Com o voto contrário do PT e da Oposição, a Câmara aprovou na noite desta segunda-feira (7) o texto-base do projeto de lei (PL 4199/20), que cria programa de estímulo ao transporte de cabotagem (entre portos nacionais). A sessão se estendeu até a madrugada de hoje, mas devido a obstrução política e denúncias de irregularidades, negociatas e traições – feitas por deputado da própria base do governo –, não foram apreciados todos os destaques apresentados ao texto que libera progressivamente o uso de navios estrangeiros no País sem a obrigação de contratar a construção de unidades em estaleiros locais. Já a partir da publicação da futura lei, as empresas poderão alugar um navio vazio para uso na cabotagem.
Os destaques que ainda não foram apreciados serão discutidos e votados na sessão marcada para esta terça-feira (8), às 11h.
O deputado Paulão (PT-AL) afirmou que esse é um projeto de lesa-pátria, que vai prejudicar a indústria nacional, além de favorecer a concentração do setor. “O projeto é extemporâneo, é um projeto lesa-pátria, que não favorece as empresas nacionais, que ameaça empregos, que prejudica a arrecadação e que não reduz custos”, protestou. Ele destacou que os Estados Unidos e a União Europeia não permitem a cabotagem de empresas estrangeiras por uma questão de soberania nacional e, também, de fortalecimento da sua economia.
O deputado observou ainda que o projeto foi feito “de afogadilho”, principalmente pelo ministro Paulo Guedes (Economia), para favorecer as empresas internacionais. “E quando se fala de isenção de vários tributos – IPI, PIS/Pasep, Cofins e Cide -, isso ocorre em detrimento das empresas nacionais que continuam com tributação alta”, denunciou.
Para o deputado, outra questão muito grave é que o parâmetro, do ponto de vista contratual da empresa estrangeira, vai ser as normas internacionais. “Isso vai prejudicar muito os trabalhadores brasileiros se levarmos em consideração, por exemplo, a legislação trabalhista das Filipinas e do Panamá”, alertou Paulão.
Submissão do Brasil
A deputada Erika Kokay (PT-DF) enfatizou que o texto-base que foi aprovado é uma expressão da ausência de compromisso com o projeto de desenvolvimento nacional. “Ele é uma expressão da submissão do Brasil, do governo brasileiro à lógica rentista e a um capitalismo improdutivo, porque todos nós defendemos o fortalecimento da cabotagem e todos nós achamos que é preciso criar as condições de infraestrutura para que o Brasil eleve a sua competitividade. Isso significa acionar cadeias produtivas, ter projetos de desenvolvimento nacional e estimular realmente o barateamento da cabotagem. E não é isso o que nós estamos vendo neste projeto”, denunciou.
Na avaliação da deputada, o projeto proposto pelo governo não enfrenta a burocracia, não enfrenta o custo de praticagem nem o custo do combustível. “Ele tem um único objetivo, que é facilitar o fretamento. E ali é muito grave que nós tenhamos empresas de cartório, empresas que podem não ter nenhum navio, nenhuma estrutura, mas que podem contratar. A bandeira nacional está sendo preterida por bandeiras e isenção de impostos. E quem vai contratar? Quem vai contratar serão os grandes”, criticou.
Erika alertou ainda que o projeto prioriza os oligopólios que, na verdade, vão estabelecer o aumento do próprio frete. “Então não é verdade que vai diminuir o frete, ao contrário, vai aumentar, porque vai monopolizar, vai tirar as pequenas, vai tirar as médias empresas e vai estabelecer relação apenas com grandes empresas”, reforçou.
Erika ainda provocou: “Quem disse que o Brasil é acima de tudo não pode estar aqui permitindo que se rasgue a bandeira nacional dos navios e se coloque bandeiras estrangeiras! Essa não é a postura da União Europeia, essa não é a postura dos Estados Unidos, essa não é a postura de grande parte dos países em desenvolvimento que querem favorecer a sua própria indústria”.
Portanto, continuou a deputada, “nós não podemos ser favoráveis a essa proposta. Isso é questão de soberania nacional, que está sendo rompida com a entrega das nossas empresas. Também acho que tem um equívoco gráfico neste projeto. Ele não é de cabotagem. Troque-se o “c” pelo “s”. Ele é um projeto de sabotagem ao emprego, porque trabalhadores brasileiros estarão submetidos às regras de precarização de outros países. E ele é um projeto de sabotagem à indústria nacional”, protestou.
Emprego
O deputado Vicentinho (PT-SP) destacou que hoje há mais de 14 milhões de desempregados no Brasil, segundo o IBGE. Na sua avaliação, esse projeto da cabotagem não só piora a situação da geração de emprego, não só impede novas contratações, “como fere a soberania”. Ele observou ainda que o governo Bolsonaro agi de forma muito diferente do que fez o presidente Lula, que valorizou o conteúdo nacional e gerou muito emprego. “Não foi à toa que nós chegamos a 96% de emprego no Brasil”.
Por isso, segundo Vicentinho, não tem como o PT apoiar uma proposta dessa, que foi feita para favorecer os grandes negócios, uma medida para a entrada do capital estrangeiro, uma medida para ferir algo que é estratégico para o País. “Pelo emprego, pela soberania nacional, pelo produto nacional e pela produção de conteúdo nacional, meu voto é não”.
Proposta mentirosa
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA) também destacou que o projeto tangencia o interesse nacional. “Ele na verdade entrega algo que é caro para todos os países desenvolvidos. Não existe nenhum País desenvolvido que entregue a sua navegação de cabotagem”, afirmou. Ele frisou ainda que a proposta é mentirosa. “Ela traz na sua justificativa uma questão correta, entretanto, faz o contrário. Os pilares que dificultam a operação da cabotagem em nosso País são, exatamente, o preço do combustível, que o projeto não aborda de maneira adequada e o preço da praticagem, que não é abordado, citou.
O deputado disse que a discussão deveria ter envolvido os principais setores do transporte, principalmente das nossas cargas, para diminuir o Custo Brasil. “É uma oportunidade que se perde, porque este projeto vai ensejar o aumento da concentração de mercado de empresas estrangeiras, que, além de terem redução de impostos no afretamento, poderão navegar sob bandeira estrangeira, e os nossos trabalhadores terão que trabalhar em território nacional num ambiente de relação trabalhista completamente diferente do nosso. Isso é um ato criminoso. Isso fere os interesses nacionais.”, denunciou.
Incoerência
O deputado Merlong Solano (PT-PI) apontou incoerência entre os objetivos do projeto e as medidas propostas no seu conteúdo. “Os objetivos são interessantes: aumentar a oferta, aumentar a concorrência, reduzir custos. Entretanto, aquilo que ele vai entregar é muito diferente. Ele diz que quer reduzir custos, mas não toca nos custos da praticagem, nem nos custos dos combustíveis, nem na alta burocracia, que é um problema importante do setor. Diz que é para aumentar a concorrência, mas, na verdade, entrega o setor a grandes empresas do setor da navegação, da marinha mercante, porque concede incentivos fiscais a empresas estrangeiras, estabelecendo, portanto, uma ação diferenciada em relação às empresas brasileiras”, denunciou.
Além disso, Merlong afirmou que o projeto tem problemas estratégicos e de soberania. “O projeto concede às empresas o direito de terem trabalhadores brasileiros submetidos à legislação de países estrangeiros, inclusive países que praticam legislação trabalhista absolutamente precarizada”.
E o deputado Afonso Florence (PT-BA) considerou que o projeto era muito ruim. “O Brasil precisa de uma política de conteúdo local, de reconstrução da sua economia, da atividade industrial em geral, do comércio, da navegação. Esse liberalismo assegurado nesse texto é ruim para o País”, afirmou.
Emendas
A Bancada do PT apresentou emenda para preservar as empresas nacionais e dar uma temporalidade para que a empresa nacional se adapte para as novas regras. A emenda, no entanto, foi rejeitada pela base do governo. Foi rejeita também outra emenda do PT que pretendia proibir o fretamento de embarcações internacionais destinadas à cabotagem do petróleo e derivados e ao transporte de gases, com o objetivo de fortalecer a indústria naval brasileira.
Vânia Rodrigues