Com o voto contrário do PT, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (30) o projeto de decreto legislativo (PDL 288/21), que contém complementos ao acordo de livre comércio entre Brasil e Chile no âmbito do Mercosul. O deputado Paulão (PT-AL) enfatizou que o projeto é polêmico, cria desigualdade com relação às compras governamentais, além de ter impactos trabalhistas e ambientais. “Pode-se, inclusive, criar desequilíbrio na balança comercial e prejudicar principalmente pequenas e médias empresas nessa relação bilateral”, alertou.
Paulão argumentou ainda que a Bancada do PT era contrária à matéria porque esse acordo representa um desserviço ao País nesse momento. “São quase 15 milhões de desempregados, principalmente a juventude, e temos a quebradeira das micros, pequenas e médias empresas. Vê-se a falta de perspectiva desse governo, que agora teve um crescimento na sua arrecadação federal — na revista InFoco foi publicitado — de 70%. Ele não consegue investir com subsídios, que eram fundamentais para as micro e pequenas empresas. Um governo que não consegue dar um reajuste necessário para o auxílio emergencial. Estamos vivendo um momento de muita insegurança, inflação alta, falta de perspectiva, e a fome está aumentando”, pontou.
O deputado do PT de Alagoas citou ainda o desequilíbrio da balança entre o Brasil e o Chile. “Vamos dar abertura justamente a esse setor que é fragilizado, que não tem um suporte desse governo”, criticou, acrescentando que a preocupação com essa desigualdade na relação comercial não é uma preocupação apenas do PT, ou da Oposição. “A Confederação Nacional do Comércio, a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional da Agricultura estão muito preocupadas com a celeridade desse projeto, cujo conteúdo deveria ser aprofundado”, argumentou.
Amplitude do acordo
Contrário à proposta, o deputado Joseildo Ramos (PT-BA) citou cinco os pontos para justificar que não era o melhor momento para aprovar o acordo. “Tem muita coisa em jogo. Por exemplo, a abrangência do acordo e o tempo de negociação, que é um ponto fora da curva, em função da amplitude do acordo. Ora, são 17 itens, temas de natureza não tarifárias, envolvendo micro, pequenas e médias empresas e empreendedores, comércio e assuntos trabalhistas, comércio e meio ambiente”.
Joseildo argumentou ainda que trata-se de uma balança comercial envolvendo uma discrepância enorme em relação ao PIB dos dois países. “E me parece que, num olhar primeiro, isso detona o Mercosul”, alertou, e completou: “Então, para um governo que está de plantão e que não tem interesse na manutenção do Mercosul, isso é sopa no mel, ao mesmo tempo em que é um provável prejuízo às micros e pequenas empresas, à questão da desindustrialização, principalmente, nas nossas regiões mais fragilizadas, mais desiguais”.
“Somos maiores que o Chile”
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), também se manifestou contra a aprovação do acordo. “Nós estamos votando aqui uma mensagem, um acordo, no qual o Brasil abre as suas compras comerciais para o Chile e o Chile para o Brasil. Nós somos muito maiores do que o Chile. Nosso volume de compras é muito maior. E a nossa situação econômica é muito mais grave do que a do Chile. Nós estamos aqui com 15 milhões de desempregados, 15 milhões de trabalhadores subempregados, ganhando menos do que o salário mínimo, e vamos fazer um acordo desse tipo?”, indagou.
Zarattini citou ainda a postura dos Estados Unidos, que aprovou US$ 1 trilhão para a recuperação da economia. “Vejam se lá existe alguma abertura comercial para países como o Brasil na área da indústria, na tecnologia. Absolutamente, não existe. Um país que defende que é o maior arauto do livre mercado é o que mais protege a sua economia, é o que mais faz guerra comercial, principalmente contra a China, principalmente contra os países que tem o mesmo nível de força econômica. E nós aqui no Brasil abrimos mão disso. Vamos entregar o nosso mercado”, protestou.
Na avaliação do deputado Zarattini, só um governo, onde o ministro da Economia é um ‘negocista’, como Paulo Guedes, que pode fazer uma coisa dessa. “Só no Brasil, onde o ministro, que não tem nenhum compromisso com o povo brasileiro, com a pátria, com a Nação, é possível uma coisa dessas”, lamentou.
Também contrário à aprovação do projeto, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) argumentou que não se trata de fazer ou não fazer acordos comerciais. “O Brasil já fez muitos e fará muitos outros, o que nos parece é que esse acordo foi negociado em condições desfavoráveis ao interesse da economia brasileira”, alertou.
O tratado
Assinado em 2018, o protocolo trata de diversos pontos adicionais a acordo tarifário assinado em 2015, estabelecendo compromissos como facilitação de comércio, barreiras técnicas ao comércio, comércio transfronteiriço de serviços, investimentos, comércio eletrônico e compras governamentais.
O acordo é dividido em 24 capítulos, como o do Meio Ambiente, no qual ambas a partes se comprometem, depois da data de entrada em vigor do texto, que nenhum dos países “deixará de aplicar efetivamente sua legislação ambiental por meio de um curso de ação ou de inação que seja contínuo ou recorrente e que afete o comércio ou o investimento entre as partes”.
Medidas sanitárias
Quanto às medidas sanitárias e fitossanitárias relacionadas ao comércio, foram adotados compromissos mais amplos que os da Organização Mundial do Comércio (OMC) em relação à equivalência de regras, habilitação de estabelecimentos exportadores e reconhecimento de status sanitário dos países e suas regiões.
No capítulo de cooperação econômico-comercial, ambos os países reconhecem produtos típicos. O Brasil reconhece o pisco chileno como produto de indicação geográfica típica e o Chile reconhece a cachaça brasileira, constituindo em fator de segurança jurídica para seus produtores.
O acordo contém ainda vários anexos regulatórios, como o do setor de produtos orgânicos, pelo qual as partes reconhecem mutuamente seus sistemas de certificação orgânica.
Micro e pequenas empresas
Para o setor de micro e pequenas empresas, o acordo prevê que uma das formas de ajudar essas empresas a atuarem no outro país será a criação de um comitê com representantes do Brasil e do Chile para trocar informações e discutir experiências de apoio a esse segmento, sugerindo mudanças em regulações dos dois países.
O texto aprovado segue para apreciação do Senado
Vânia Rodrigues