Parlamentares, acadêmicos e até representantes de órgãos federais cobraram nessa quinta-feira (16) mais empenho do governo Bolsonaro, por meio de políticas públicas e recursos, no combate às queimadas e incêndios florestais no Pantanal. As declarações ocorreram durante o “Seminário Nacional Desafios e Perspectivas na Preservação do Pantanal”, organizado pela Comissão Externa das Queimadas em Biomas Brasileiros, coordenada pela deputada Professora Rosa Neide (PT-MT).
Ao abrir a reunião, realizada de modo virtual, a parlamentar ressaltou que o cenário catastrófico de devastação ambiental no bioma pantaneiro ocorre, em grande parte, por conta da ineficiência do governo federal. Ela lembrou que, apenas nas queimadas ocorridas na região no ano passado, a estimativa é de que tenham morrido mais de 17 milhões de animais vertebrados.
“Em 2021, a seca está maior do que foi em 2020 e o governo federal não tem tomado medidas para enfrentar nem mesmo a crise hídrica, e ainda continua desmontando a fiscalização ambiental, deixando ocorrerem incêndios e queimadas que comprometem a região”, acusou.
Na mesma linha, os deputados Nilto Tatto (PT-SP) e Vander Loubet (PT-MS), também cobraram mais ação do governo Bolsonaro. “O que precisamos é de mais ação do governo federal e dos governos estaduais responsáveis pelo Pantanal, de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para enfrentar os incêndios e as queimadas. É preciso medidas urgentes para proteger o Pantanal, vítima agora das mudanças climáticas que agravam a seca estimulando ainda mais as queimadas. Cada vez mais é preciso fiscalizar o uso do solo e cabeceiras de rios e nascentes”, alertou Tatto.
Por sua vez, o deputado Vander Loubet ressaltou que é preciso que o governo federal garanta recursos para políticas públicas destinadas à salvação do Pantanal. “Além de debates como esse, que são importantes, precisamos em um grande esforço com o parlamento e a sociedade civil para conseguirmos mais orçamento”, observou.
Segundo ele, a situação do Pantanal é crítica e demanda socorro imediato. “O nível do Rio Paraguai vem caindo, com o assoreamento e as queimadas. A agropecuária está chegando a regiões preservadas como no caso de Bonito, destruindo a flora e a fauna, e transformando essa região em pasto. Além do diagnóstico dos problemas, precisamos lutar por orçamento para viabilizar o combate às queimadas e à preservação ambiental, em uma política articulada entre a União, estados e municípios”, defendeu.
Opinião dos especialistas
Na primeira mesa de debate, que discutiu o “Diagnóstico e apontamentos sobre incêndios no Pantanal: dimensões climáticas e ambientais”, especialistas opinaram sobre a atual situação da região. Ao lembrar que o Pantanal é considerado uma das maiores áreas alagadas do mundo, e patrimônio natural da humanidade e reserva da biosfera pela Unesco, a Professora Doutora da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), Solange Ikeda Castrillon, ressaltou que a seca que favorece o surgimento de queimadas e incêndios no bioma também está relacionada com a destruição que ocorre na Amazônia.
“A Floresta Amazônica é responsável pelos chamados “rios voadores” (correntes de ar que carregam a umidade da floresta e que se precipitam sob forma de chuva no Pantanal). Nos últimos anos, houve aumento do período de seca e redução na quantidade de chuva, diminuindo o nível dos rios, especialmente o Rio Paraguai, ocasionando a escassez hídrica. Com isso, muitas comunidades estão perdendo suas plantações e sua segurança alimentar, e vendo as nascentes dos rios e poços artesianos secando”, lamentou.
O Coordenador-Geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres (Cemaden), Dr José Marengo Orsini, alertou que a seca atual na região é a pior dos últimos 50 anos. Segundo ele, com o corte no orçamento para combater as queimadas a situação pode se agravar ainda mais no próximo ano.
“O corte de recursos no orçamento para controle do fogo contribui para o aumento no número de incêndios na região, a maioria, nesse caso, ocasionada pela atividade humana. Em 20202, poderemos ver repetida as queimadas de 2020, uma das piores da história, principalmente pelo diagnóstico de que a estação de chuva poderá ser de 50% a 60% menor do que a deste ano”, observou.
A opinião do coordenador do Cemaden foi compartilhada pelo representante do Ibama Rodrigo Faleiro. Segundo ele, para combater as queimadas e os incêndios na região “é necessário mais estrutura, como bases adequadas, mais brigadistas profissionalizados, centros de monitoramento, além de mais recursos aéreos e terrestres”.
Agronegócio é o maior vilão do Pantanal
Além da escassez de chuva e do aumento do período de seca, a forma predatória como o agronegócio se comporta em relação à exploração do solo também foi apontado como um dos fatores que agrava a degradação ambiental do Pantanal. Para a professora doutora Carolina Joana da Silva, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), “é preciso estimular o uso racional da água pelo agronegócio, tanto para a criação de gado quanto nas plantações de grãos voltados para a exportação”.
Além do desmatamento e do uso irracional da água, a professora doutora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Michele Sato pesquisadora e especialista em eventos climáticos alertou que a própria existência da criação extensiva de gado já se provou danosa ao meio ambiente.
“Se fala muito no dano causado pela emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, mas pouco se fala da emissão do gás metano (CH4), que é produzido majoritariamente pelo agronegócio, principalmente pela pecuária. Ele é mais danoso do que o dióxido de carbono e contribui ainda mais para o aquecimento global”, afirmou.
Amenizar os efeitos da destruição do Pantanal
Na segunda mesa de debates, especialistas apresentaram algumas ações que podem contribuir para amenizar a destruição causada pela ação humana no Pantanal. O professor doutor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Danilo Bandini Ribeiro apresentou o Projeto Noleedi, uma experiência coordenada por ele na Terra Indígena Kadiwéu. A ação visa ensinar o manejo do fogo de forma segura e ambientalmente responsável. “O fogo é usado para cozinhar, na caça, no manejo de pastagens e até mesmo para prevenir incêndios. Portanto, o fogo não é o problema, mas sim o mal manejo do fogo”, ressaltou.
Esse inclusive é o teor de um projeto de lei relatado pela deputada Professora Rosa Neide, que inclusive já apresentou parecer e está pronto para ser votado no plenário da Câmara. A proposta cria a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
O professor doutor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Paulo Robson de Souza defendeu ainda o fortalecimento do Fundo Nacional de Meio Ambiente para financiar projetos de conservação ambiental e de conscientização ambiental.
“Precisamos de mais programas de manejo do fogo, a criação de mais brigadas de incêndio e também de mais educação ambiental, inclusive com projetos de comunicação, com divulgação de informações via programas de rádio e até pela grande mídia, disseminando conhecimento científico e o ensino das boas práticas ambientais”, declarou.
Segundo o mediador do debate, o Procurador de Justiça de Defesa Ambiental e da Ordem Urbanística do Mato Grosso, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, para enfrentar a questão da devastação ambiental, principalmente em relação às queimadas e incêndios, também é fundamental aplicar a lei com rigor.
“A maioria das queimadas surgem a partir do fogo colocado em material orgânico fruto de desmatamento, a maioria ilegal e em propriedades privadas, objetivando plantação e criação de gado. Já observamos em uma ação movida na justiça a recorrência de fogo em 85 propriedades privadas. Portanto, para combater esse problema também é preciso repressão”, afirmou.
Também participaram do seminário o deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF) e o deputado estadual Lúdio Cabral (PT-MT), além de outros professores doutores da Unemat e da UFMS, das Secretarias do Meio Ambiente do MT e MS; da Defensoria Pública Federal; do CIMI, do Fórum de Direitos Humanos e da Terra; do instituto Fé e Vida; do ICMBio; do Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente; e da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.
Héber Carvalho
Veja a íntegra do seminário: