Há 132 anos foi abolida formalmente a escravidão no Brasil. A Lei Áurea não traduziu a plena libertação dos nossos antepassados escravos, não lhes assegurou os direitos sociais básicos, não tiveram acesso à terra, como já defendia naquela época Joaquim Nabuco; não tiveram acesso à educação. Os direitos relacionados com a moradia decente, a capacitação profissional, o trabalho digno, o acesso aos bens e valores da cultura e das artes não foram sequer considerados.
Quero hoje recordar uma companheira muito querida e inesquecível, Francisca Trindade, colega na Câmara dos Deputados. Um dia nos idos de 2003, eu lhe coloquei algumas dúvidas sobre a questão de cotas.
Ela foi firme e clara.
– Nós não estamos pedindo nenhum privilégio, apenas o início do resgate de uma dívida de quase quatrocentos anos.
As minhas dúvidas desapareceram.
Hoje a tragédia da Covid-19 explicita a brutalidade das nossas injustiças e desigualdades sociais. Elas se constituíram ao longo da nossa história, a escravidão foi a causa principal. O 13 de maio de 1888 não abriu novas perspectivas, pelo contrário, fechou as portas da inclusão e da cidadania. Os escravos, que eram tratados como coisas, bens materiais, e não como pessoas humanas nossas iguais, foram literalmente jogados na rua da amargura e do abandono.
Este continua sendo o grande desafio do nosso país: construirmos uma nação soberana, onde todas as brasileiras e brasileiros, sem discriminações ou exclusões, possam viver com dignidade e possam exercer os direitos e deveres fundamentais assegurados na nossa Constituição.
As políticas públicas sociais que promovem a vida e o bem comum são essenciais, só podemos assegurá-las em médio e longo prazo efetivando o que nunca se fez no Brasil: a justa distribuição dos bens e das riquezas, que pressupõe a aplicação do princípio da função social das propriedades urbanas e rurais e a reforma tributária, como realizamos com o IPTU na Prefeitura de Belo Horizonte. Quem pode mais, paga mais; quem pode menos, paga menos; quem não pode, não paga; recebe, para que seus filhos e netos possam contribuir no futuro.
PS: Quem quiser saber mais sobre Francisca Trindade, leia o texto que escrevi logo após a sua morte inesperada e prematura.
Patrus Ananias é deputado federal (PT-MG)