Representantes de estudantes, professores e trabalhadores da Universidade de Brasília (UnB) afirmaram nesta quinta-feira (14), na Câmara, que os ataques racistas e homofóbicos de um grupo fascista ocorrido na instituição são fruto da reação de parte da elite brasileira contra conquistas obtidas pelas minorias e setores marginalizados da sociedade, e também de discursos carregados de ódio e preconceito proferidos no Parlamento brasileiro. As declarações foram feitas durante audiência pública na Comissão de Cultura, requerida e presidida pela deputada Erika Kokay (PT-DF).
No dia de 17 de junho, um grupo de aproximadamente 30 pessoas – que se diziam admiradores do deputado federal Jair Bolsonaro, do Partido Social Cristão do Rio de Janeiro – invadiram o corredor central do Instituto Central de Ciências da universidade armados com porretes, armas de choque e bombas caseiras. Integrantes do grupo entoaram cânticos racistas e homofóbicos, xingaram e agrediram alunos, e também explodiram um artefato no local. A Polícia Militar foi chamada, mas ninguém foi preso.
“As políticas de cotas raciais e a expansão das vagas nas universidades públicas mudaram o perfil dessas instituições, onde agora se vê negros, gays e estudantes pobres. E é justamente esse avanço que os conservadores, racistas e preconceituosos não aceitam”, disse a estudante da UnB e vice-presidente regional da União Nacional dos Estudantes (UNE), Luiza Costa.
A coordenadora das Questões Negras da Diretoria da Diversidade da universidade, Joelma Rodrigues, afirmou que o ataque ocorrido na UnB demonstra o preconceito de parte da sociedade que não suporta a ascensão social de setores marginalizados.
“O caso do dia 17 de junho não me causou surpresa, porque reflete uma concepção que está enraizada na sociedade brasileira, que, apesar de estar no século XXI, está estruturada em uma hierarquia rígida de classe, raça e gênero, que resulta em discriminação e ataques contra negros, índios, comunidade LGBT e mulheres. E tudo isso incentivado e alimentado por discursos de deputados que acham que os direitos das minorias são privilégios”, argumentou.
O ex-reitor da UnB José Geraldo Sousa Júnior condenou o ataque aos estudantes e alertou que esse tipo de atitude não pode ser confundido com liberdade de expressão, e deve ser repudiada. “Não podemos nos iludir com a metáfora dos discursos em defesa da democracia, porque atualmente até os fascistas fazem esse discurso. Temos que defender a verdadeira democracia, nos diferenciando dos discursos vazios dos fascistas, que tentam legitimar suas práticas usando a defesa da liberdade de expressão”, afirmou José Geraldo Junior.
Durante o debate, o dirigente da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra/Sindical), Rogério Marzola, leu transcrições compartilhadas pelos provocadores que atacaram os estudantes da UnB. Nas conversas, os organizadores da ação comentam que o ataque deveria servir de motivação para a ocorrência de outros atos.
“Essa foi uma ação de propaganda para motivar outros atos fascistas. E essa violência crescente é incentivada por alguns parlamentares desse Congresso, que querem impor uma única visão de mundo e de comportamento”, destacou.
Na avaliação da Procuradora da República Luciana Loureiro, existe uma cultura de preconceito e de discriminação no País, que precisa ser combatida mediante a aprovação de leis para mudar o comportamento da sociedade.
“Essa mudança de cultura do ódio pode vir através da aprovação de leis, como o PLC 122/06 (que criminaliza a homofobia). A lei tem o seu papel na mudança dessa cultura, que não é imutável, por trazer conscientização à população. Hoje em dia, por exemplo, quando entramos no carro colocamos automaticamente o cinto de segurança. A lei teve o seu papel, mas hoje em dia fazemos isso naturalmente, porque se tornou uma ação natural”, explicou.
Reação – A deputada Erika Kokay destacou que a atual conjuntura política vivida no País não ajuda na superação da onda de ódio, mas que a reação é fundamental para assegurar direitos conquistados.
“Podemos superar esse momento ampliando a democracia participativa e refletindo sobre a situação política em que o País vive, que tem expressões claras de uma lógica fascista que rompe a democracia ao se retirar do poder uma presidenta da República sem crime de responsabilidade. E esse fascismo se sente encorajado para retirar direitos. E como esse golpe tem contas a pagar, principalmente com os setores fundamentalistas, vamos ter que resistir com muita força a toda tentativa de retirada de direitos”, afirmou Erika.
Também participaram da audiência pública o coordenador do Diretório Central dos Estudantes da UnB, Victor de Melo Souza; a presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) da Região Nordeste, Gelcivânia Silva; e a representante da Secretaria de Segurança Pública do governo do Distrito Federal, Ana Janaína Souza.
Héber Carvalho
Foto: Salu Parente/PTNACÂMARA