancada Feminina, ciente desses problemas, já teve reuniões com o Itamaraty para tratar do tema e apresentou inclusive o projeto de lei (PL 565/2022), que qualifica a exposição de crianças e adolescentes sob guarda de pais ou responsáveis legais brasileiros à situação de violência. A proposta estabelece a possibilidade de comprovação em juízo da violência doméstica e do consequente risco grave que sofre a criança ou o adolescente de ficar sujeito a perigos de ordem física e psíquica caso retorne ao local da residência habitual.
Indignação e revolta
“Recebi uma denúncia este fim de semana que me causou indignação, tristeza e revolta, não apenas como brasileira, mãe e avó, mas principalmente como parlamentar. É o caso de uma mãe que voltou ao Brasil para poder tratar o filho com paralisia cerebral, com a doença do genitor, mas a criança sofreu várias complicações e necessitou de mais cirurgias. Foi recomendado pelo médico que a criança mantivesse o tratamento e terapia no Brasil. Então, o genitor solicitou a repatriação pela convenção. E, mesmo que ele tenha pedido de prisão decretado no Brasil – por não cumprimento de pensão alimentícia de seus três filhos que também são brasileiros -, o Superior Tribunal de Justiça determinou, baseado na Convenção de Haia, que as três crianças brasileiras sejam enviadas para viver com o pai na Colômbia”.
Benedita disse ainda que no Paraguai, país do genitor, ele também tem pedido de prisão por não cumprir com a pensão alimentícia de seus outros dois filhos com uma outra mulher que vive no Paraguai. E que as crianças, em questão, moram no Brasil há 4 anos, estão totalmente adaptadas, possuem residência habitual, falam português, têm convívio regular com os familiares maternos, além de acompanhamento médico especializado.
“O mais absurdo da decisão, que contraria a nossa Constituição e a própria convenção, é que uma das crianças tem severa paralisia cerebral. O laudo médico emitido pela Justiça atesta que o menor corre grande risco de morte se for submetido à viagem de avião para a Colômbia. O menino corre risco de ter hipoxia caso embarque em uma aeronave pressurizada” alertou.
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Exceção
A coordenadora da Bancada Feminina explicou que, de acordo com as exceções ao retorno da criança, previstas no art. 13, “b”, da Convenção de Haia, a criança não será repatriada quando existe um risco grave de ela, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável. Além disso, os médicos também alertaram que a Colômbia não dispõe de tratamento adequado para o grave quadro de paralisia cerebral. A criança não anda, não fala e não se alimenta, precisando de cuidados para tudo.
“Colegas parlamentares, diante de tudo isso, eu venho aqui fazer esse apelo, considerando as dezenas de mães que tiveram seus filhos expatriados pela Justiça brasileira, mesmo quando estavam em situação de violência ou as crianças corriam risco de morte. Precisamos alterar os termos da adesão do Brasil à convenção, levando em consideração a proteção das nossas mulheres e nossas crianças. Deixem as crianças no Brasil. Esse é o nosso pedido”.
Benedita lembrou que tem um projeto tramitando no Senado Federal que poderá, sem ferir os acordos convencionais do Brasil, dar condição para que as crianças brasileiras, nesse caso e em tantos outros casos, permaneçam no Brasil. “O que não pode é as mães brasileiras, de forma nenhuma, não conseguirem ganhar uma vez. Não existe um processo em que elas ganhem. Elas sempre perdem”, denunciou.