Quem defende o retorno do voto impresso, ou seja, quem propõe a volta de tempos nebulosos e arriscados para a democracia brasileira é um presidente assolado pela incapacidade que seu Governo demonstra de enfrentar os graves problemas nacionais e acuado por denúncias de corrupção cada vez mais graves. É um governante que tem como método agir para convulsionar o país. Que destila seu ódio contra o Poder Judiciário, contra a oposição, contra a ciência, contra a imprensa – especialmente, contra mulheres jornalistas – e contra todos que se opõem ao negacionismo e à truculência com que se comporta. Portanto, é um presidente que ao longo de seu mandato notabilizou-se pelos ataques quase diários a essa mesma democracia que ele finge querer preservar, através de ameaças, perseguição e intimidação de adversários.
Não vamos esquecer: Bolsonaro convocou a população para manifestações contra os poderes Legislativo e Judiciário, e ele próprio participou de atos públicos que pediam o fechamento do STF e do Congresso e a volta do AI5; compartilhou vídeos com ataques a políticos, membros do Congresso e ministros do STF; e até hoje acusa, sem provas, a existência de fraude nas eleições de 2018. A ferocidade desses ataques às instituições da República aumenta na proporção em que desabam seus índices de popularidade.
O voto eletrônico é uma conquista democrática que qualificou o processo eleitoral brasileiro. Desde 1996, quando foi implantado, não se registrou um único caso de denúncia de fraude eleitoral. Quatro presidentes foram eleitos, sem qualquer contestação do ponto de vista da operação e contagem dos votos. Pelo contrário, o nosso sistema derrotou um passado em que eram comuns as denúncias de corrupção nas apurações eleitorais.
Com a proposta de retorno ao voto impresso, Bolsonaro e seus seguidores buscam alimentar uma rede conspiratória, com o claro objetivo de tumultuar as eleições do ano que vem, disseminando a desinformação através de fake news, aludindo supostas fragilidades no sistema eletrônico ou a possibilidade de ações de hackers para fraudar os resultados. Mas diferente do que propagam, o sistema de urna eletrônica é mais auditável do que um sistema com voto impresso e, por isso, fica ainda mais evidente que o objetivo do bolsonarismo é desestabilizar as instituições e a democracia.
O voto eletrônico é seguro por várias razões. As urnas eletrônicas não ficam em rede, isto é, não têm ligação à internet, portanto não podem ser invadidas por hackers. Todas as fases do processo eleitoral, desde a criação do código-fonte até a contagem final dos votos, são acompanhadas pelos partidos e por diversas instituições da sociedade. Ao eliminar a intervenção humana no momento da votação e da apuração, as urnas eletrônicas resolveram problemas graves, como adulterações, sumiço de votos, preenchimento de votos em branco e vários outros estratagemas que viciavam as eleições manuais.
O Brasil teve uma experiência recente de voto impresso. Nas eleições de 2002, o sistema foi testado em um total de 150 municípios, nos quais o eleitor votava na urna eletrônica e esse voto, uma vez impresso, era depositado em uma urna física. O diagnóstico desta experiência foi desastroso. As eleições nessas localidades se tornaram inseguras e passíveis de fraudes. Com base nesse diagnóstico, a proposta de volta do voto impresso foi enterrada.
Por tudo isso, não deverá restar dúvida para a população de que o Brasil não deve enveredar por esse caminho. O tema agora só volta à pauta, no meu entender, como parte de uma descarada estratégia do bolsonarismo para criar um novo conflito para desestabilizar as instituições do país, percebendo que seu projeto de poder está prestes a ser derrotado pela própria democracia.
Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS)
Artigo publicado originalmente no Sul 21