Crescem os casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na pandemia

Dados do Observatório do Terceiro Setor, de março deste ano, apontam que 500 mil crianças são vítimas de exploração sexual no Brasil, a cada ano. O país ocupa o 2º lugar no ranking de exploração sexual infanto juvenil, e estima-se que apenas 10% dos casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes sejam notificados. O primeiro país no ranking é a Tailândia.

Já o Projeto Justiceiras informa que em 2021, a quantidade de denúncias saiu de 340 casos por mês para 658 denúncias em março. A violência doméstica atingiria principalmente mulheres, crianças, adolescentes e idosos. Denúncias de abuso contra crianças cresceram até 12 vezes durante a pandemia em São Paulo.

O Projeto conclui que, mesmo com a Lei 14.022 de 2020, que transformou a rede de proteção contra violência doméstica como serviço essencial, dobraram os casos de violência doméstica durante a pandemia.

Para discutir essa situação, a falta de ações do governo federal, o aumento dos índices de denúncias e o desmonte das políticas públicas, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) promoveu, nesta segunda (17), uma audiência pública virtual reunindo a sociedade civil e parlamentares. O encontro foi solicitado pela deputada Maria do Rosário (PT-RS).

“Há dois anos o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente sofre ataques que impossibilitam o trabalho. Não houve a nomeação dos integrantes e por isso não consegue funcionar. Toda democracia brasileira está ferida, a sociedade civil não participa mais, de forma paritária, na construção de políticas públicas”, denuncia a parlamentar.

Maria do Rosário lembra que já foram instaladas três Comissões Parlamentares de Inquérito sobre o tema e houve mudanças no Código Penal.
“Mesmo assim aumentam os pontos de prostituição nas estradas, por causa do empobrecimento generalizado. Um crime abominável, a exploração comercial, o tráfico de adolescentes por causa da pobreza”, aponta a parlamentar, que sugeriu a criação de redes de observatórios para acompanhar o problema.

A audiência pública marca também o dia 18 de maio, que é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data é uma homenagem à menina Araceli Crespo que foi raptada, drogada, estuprada e morta na cidade de Vitória (ES), nesse dia, em 1973. Araceli tinha 8 anos. Quarenta e sete anos depois o crime permanece sem uma solução.

Cruel e perversa

“É a violência mais cruel e mais perversa, um fenômeno complexo, de relações históricas com a cultura do machismo, sexismo e desigualdades sociais. O aumento da pobreza, na pandemia, traz um desafio de como a rede de proteção pode trabalhar nesse contexto”, diz Karina Peixoto, do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.

Para Amanda Ferreira, da Rede Ecpat Brasil, “há um aprimoramento do explorador com o aumento da pobreza, da miséria e da fome, o sexo virou moeda troca em vários formatos. Aqui em Manaus tivemos várias ações em casas de massagens e de shows, com meninas de 13 ou 14 anos. Também temos que lembrar que as crianças não estão na escola e a pornografia e o comércio pela internet crescem todos os dias. Além disso, os serviços públicos desmantelados e orçamento para infância, hoje, é uma migalha”.

A Rede Ecpat é uma rede de organizações da sociedade civil que trabalha combatendo a prostituição, pornografia, tráfico e turismo para fins de exploração sexual.

O presidente da CLP, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), lembra que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não executa o orçamento na área da infância, e isso colocou os programas de proteção à infância e combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes em risco. “As ações são insuficientes para combater mais essas violações de direitos humanos”, observa o deputado.

“A extrema pobreza se acentua e com efeitos terríveis, atingindo a dignidade das pessoas, e para crianças e adolescentes vai trazer danos irreparáveis, condená-las à um estado perpétuo de privações. Esse grupo não foi foco durante a pandemia, em várias áreas, inclusive do ponto de vista de saúde mental”, alerta Luiza Aurélia Teixeira, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Terezinha Vergo, conselheira tutelar em Porto Alegre (RS), afirma que “estamos perdendo a capacidade de intervenção na saúde, na educação e também numa questão delicada como a violência sexual contra crianças e adolescentes. Já vimos casos de uma criança de 3 anos vivendo numa peça só com a toda família, virou um objeto de brinquedo. Ou R$ 10 por um nudes de adolescentes”.

O deputado Helder Salomão (PT-ES) destaca que é preciso fortalecer os conselhos tutelares, municipais, a luta das entidades para enfrentar esse imenso problema, além de redobrar os cuidados com as crianças e adolescente. “O desemprego atingindo 14 milhões de pessoas, 19 milhões de volta à extrema pobreza e 116 milhões em situação de insegurança alimentar. Sem falar dos órfãos da pandemia. Imaginem a realidade de milhões de crianças e adolescentes vivendo nessa situação”, lamenta o ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).

“Crianças e adolescentes são pessoas de direito, está na Constituição que também prevê orçamento para eles. Sabemos que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras. Elas são vítimas de espancamentos, estupros, estão sujeitas ao álcool e drogas, além de doenças sexualmente transmissíveis”, aponta a deputada Erika Kokay (PT-DF).

Avanços

Para o desembargador José Antônio Daltoé Cezar, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, essa violência é um problema mundial. Ele afirma que uma, em cada 4 meninas, e um em cada 6 meninos, vão chegar ao fim da vida com esse tipo de abuso. Apenas dez por cento vão conseguir verbalizar, já que 80% dos casos envolvem o padrasto, o pai ou o avô. O mesmo percentual se aplica à faixa etária, de menores de 13 anos.

“Entre 60 países o Brasil está em 13º lugar. O que ajuda é a legislação brasileira, uma das melhores no setor. O que falta é vontade política. Mesmo com todas as dificuldades, temos mais salas de escuta especializada e 4 mil profissionais capacitados para esse serviço. Também criamos um protocolo para ouvir crianças de comunidades tradicionais como indígenas, quilombolas e ciganos, em cinco estados. Se está ruim hoje, 30 anos atrás era muito pior”, pondera o magistrado.

Assessoria de Comunicação-CLP

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