Dentro de algumas semanas será divulgado o Mapa da Fome no Mundo. O relatório anual é produzido pela Organização da Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), uma agência da ONU para acabar com a fome e a má nutrição no planeta. O “mapa” destaca os países em que 5% da população ou mais não conseguem consumir diariamente a quantidade mínima de calorias para ter uma alimentação considerada saudável.
E o Brasil tem reduzido esse triste número ano após ano desde o fim da década de 1990, conseguindo em 2014 chegar a menos de 5% da população na situação de subnutrição e, por isso, foi retirado do Mapa da Fome. A tendência de queda foi interrompida em 2017, quando a fome no Brasil voltou a crescer, mas ainda não ultrapassara os 3%. Os que estudam e trabalham com alimento e com a população de regiões mais vulneráveis dizem que o Mapa da Fome deste ano tende a apontar uma piora no cenário brasileiro. E talvez a região mais vulnerável seja o semiárido.
Cristina Nascimento integra a coordenação da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) no estado do Ceará. Ela conta que o cenário de fome na região passa muito mais pela presença e responsabilidade do poder público do que pela estiagem ou seca. “A seca é um fenômeno natural que ninguém pode combater, mas temos que aprender a conviver com ela. Já a fome é um fenômeno social que tem como centro a política, pois a falta de compromisso do Estado brasileiro com essas famílias é que provoca a miséria”, reclama.
Ela lembra que por décadas os governos fizeram ações que não solucionavam a situação. Mas a mudança começou através da mobilização popular para lutar e construir soluções, inclusive através da própria ASA, que reúne organizações da sociedade civil que atuam por todo o semiárido. E encontrou no Planalto um grande aliado a partir de 2003, com a eleição de Lula. “A partir do governo dele conseguimos introduzir a pauta da água como direito e alimento. Lula trouxe o tema para a centralidade política, inverteu a lógica e passou a construir políticas públicas para a região pensando em ajudar as famílias a construírem suas próprias soluções”.
Cristina também aponta como fundamentais outras políticas públicas que fortaleceram a região, como o Bolsa Família, a aposentadoria rural, a valorização do salário mínimo, o acesso a creche, às sementes e à água, além do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Os avanços, todavia, foram interrompidos com a derrubada da presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016. “O golpe chegou reduzindo o tamanho do Estado e cortando os gastos com as pessoas pobres, mas não cortaram os gastos com bancos e grandes empresas”, reivindica.
Reflexos na saúde – Atuando na zona rural de Petrolina, o médico da família Aristóteles Cardona conta que a piora na qualidade de vida da população é perceptível. “As pessoas voltaram a cozinhar com forno a lenha, algo que não se via muito. Outra coisa que percebi é que nessas casas aumentou o consumo de alimentos processados, menos saudáveis, porque são os mais baratos”.
Brasil de Fato