Com o voto contrário do PT, o plenário do Congresso derrubou nesta quinta-feira (14) os vetos do presidente Lula ao Marco Temporal (Lei 14.701/23) e a desoneração da folha de pagamentos das empresas (PL 334/23). Em um acordo entre governo e oposição, também foram derrubados os vetos a trechos do novo arcabouço fiscal (Lei Complementar 200/23) – regime que substituiu o teto de gastos públicos -, e ao que determina o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A derrubada do veto presidencial a trechos do Marco Temporal foi muito criticada por parlamentares do PT e outros partidos de esquerda. Eles lembraram que a tese que defende a limitação da demarcação de terras indígenas apenas as áreas ocupadas por etnias no ato da promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988, já foi declarada pelo STF como inconstitucional.
Ao discursar em defesa da manutenção do veto presidencial, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) disse que a tese do Marco Temporal não tem futuro. “O STF não vai aceitar o Marco Temporal, porque o direito histórico ao território pelos povos indígenas é clausula pétrea”, advertiu.
O parlamentar criticou ainda a ganância de setores que defendem o Marco Temporal para se apropriar de terras historicamente indígenas. “Todos sabem que os constituintes em 1988, quando asseguraram o direito originário do território aos povos indígenas, definiu naquele momento a vontade do povo de construir uma nação com respeito a diversidade, que só existe com o território. O agronegócio não precisa das terras indígenas. É importante que o agronegócio entenda que tirar terra dos povos indígenas é dar um ‘tiro no pé’ do próprio agronegócio”, disse.
Ao responder as acusações da bancada ruralista de que os indígenas têm muita terra no País, o deputado Nilto Tatto denunciou da tribuna da Câmara que os 152 mil grandes proprietários rurais do Brasil possuem mais do que o triplo de terra dos 1,7 milhões de indígenas. Segundo dados do Incra, os 152 mil grandes proprietários de terra no Brasil possuem 471 milhões de hectares, o equivalente a 55,4% da área territorial do País. Enquanto isso, 1,7 milhões de indígenas ocupam somente 118 milhões de hectares.
Em um acordo, o governo manteve alguns vetos do presidente Lula ao Marco Temporal. Entre eles, o trecho da Lei que permitia ao governo retomar uma terra indígena para destiná-la a reforma agrária. Também foi mantido o veto que dava direito ao Estado manter contato com indígenas isolados. Outro ponto que os congressistas aceitaram foi o que veda a plantação de transgênicos em terras indígenas.
Desoneração
O Congresso também derrubou o veto à proposta que prorroga a desoneração da folha de pagamentos das empresas até 2027, para 17 setores da economia, aprovada recentemente no Parlamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu que o tema deveria ser discutido na segunda fase da Reforma Tributária, que prevê a reformulação dos impostos de renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
O ministro da Fazenda destacou também que a posição da Advocacia-Geral da União (AGU) é de que a prorrogação – que vem ocorrendo desde 2011 – é inconstitucional. Como forma de evitar a judicialização da questão, Haddad anunciou que o governo estuda uma alternativa para desonerar a folha gradualmente. A simples derrubada do veto pode ter um impacto anual de R$ 9, 4 bilhões aos cofres da União, segundo o ministério da Fazenda.
Ao orientar o voto do governo pela manutenção do veto, o deputado Bohn Gass (PT-RS), ressaltou que desoneração na verdade só beneficia as empresas. “É importante que se diga o que na desoneração a empresa deixa de contribuir deixa de recolher 20% de sua folha para a Previdência, ficando esse recurso com a empresa. Ela se apropria desse dinheiro. Importante notar que o momento em que mais se gerou empregos nesse País não foi com desoneração, mas com investimentos e mais dinheiro no bolso do povo. É isso o que o Lula está fazendo agora, mas para isso o Estado tem que ter dinheiro”, explicou.
O parlamentar disse ainda que a desoneração da folha, adotada no passado com a intenção de gerar mais emprego, não se mostrou eficiente ao longo do tempo. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em um estudo publicado em 2018, disse que “no geral, os resultados obtidos (com a desoneração) apontam para ausência de efeitos da política sobre o volume de empregos”.
Arcabouço Fiscal
Em um acordo entre governo e oposição, foram derrubados dois trechos da Lei do Arcabouço Fiscal (Lei Complementar 200/23). O primeiro determina que, na hipótese de limitação de empenho e pagamento prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, as despesas de investimentos, no âmbito do Poder Executivo, poderiam ser reduzidas até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das demais despesas discricionárias.
O outro artigo vetado impede a LDO de tratar da exclusão de quaisquer despesas primárias da apuração da meta de resultado primário dos orçamentos fiscal e da seguridade social.
Carf
Também por acordo, o plenário derrubou vários vetos a lei que determina o retorno do voto de qualidade do governo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf (Lei 14.689/23). Entre os itens vetados, estão trechos que alteram a Lei de Execução Fiscal, utilizada para cobrar dívidas tributárias de contribuintes.
Foi excluída, por exemplo, a parte que permitia ao contribuinte executado oferecer garantia apenas do valor principal da dívida (os acessórios, como os encargos e juros, ficariam de fora), vedada a execução antecipada.
O Congresso Nacional analisou ainda outros vetos:
Surdez unilateral
Derrubado o veto total do ex-presidente da República Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei (PLC) 23/2016. A proposta garante direitos às pessoas que sofrem surdez total em apenas um dos ouvidos, chamada deficiência auditiva unilateral. Hoje a legislação considera apenas a limitação bilateral (ambos os ouvidos) como deficiência.
Marco das Ferrovias
Derrubado o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Marco Legal das Ferrovias (Lei 14.273, de 2021). Com a rejeição, a União é obrigada a investir em infraestrutura logística ou de mobilidade pública os valores arrecadados de operadoras ferroviárias.
Bolsas de pesquisa
Derrubado o veto parcial a dois dispositivos da Lei 14.695, de 2023, que dá acesso a bolsas por parte de servidores envolvidos efetivamente em atividades de pesquisa.
Obrigações tributárias
Mantido parte dos vetos à lei complementar que cria o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, destinada a facilitar o preenchimento de declarações e a prestação de outras informações ao Fisco da União, estados, municípios e Distrito Federal.
Batalhão Suez
Derrubado o veto total ao projeto de lei do Senado que estabelecia o pagamento de pensão especial vitalícia no valor de dois salários mínimos aos ex-integrantes do Batalhão Suez (PLS 332/2011).
Lei da vacinação
Derrubado o veto presidencial a dispositivo da Lei 14.675, de 2023, que dispõe sobre o funcionamento dos serviços privados de vacinação humana.
Escola rural
Derrubado o veto total ao projeto que permite aos estudantes da zona rural dividir seus meses de ensino entre aulas teóricas em sala de aula e atividades práticas no campo (PLC 184/2017).
Educação digital
Derrubado o item 1 do veto à Lei 14.533, de 2023, que criou a Política Nacional de Educação Digital (Pned).
Lei da Mata Atlântica
Mantido o veto parcial aplicado à Lei 14.595, de 2023, que trata do Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Adicional de especialização
Derrubados itens do Projeto de Lei 5883/09 para permitir a exigência de graduação em nível superior no ingresso no cargo efetivo de técnico legislativo da Câmara dos Deputados de nível intermediário especializado.
Cargos
Derrubados itens do Projeto de Lei 2342/22, para restituir à Lei 14.687/23 o pagamento dos chamados “quintos” por fora de reajustes da tabela de vencimentos aos servidores do Poder Judiciário.
Perigo de combustíveis
Derrubado veto total ao PL 1949/21, que muda a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para dispensar o pagamento do adicional de periculosidade ao não considerar como perigosa a exposição de motoristas de caminhões ao combustível do tanque original e do tanque extra.
Simplificação de obrigações
No Estatuto de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias (PLP 178/21), o Congresso restitui à Lei Complementar 199/23 a instituição da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e) e do Registro Cadastral Unificado (RCU).
Retomada de carros
Derrubado vetos ao Projeto de Lei 4188/21, que retoma a possibilidade de execução extrajudicial, por meio de cartórios, na recuperação de dívidas ligadas a veículos automotores alienados fiduciariamente e outros bens móveis.
Créditos adicionais
O Congresso aprovou ainda os seguintes projetos de lei orçamentários (PLNs), que abrem créditos adicionais no Orçamento federal no total R$ 634,8 milhões:
PLN 14/2023 – Crédito suplementar de R$ 25,9 milhões em favor dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e das Mulheres
PLN 16/2023 – Crédito suplementar de R$ 11,6 milhões em favor da Justiça Federal, do Ministério Público da União e do Conselho Nacional do Ministério Público
PLN 17/2023 – Crédito especial de R$ 4,1 milhões em favor das Justiças Federal e Eleitoral
PLN 20/2023 – Crédito suplementar de R$ 19,5 milhões em favor da Autoridade Portuária de Santos S.A. e da Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A.
PLN 21/2023 – Crédito especial no valor de R$ 393 milhões em favor do Ministério da Saúde para aumentar a participação da União na Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás)
PLN 23/2023 – Crédito especial de R$ 129,9 milhões para o Programa de Enfrentamento à Fila do Ministério da Previdência Social.
PLN 28/2023 – Institui o Plano Plurianual da União (PPA) para o período de 2024 a 2027
PLN 34/2023 – Crédito especial de R$ 50,8 milhões para as Justiças Federal, Eleitoral e do Trabalho
Héber Carvalho, com agências Câmara e Senado