Violência contra as mulheres durante o período eleitoral no Brasil é fruto de uma sociedade patriarcal e machista

Especialistas e parlamentares afirmaram que as variadas formas de violência contra as mulheres nas eleições é fruto do patriarcado (sistema social em que homens mantêm o poder primário e predominam em funções de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades) e do machismo que ainda impera na sociedade brasileira. O tema, Violência contra as Mulheres nas Eleições, foi debatido virtualmente na última sexta-feira (18) em uma ação promovida pela Secretaria da Mulher da Câmara, em parceria com a ONU Mulheres.

Para a representante da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino, a violência política contra as mulheres, principalmente em períodos eleitorais, é uma das principais causas da baixa representação feminina em postos de poder no Brasil. Ela explicou que nosso País está muito abaixo da média Latino Americana na representação das mulheres na política, e ocupa apenas o 140º lugar no ranking mundial. Segundo Ana Carolina Querino, é preciso eliminar os obstáculos que impedem a ascensão das mulheres aos espaços de poder.

“As mulheres são as mais atacadas em período eleitoral, seja com fake news, com intimidações, com julgamentos sobre sua aparência ou vestimenta, e tendo suas falas ridicularizadas. Todas essas expressões fazem com que a mulher seja vista de forma limitada, fazendo com que seja reduzida suas chances na corrida eleitoral. Ainda temos no Brasil a dificuldade de acesso a recursos de financiamento de campanha, que também é uma violência política”, apontou.

Violência de gênero

Segundo a deputada Erika Kokay (PT-DF), esse cenário é fruto de uma estrutura sexista que existe no Brasil, alimentada por uma lógica patrimonialista histórica. “Os períodos traumáticos da história brasileira são muito marcados pela violência de gênero, como o período escravocrata e a ditadura. O Brasil que não fez ainda o luto do colonialismo, onde os que se acham donos da terra se sentem ainda hoje donos das mulheres, das crianças, da população negra e indígena, dos trabalhadores”, explicou. De acordo com a parlamentar, esse processo sexista construiu uma visão de gênero onde cabe as mulheres somente ocupar os espaços domésticos.

Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS), ressaltou que essas dificuldades e violências enfrentadas pelas mulheres durante as eleições são fruto do machismo no ambiente político.

“As dificuldades e as violências enfrentadas pelas mulheres nas eleições são frutos da discriminação. Se compararmos a participação feminina nos espaços de poder com o preenchimento das carreiras típicas de Estado, que exigem comprovação de capacidade mediante concurso público, do acesso aos cursos de graduação e pós-graduação, onde a maioria são mulheres, e na magistratura, ou em outros espaços importantes, veremos que essa diferenciação tem base apenas política”, ressaltou.

Cultura do “mi-mi-mi”

De acordo com a Pós-Doutora em Comunicação Política, Luciana Panke, a cultura machista é tão enraizada na sociedade brasileira que até mesmo mulheres refletem essa violência contra outras porque aprenderam que ‘lugar de mulher não é na política’. “Existe o estereótipo sobre onde a mulher e o homem deve ficar. Daí surge a cultura do silêncio sobre a mulher, de que ela não pode emitir suas opiniões, a expressão ‘bela, recatada e do lar’, que valoriza a submissão feminina”, detalhou.

A especialista ainda falou sobre o surgimento da cultura do “mi-mi-mi”, que tenta desqualificar a tentativa das mulheres de se sobressaírem politicamente com posições machistas e preconceituosas. “Vocês deputadas, com certeza quando estão no plenário, tentam falar e são interrompidas, e se não se imporem, e falarem mais alto, não conseguem ser ouvidas, e ainda ouvem piadinhas de homens que confundem o ciclo menstrual das mulheres com posições políticas, tentando desvalorizar nossa inteligência, criatividade, e capacidade crítica. Essa é a cultura do ‘mi-mi-mi”, explicou.

Racismo

Além do machismo e do preconceito, a representante da Rede de Mulheres Negras, Mônica Oliveira, disse que o racismo impõe uma dificuldade adicional a ocupação dos espaços de poder pelas mulheres negras. “E essa falta de estímulo é pior com as mulheres negras, por conta racismo. Desconfiam da nossa capacidade, porque no imaginário de grande parte da sociedade as mulheres negras não podem ser competentes, inteligentes e honestas, ou seja, não acreditam na nossa capacidade como seres políticos”, afirmou.

Para a representante da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino, diante do racismo estrutural existente no País, foi importante a decisão recente do TSE de obrigar a divisão proporcional de recursos de campanha entre candidaturas negras e brancas.

“Somente com a atuação em rede, de todos os poderes, o Estado Brasileiro poderá cumprir todos os compromissos assumidos com a ONU por meio da Convenção pela Eliminação da Exclusão das Mulheres, que completou 40 anos no passado, da Plataforma de Pequim, que completa 25 anos agora em 2020, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, cujo três pilares defendem que ninguém seja deixado para trás em seus direitos, o que inclui as mulheres, especialmente negras e indígenas”, destacou.

Luta

A deputada Erika Kokay reconheceu que ocorreram alguns avanços recentes para as mulheres na luta pela ocupação dos espaços de poder. Porém, lembrou que essas conquistas ainda são tímidas e precisam ser aperfeiçoadas.

“A participação das mulheres na política sempre é dada com muita dor e com muita luta. Vejam só a luta que foi para conquistarmos a cota na nominata, obrigatoriedade do cumprimento da cota, a luta pela representação feminina no fundo eleitoral e etc. Ainda com essas conquistas, que resultou no aumento da bancada feminina, ainda assim a conquista das mulheres é violentada para se transformar em instrumento das candidaturas masculinas com as candidaturas laranjas, por exemplo”, disse.

Danos morais

A deputada Maria do Rosário disse ainda que essas medidas melhoraram um pouco o índice de candidaturas femininas e a participação das mulheres na política, porém observou que ainda não existe a equidade almejada. Segundo ela, além de aprovar medidas mais efetivas para equilibrar a participação das mulheres na política, o Parlamento também precisa punir com rigor os episódios de violência contra as mulheres dentro de suas próprias dependências.

“Sobre a violência que sofri na Câmara, quando há impunidade de deputados federais que não respeitam as mulheres, isso cria um efeito cultural na sociedade que é contrário ao movimento por mais democracia e mais mulheres na política. Por isso processei o atual presidente da República, e posso dizer que ele foi condenado por danos morais, em uma atitude que feriu a moralidade pública, quando ele ainda era parlamentar”, observou a parlamentar.

Apesar de Jair Bolsonaro ter sido condenado pela justiça por ter afirmado em 2014 – quando ainda era deputado federal – que Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque ele a considerava “muito feia” e não fazia o “tipo” dele, o Conselho de Ética da Câmara analisou o caso e não cassou o mandato do então parlamentar.

O debate contou ainda com a participação das representantes da Comissão de Política de Gênero do Tribunal Superior eleitoral (TSE), Julia Barcelos; do Instituto Alziras, Michelle Ferreti; e da Secretária Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM), Cristiane Britto.

Héber Carvalho

 

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