O plenário da Câmara – apesar da batalha travada pela Bancada do PT e da Oposição -, aprovou na noite desta terça-feira (9), em 2º turno, a PEC dos Precatórios (PEC 23/21), também popularmente conhecido como “PEC do Calote”, que altera a forma de pagamento dos precatórios, as dívidas da União reconhecidas pela Justiça. Mas os partidos oposicionistas impuseram uma derrota aos governistas, ao aprovar um destaque que retirou do texto a permissão para o governo contornar a chamada “regra de ouro”, por meio da lei orçamentária.
Para derrotar o destaque apresentado pelo partido Novo, o governo precisava de 308 votos, mas apenas 303 parlamentares votaram pela manutenção do texto. A PEC segue para análise no Senado.
A regra de ouro estabelece que o governo só pode emitir dívida pública para rolar a própria dívida ou para cobrir despesas de capital, como investimentos em obras públicas e amortizações.
Para cobrir gastos correntes, como os que a regra determina, o governo precisa pedir autorização do Congresso, por meio de crédito suplementar ou especial no Orçamento, que requer maioria absoluta para a aprovação, ou seja, pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
Ao orientar o voto “não” da Bancada do PT para suprimir o dispositivo sobre a quebra da regra de ouro do texto original, o deputado Enio Verri (PT-PR) destacou as grandes divergências sobre a questão envolvendo o tema. Ele afirmou que não se trata de um debate simples sobre os investimentos, “até porque nós defendemos um Estado ampliado, um Estado que reduza desigualdades, e que seja um instrumento, de fato, de construção da justiça social”.
O líder da Bancada do PT na Câmara, deputado Elvino Bohn Gass (RS), voltou a enfatizar que na PEC, que ele denominou de “calote”, “chantagem”, “eleitoreira” e “mentirosa”, não consta uma linha sequer estabelecendo o pagamento no valor de R$ 400 para os beneficiados do programa Auxílio Brasil, argumento usado pelo governo para mexer nos precatórios.
“Essa PEC não é para ajudar. Mais de 25 milhões de pessoas não terão mais auxílio emergencial, não terão o Bolsa Família. Me mostre onde está escrito nessa PEC um auxílio de R$ 400? Não está escrito em lugar nenhum”, acusou Bohn Gass.
Distorção
Enio Verri alertou sobre a distorção que a quebra da regra de ouro poderia causar. “A maneira como está o texto, e principalmente como pode ser apresentado isso no Orçamento, poderá, com a aprovação do texto original, ser jogada para a mão do relator uma autonomia gigantesca de valores, até exercendo essa capacidade, como foi aqui, flexibilizando a regra de ouro”, advertiu o parlamentar.
Em nome da Minoria, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) também encaminhou o voto “não”, porque, segundo ele, a PEC dos Precatórios, na prática, constitui em uma “tentativa de quebrar a regra de ouro aqui, para alimentar as emendas secretas”.
Interesse clandestino
A deputada Erika Kokay (PT-DF) ao orientar o voto não em nome da Oposição, esclareceu que a Casa não está discutindo a regra de ouro. Segundo ela, está se discutindo quebrar a regra de ouro para poder financiar o “orçamento secreto”.
“Aqui não está se discutindo quebrar a regra de ouro para poder estimular e fortalecer a educação, a saúde, a segurança, as políticas públicas. Aqui não se discute isso’, apontou.
Erika frisou que existe um interesse mediato e clandestino. Isso porque, segundo ela, “os parlamentares não têm coragem de assumir, mas está explícito que lutam para terem acesso ao orçamento clandestino e trocam ou acabam com o Bolsa Família por um auxílio que vai durar até o final do ano”. “É um escândalo o que está acontecendo nesta Casa. É corrupção pura”, denunciou Erika Kokay.
Para o deputado José Ricardo (PT-AM), esses precatórios já deveriam estar previstos no Orçamento, porque é dívida antiga. “Agora, dizer que não tem dinheiro, para usar como desculpa para dar calote nos professores, aposentados, isso não podemos aceitar. Votei contrário a essa PEC no primeiro e segundo turnos. Mas nós, da oposição, ainda conseguimos aprovar um destaque que retirou do texto a permissão para o governo contornar a chamada ‘regra de ouro’, estabelecendo que só pode emitir dívida pública para rolar a própria dívida ou para cobrir despesas de capital, como investimentos em obras públicas e amortizações. Para cobrir gastos correntes, como os que a regra determina, o governo vai precisar pedir autorização do Congresso”, destacou o deputado.
Mercado Paralelo
O deputado Enio Verri rechaçou o mercado paralelo que será criado a partir da PEC dos Precatórios. O texto, segundo Verri, estende a possibilidade de uso antecipado dos precatórios também ao pagamento de outorgas em concessões, à compra de ações de empresas públicas e de direitos em contratos de partilha de petróleo. “O que nós queremos, de fato, é eliminar a possibilidade da criação de um mercado paralelo de títulos”, argumentou.
Segundo o parlamentar, cria-se um mercado paralelo com deságio de 50%. Ele explicou que isso quer dizer que aquela pessoa cujo pai já falecido está esperando o dinheiro tem um título de R$ 1 milhão e vai receber apenas R$ 500 mil, “mas quem compra por R$ 500 mil terá na mão R$ 1 milhão, e este R$ 1 milhão nada mais é do que um título que vai usar para pagar a Previdência, pagar tributos e comprar empresas públicas”.
“Cria-se um mercado paralelo de alta lucratividade, porque afinal de contas terá um deságio de no mínimo 50%. Quando foi anunciada aqui a possibilidade de se aprovar a PEC 23, o deságio chegou a 70%”, denunciou.
O deputado esclareceu que o objetivo “é eliminar essa possibilidade de se criar uma política ainda maior de deságio, que já existe hoje, de grandes bancos e escritórios de advocacia, que estão muito felizes com essa PEC”. Para esses setores, continuou, “essa PEC lhes abre uma porta gigantesca de mais lucro”.
Para Verri, o que está na essência da PEC dos Precatórios é a criação de uma oportunidade de não pagar àqueles que têm direito, não honrar o compromisso que, por decisão do Supremo Tribunal, exige. “Não querem cumprir. Querem jogar o pagamento do precatório para governos futuros, elaborando e construindo uma bola de neve, que será paga Deus sabe como e quando”, alertou o parlamentar paranaense.
Dívidas com estados
Nota da Consultoria de Orçamento da Câmara aponta que, do total de precatórios previstos para pagamento em 2022, o montante de R$ 16,2 bilhões (26%) se referem às dívidas da União com os estados da Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas relativas a cálculos do antigo Fundef.
Folga orçamentária
O texto-base aprovado em 2º turno engloba o parecer da comissão especial, segundo o qual o limite das despesas com precatórios valerá até o fim do regime de teto de gastos (2036). Para o próximo ano, esse limite será encontrado com a aplicação do IPCA acumulado ao valor pago em 2016 (R$ 19,6 bilhões). A estimativa é que o teto seja de quase R$ 40 bilhões em 2022. Pelas regras atuais, dados do governo indicam um pagamento com precatórios de R$ 89 bilhões em 2022, frente aos R$ 54,7 bilhões de 2021.
Benildes Rodrigues, com Agência Câmara