Operadores do direito e autoridade na área dos direitos humanos defenderam nesta quarta-feira (28) a adequação das leis que tratam da guarda compartilhada de filhos (instituída pela Lei 11.698/08 e atualizada pela Lei 13.058/14) e da alienação parental (Lei 12.318/10). Segundo a opinião majoritária dos palestrantes que participaram da terceira mesa do “Seminário Internacional Guarda Compartilhada: Leis, Justiça, Violências e Conflitos”, a legislação precisa levar em conta – ao ser aplicada pelos juízes – a proteção das mulheres e crianças vítimas de violência ou abusos sexuais. A reunião foi presidida pelas deputadas petistas Luizianne Lins (CE), Erika Kokay (DF) e Ana Perugini (SP).
Durante o debate foram criticados casos em que o juiz determina a guarda compartilhada de uma criança com um pai com histórico de agressão à ex-companheira, ou ainda acusado de abuso contra o próprio filho. Segundo a Coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Estado de São Paulo, Valéria Scarance Fernandes, o grande problema da lei da guarda compartilhada é a obrigatoriedade de sua aplicação.
“Em um mundo de faz de conta, tudo bem em obrigar a guarda pensando no bem da criança, mas no mundo real é diferente. Eu achava que essa lei era boa, mas comecei a ver casos de mães afastadas de seus filhos, com a corda no pescoço por conta dessa lei”, relatou. De acordo com a coordenadora, que também é promotora do MP de São Paulo, a lei da Alienação Parental também precisa ser modificada porque muitas vezes é usada por homens agressores e abusadores para conseguir a guarda dos filhos.
A alienação parental é o ato de interferir na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, familiares ou pessoas que tenham autoridade, guarda ou vigilância sobre a criança ou adolescente, para que elas repudiem ou para atrapalhar o estabelecimento ou à manutenção de vínculos com o genitor ou genitora.
“Quando uma mulher acusa o homem de abuso contra o filho, ou de agressor, para tentar convencer que a guarda compartilhada não é benéfica [para a criança], existe o risco de ela ser acusada de praticar alienação parental. Então podem vir medidas como a inversão da guarda ou mesmo a perda do poder familiar sobre o filho”, observou Valéria Fernandes. Ela disse ainda que a palavra da mãe, e principalmente a vontade da criança, deveriam ser levadas em conta no momento da decisão judicial sobre a guarda compartilhada.
Segundo o representante do Conselho Federal de Psicologia, Eduardo Pontes Brandão, mesmo com o apoio de psicólogos, o juiz pode errar ao determinar a guarda compartilhada de uma criança. Ele citou o caso de mulheres que foram agredidas por ex-companheiros, algumas inclusive com medidas protetivas. “A guarda compartilhada tende a ofuscar as questões de gênero, como casos de violência, que muitas vezes antecedem até mesmo o nascimento da criança e podem ter resultado na separação. Por isso a guarda deveria ser analisada caso a caso, e não aplicada de forma isonômica”, defendeu.
Sem entrar no mérito das leis, a juíza auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Flávia Moreira Guimarães Pessoa, destacou que a lei prevê a análise psicossocial antes da decisão sobre a guarda, mas reconheceu que nem sempre as conclusões são levadas em conta na decisão. “Para o exercício do poder familiar está previsto a avaliação psicossocial do requerente, isso está na lei, mas poderia ser melhor detalhado. Nem sempre isso é perceptível na decisão final”, reconheceu.
Já a juíza do Tribunal Constitucional de Portugal, Maria Clara Sottomayor, destacou que em seu país existe a preocupação de dividir a guarda da criança entre a mãe e o pai, preservando o bem-estar de todos.
“Mesmo a guarda alternada pode perpetuar a noção do patriarcado, sendo usado pelo homem como instrumento de controle da família. Em Portugal, um juiz pode determinar a guarda alternada, levando em consideração o interesse da criança, ou mediante acordo entre os pais”, explicou. Ela disse ainda que a guarda alternada é desaconselhada em seu país para crianças menores de 3 anos de idade.
Também participaram do seminário a representante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul Ariane Leitão, e o diretor da Associação Criança Feliz, Rodrigo Ricardo.
Héber Carvalho