Com o voto contrário do PT, a Câmara aprovou nesta terça-feira (23), por 353 votos a 125, o texto-base do projeto de lei (PL 3267/19), do governo, que muda regras do Código de Trânsito Brasileiro. Entre outras mudanças, o texto aprovado aumenta a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para dez anos e vincula a suspensão do direito de dirigir por pontos à gravidade da infração. A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que o projeto, mesmo com as melhorias feitas pelo relator, deputado Juscelino Filho (DEM-MA), ainda carrega problemas insuperáveis. “O projeto flexibiliza a fiscalização, aumenta o prazo para renovação de carteira, estimula a impunidade e aumenta a violência no trânsito. Por isso, o voto do PT é não a essas mudanças”, reforçou.
Amanhã (24), os parlamentares vão apreciar vários destaques que foram apresentados para modificar dispositivos do texto-base.
A deputada Erika Kokay relembrou que este projeto quando chegou à Câmara ficou conhecido como o PL da Morte. “É o PL da Morte porque estamos num País em que, a cada hora, cinco pessoas morrem no trânsito. Nós estamos em um País em que, a cada hora, 20 pessoas são internadas no SUS em função de acidentes no trânsito. O Brasil é o terceiro país do mundo em morte no asfalto. Só em 2018, nós tivemos quase 33 mil mortes neste País em função do trânsito e tivemos um custo de R$ 40 bilhões por ano. Esse é o quadro do Brasil”, citou.
Indignada, a parlamentar frisou que é diante desse quadro que a Presidência da República propõe este projeto. Ela lembra que na versão original do governo, era proposto, inclusive, a supressão do exame toxicológico para os motoristas profissionais. “Esse projeto propõe tirar a cadeirinha. Todos os dados pontuam que a cadeirinha de proteção para a criança até 10 anos salvou 71% das nossas crianças de uma letalidade em casos de acidentes. E o projeto propõe esse nível de flexibilização! É um projeto que é um estímulo à impunidade”, criticou.
Na avaliação da deputada, tudo o que se conquistou neste País para buscar enfrentar a violência no trânsito “eles querem desconstruir”. Ela frisou que não é a primeira vez que o governo Bolsonaro busca fazer essa flexibilização. “É o mesmo governo que tentou suspender os radares nas rodovias e que tentou acabar com a fiscalização da velocidade das nossas vias. É o governo da necropolítica, da política da morte”, denunciou Erika Kokay.
Ela ainda criticou o fato de o projeto estar na pauta da Câmara neste momento de pandemia. “São 51 mil pessoas — ou mais do que isso — que foram vítimas do descaso, foram vítimas da incompetência, foram vítimas do coronavírus neste País. E neste momento o que se busca? Busca flexibilizar as normas no trânsito para que nós tenhamos um trânsito ainda mais violento do que o que enfrentamos todos os dias!”, reforçou.
A vida em primeiro lugar
O vice-líder da Minoria, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), também criticou o projeto que muda regras do Código de Trânsito. “Entendemos que não há nenhuma razão para pautar este projeto em plena pandemia. A Minoria compreende que essas mudanças não resolvem. Não há nenhum estudo científico que comprove que de fato isso vai melhorar a segurança e a saúde do nosso povo no trânsito. E ainda pode aumentar o custo para o nosso Sistema Único de Saúde e as despesas, do ponto de vista assistencial”, criticou, ao acrescentar que a vida deve vir sempre em primeiro lugar.
A deputada Marília Arraes (PT-PE) destacou que esse projeto de lei fez parte de várias outras ações e atitudes que pareciam irresponsáveis do governo Bolsonaro e que, na verdade, tinham como objetivo tirar o foco de todo o desmonte que vem ocorrendo nas políticas públicas do País. “Então, é justamente por isso que, durante esse período de pandemia, não é justo com o Brasil a discussão desse projeto de lei que tem tantos pontos polêmicos”. Marília argumentou que a Câmara precisa focar, neste momento, em salvar vidas, em salvar a economia, em salvar o Brasil de toda essa situação que está acontecendo e que tem chamado a atenção no mundo inteiro.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) lamentou o fato de o Brasil ser presidido por um “troglodita”. “É impressionante como ele trata as questões sempre ampliando a possibilidade de morte e não de salvar vidas. Na pandemia estamos vendo isso, ele é responsável pelo homicídio que está acontecendo no Brasil. Agora vamos discutir trânsito e lá vem ele defender a liberação das cadeirinhas para as crianças”. O deputado reconheceu que o relator melhorou a proposta de Bolsonaro, que queria retirar os radares para liberar a velocidade das vias.
Rogério Correia protestou ainda sobre o fato de se discutir mudanças no Código de Trânsito sem tratar da questão do ciclismo, “como se isso não tivesse importância no Brasil”. Ele lembrou que são muitos os que morrem pela questão do ciclismo e citou que apresentou oito emendas que vão promover o desenvolvimento de ciclovias e aumentar a penalidade para aqueles que não respeitam os ciclistas durante o trânsito.
Violência no trânsito
O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) reconheceu que o relator atenuou o malefício que o presidente Bolsonaro está tentando e praticando “porque foi o presidente que suspendeu os radares das estradas federais, que estava ajudando na redução de acidentes”. Ele citou que são registradas cerca de 34 mil mortes/ano, pelo menos, por violência no trânsito. “Há estudo que mostra que para cada morte existem sete pessoas internadas em UTIs, ou seja, é uma verdadeira carnificina”, lamentou.
E o deputado Pedro Uczai (PT-SC) considerou uma irresponsabilidade discutir alterações no Código de Trânsito Brasileiro, com a complexidade de toda a educação de trânsito, neste período de pandemia. “O projeto do governo é lamentável, porque discutia o fim dos exames toxicológicos, o fim do uso da cadeirinha, — que é uma proteção para as crianças, — e o relator pelo menos retira esses pontos, mas coloca outros pontos extremamente problemáticos, que podem levar a mais mortes no trânsito”, protestou.
Texto-base aprovado
Pelo texto-base, os condutores com até 50 anos de idade poderão renovar a CNH a cada dez anos. O prazo atual, de cinco anos, continua para aqueles com idade igual ou superior a 50 anos.
Já a renovação a cada três anos, atualmente exigida para aqueles com 65 anos ou mais, passa a valer apenas para os motoristas com 70 anos de idade ou mais. Entretanto, os motoristas que exercem atividade remunerada em veículo (motoristas de ônibus, caminhão, taxistas ou condutores por aplicativo, por exemplo) devem renovar a cada cinco anos.
O texto também acaba com a necessidade de credenciamento de médicos e psicólogos que realizam os exames exigidos pelo Detran, mas eles terão de se especializar em medicina do tráfego e psicologia do trânsito.
Pontuação
Quanto à pontuação a partir da qual a pessoa tem o direito de dirigir suspenso, o relator estabelece uma gradação de 20, 30 ou 40 pontos em 12 meses, conforme haja infrações gravíssimas ou não. Atualmente, a suspensão ocorre com 20 pontos, independentemente de haver esse tipo de infração.
Assim, o condutor será suspenso com 20 pontos se tiver cometido duas ou mais infrações gravíssimas; com 30 pontos se tiver uma infração gravíssima; e com 40 pontos se não tiver cometido infração gravíssima nos 12 meses anteriores.
Vânia Rodrigues