Com o voto contrário do PT, a Câmara aprovou nesta quarta-feira (10) o projeto de lei complementar (PLP 19/19), do Senado, que dá autonomia ao Banco Central e prevê mandatos do presidente e diretores de vigência não coincidente com o do presidente da República. Na avaliação da presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), a aprovação da proposta é um desserviço à soberania nacional. “Não é verdade que existe a necessidade da autonomia do Banco Central, que já tem a sua autonomia operacional. Nós precisamos de uma política econômica que desenvolva o nosso País, que gere emprego, desenvolvimento, inclusão, que distribua a riqueza, e não que concentre poder na mão do sistema financeiro, que é o que vai acontecer com o Banco Central”, denunciou.
Gleisi Hoffmann alertou ainda que o texto aprovado, sob protesto do PT e da Oposição, dá autonomia ao Banco Central em relação a governos eleitos, mas não há nada na proposta que trata da autonomia do Banco Central em relação ao mercado. “É um equívoco o que esta Casa está fazendo. O País e o povo brasileiro pagarão caro”, lamentou.
E o líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE), reforçou: “Somos contrários a essa autonomia, que não é autonomia coisa nenhuma. A autonomia o Banco Central já tem no seu funcionamento. Na verdade, é a entrega do principal instrumento de política monetária brasileira às forças do mercado, à iniciativa privada, ao sistema financeiro”.
O líder do PT, deputado Enio Verri (PR), afirmou que a autonomia do Banco Central não resolve os problemas do País, como quis fazer parecer o Centrão e a base do governo. “Surpreende-me quando algum parlamentar vem aqui e diz que a autonomia do BC é fundamental, porque o mercado vai ficar mais seguro. Que mercado é esse? Sabem o que é mercado de fato? Mercado de fato é a produção agrícola, é a fábrica e o comércio funcionando, tendo consumo. Esse é o mercado. Mas não, quando se fala em mercado aqui, fala-se pura e exclusivamente de bancos, da especulação financeira, daqueles que nada produzem e ganham muito, é o chamado capital vadio”, acusou.
O líder lembrou também que o Banco Central já tem uma autonomia relativa desde o governo FHC. “Ele tem autonomia e nunca tivemos problemas. O BC cumpriu o seu papel. Mesmo assim, o banco sempre se baseia no boletim da Focus, que é o mercado que monta. Então, hoje, com autonomia relativa, ele já é dependente do mercado financeiro. Imaginem com 100% de autonomia?”, alertou.
“Portanto, nós vamos estar passando uma procuração ao mercado financeiro para controlar toda a política financeira, toda a política monetária do nosso País. Se hoje já somos submetidos à especulação financeira, imaginem com a autonomia do Banco Central! Imaginem!?”, reforçou.
Papel duplo
Enio Verri fez um desafio: “Se é importante que aprovemos a autonomia do Banco Central, por que não damos ao Banco Central duplo papel? Por que o BC do Brasil não pode ser como o BC dos Estados Unidos, que tem que se preocupar com a inflação, mas também com o emprego”. Ele explicou que desta forma, na hora que os burocratas do Banco Central resolverem aumentar a taxa de juro saberão que, subindo os juros, aumentará o desemprego. “Portanto, terão que fazer o equilíbrio”, argumentou.
A Bancada do PT apresentou emenda com o objetivo de incluir entre os objetivos do Banco Central, além do controle da inflação, a meta de geração de emprego e renda. A proposta, mesmo com o apoio dos partidos de Oposição, foi rejeitada em plenário.
Sistema financeiro
O deputado Henrique Fontana (PT-RS) enfatizou que não se tratava de qualquer independência. “O que se aprovou aqui, infelizmente, pela maioria, é que a direção do Banco Central, que tem que cuidar do interesse de todo o povo brasileiro, do interesse público, da economia produtiva e da vida das pessoas seja autônoma em relação à democracia. Ou seja, tanto faz, em quem o povo queira votar, tanto faz o presidente que o povo escolha, ele não poderá mudar a política monetária, que é essencial na política econômica de um País”, denunciou.
Fontana explicou ainda que o texto aprovado autoriza uma espécie de autonomia do sistema financeira e não do Banco Central. “Autonomia do sistema financeiro, que é altamente oligopolizado, para que ele controle os seus ganhos e torne uma sociedade inteira refém, muitas vezes, de ganhos absolutamente estratosféricos. As taxas de juros, as taxas dos serviços dos bancos, tudo isso estará ali autonomamente, independentemente…”, criticou.
Quarentena
O deputado Afonso Florence (PT-BA) enfatizou que o texto aprovado é muito ruim. E deu como exemplo a exigência de apenas seis meses de quarentena para um gestor público da autoridade monetária ir para o setor privado. “É um período muito curto considerando que ele sai com informações privilegiadas. Ele vai preterir os interesses da República, do povo brasileiro. E vai propiciar disputa entre bancos, para atrair esses gestores da autoridade monetária. Essa quarentena tinha que ser, no mínimo, de 2 anos”, defendeu.
Para que serve a autonomia?
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA), ao criticar a proposta, enfatizou que a prioridade da Câmara deveria ser para matérias que tratassem da fome que voltou ao nosso País, do auxílio emergencial minimamente solidário ao nosso povo, e da ampliação do acesso à vacina. Ele ainda questionou a quem serve a autonomia do Banco Central, aqueles que irão dirigi-lo “vão pedir a bênção ao controle do mercado financeiro?”. E acrescentou que, se o poder político deixa de influenciar o Banco Central, “nós não podemos dizer o mesmo da banca oficial da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), do poder especulativo oficializado do capital financeiro nacional e internacional”.
Na avaliação do deputado do PT baiano, o ministro Paulo Guedes (Economia) é o ponta de lança desse setor dentro do Governo. “Ele age o tempo todo para robustecer os ganhos do capital financeiro, que em plena pandemia foi o setor que mais lucrou em nosso País. “Neste momento, o que menos o Brasil precisa é um Banco Central submisso, submetido à sanha especulativa do capital financeiro nacional”, protestou.
A deputada Erika Kokay (PT–DF) também questionou qual era a autonomia que está dando ao Banco Central. “Estamos falando de uma diretoria que vai tomar conta do Banco Central, independentemente do que pensa o povo brasileiro, porque é uma diretoria que vai perpassar dois governos. Então, se o povo brasileiro eleger uma política econômica e essa política econômica for em contraposição à de quem está no Banco Central, a vontade do povo brasileiro não vai ser efetivada”.
A deputada explicou que o BC é responsável pelo controle da inflação e por uma série de políticas, entre elas econômica, cambial e industrial. “É isto o que se está entregando para um mercado que é feroz e improdutivo. Um mercado que vive de renda, que não tem qualquer relação com o mundo do trabalho, não tem qualquer relação com o território ou a infraestrutura, que não precisa de insumos”, lamentou.
Festa dos banqueiros
O deputado Rogério Correia (PT-MG) disse que os banqueiros estão em festa hoje, com a votação da Câmara. “O projeto chegou aqui, do Senado, em novembro do ano passado, e já é aprovado pela maioria dos deputados e deputadas e pelos partidos do Centrão e da Direita, e dos Bolsonaros. Estão dando autonomia, independência aos banqueiros, para poder definir taxa de juros e ganhar mais dinheiro. Ganharam aqui essa batalha, enquanto o povo perdeu a batalha da urgência para a aprovação do auxílio emergencial de R$ 600, é um dia triste para esta Casa”, lamentou.
Avaliação semelhante tem o deputado Pedro Uczai (PT-SC). “Nós vivenciamos a maior derrota de uma autonomia e de uma soberania do poder público. O Parlamento, neste momento da história, entrega a soberania e democracia à banca dos banqueiros, que só visa lucro e não vai apoiar o setor produtivo. E é lamentável ouvir parlamentares aqui dizerem que o Banco Central não pode sofrer interferência política. É a política que define que País queremos. Os deputados que votaram sim a este projeto estão decidindo, politicamente, que o povo vai pagar a conta, com mais miséria e com mais desigualdade”, afirmou.
Também se manifestaram, em plenário, contra o projeto os deputados Alencar Santana Braga (PT-SP), Jorge Solla (PT-BA), Leo de Brito (PT-AC), Merlong Solano (PT-PI), Nilto Tatto (PT-SP), Paulo Teixeira (PT-SP), Valmir Assunção (PT-BA) e Vicentinho (PT-SP).
Texto aprovado
Pelo texto aprovado, que segue para sanção presidencial, os mandatos no Banco Central serão de quatro anos e haverá um escalonamento para que, apenas no terceiro ano de um mandato presidencial, a maioria da diretoria e o presidente do BC tenham sido indicados pelo mandatário do Poder Executivo. A indicação continuará a depender, entretanto, de sabatina do Senado.
As metas relacionadas ao controle das metas de inflação anual continuam a cargo do Conselho Monetário Nacional (CMN), e o banco continuará com os instrumentos atuais de política monetária.
O projeto aprovado caracteriza o Banco Central como uma autarquia de natureza especial sem vínculo, tutela ou subordinação hierárquica a qualquer ministério, garantindo a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira.
Vânia Rodrigues