*Carlos Zarattini
Nos últimos tempos, acumulam-se casos de violação da lei por pessoas que deveriam defendê-la. Afronta-se a Constituição e solapam-se os pilares que sustentam a democracia e os direitos individuais.
A trágica morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, é sintomática. Incluído em investigação que envolvia seu antecessor, o reitor tirou a sua própria vida em protesto contra os abusos que sofreu, durante operação arbitrária que envolveu Judiciário, Polícia Federal e Ministério Público.
Houve também casos de abuso de autoridade em operação de busca e apreensão à casa de um filho do ex-presidente Lula e a ação policial em uma escola do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), em novembro do ano passado.
Na segunda-feira (30), uma juíza proibiu, de forma surreal, um show de Caetano Veloso em um acampamento de Sem-Teto em São Bernardo do Campo, onde estão mais de oito mil famílias acampadas. Um verdadeiro atentado à liberdade de expressão artística, digno dos tempos de ditadura.
É nesse cenário que adquire importância o Projeto de Lei 7596/2017, que define crimes de abuso de autoridade. Em tramitação na Câmara dos Deputados, é de extrema importância para toda a sociedade brasileira. O texto define os crimes de abuso cometidos por membros de todos os Poderes e visa garantir essencialmente as liberdades individuais, conquista das sociedades democráticas.
Ao contrário do que se tentar alardear, sem nenhum fundamento, o projeto não comete nenhuma agressão à Constituição ou às prerrogativas do Judiciário ou do Ministério Público. Visa essencialmente defender a população como um todo de abusos que podem ser cometidos pela mais simples autoridade até parlamentares, juízes, promotores, autoridades policiais e ministros.
A resistência à iniciativa legislativa vem justamente de alguns setores que atualmente utilizam-se de brechas para cometer ilegalidades e agir como se fossem a própria lei. São reações corporativistas, de quem acha que pode agir à margem da lei e dos princípios democráticos. Não há nenhuma ameaça às atribuições do Judiciário, pois quem vai julgar eventuais casos de abusos são juízes, pautados pela lei.
O projeto beneficia pobres e ricos. O Brasil já não pode aceitar mais invasões de casas em ações policiais sem autorização judicial – fato usual, especialmente nas residências de pessoas pobres e humildes -, bem como os abusos das conduções coercitivas efetuadas sob qualquer pretexto, com espetacularização midiática que mancha a honra das pessoas.
O que foi feito com o ex-presidente Lula em 2016, por exemplo, foi uma ação política, pois ele nunca se recusou a depor. Sua coerção coercitiva, assim como a de outras pessoas, foi totalmente desnecessária e contra a lei.
O mesmo aconteceu na segunda-feira (30) com o prefeito de Rio Branco (AC), Marcus Alexandre (PT). Ele e a esposa foram conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal até a sede da instituição, depois de terem sido submetidos a mandado de busca e apreensão em sua residência.
Causou estranheza a condução coercitiva, já que o prefeito nunca se negou a colaborar e a depor em processo em que está citado. Mais estranho ainda é que o mandado expedido dia 28/09 foi executado mais de um mês depois, “coincidentemente” dois dias depois que Marcus Alexandre anunciou, oficialmente, que é pré-candidato ao governo do estado pela Frente Popular do Acre.
O PL 7596/2017 coíbe abusos de operações que misturam o jurídico com a política e provocam danos morais irreparáveis e até a perda de vidas, como no caso do reitor Cancillier.
Vivemos um verdadeiro punitivismo de um Estado policialesco que impõe a todos a condição prévia de criminosos, em que cabe à vítima provar sua inocência, em vez de a acusação provar a culpabilidade do acusado.
Prende-se primeiro e investiga-se depois, sem direito à defesa ou ao contraditório, com o agravante da espetacularização midiática.
Diante de algumas atrocidades cometidas por setores de instituições do Estado em nome do combate à corrupção ou simplesmente pela vontade arbitrária de agentes públicos, torna-se indispensável a votação do projeto contra os abusos.
Toda e qualquer autoridade do Estado deve seguir estritamente a lei: não pode interpretá-la como quiser e tampouco achar que está acima dela. É preciso respeito à legislação e ao Estado Democrático de Direito. Fora disso, é o totalitarismo.
(*) Carlos Zarattini (SP) é deputado federal e líder do PT na Câmara dos Deputados