Trabalhadores em aplicativos reivindicam direitos e melhores condições de trabalho em audiência

Deputada Denise Pessôa coordenou audiência pública na Câmara Federal. Fotos: Gabriel Paiva

A audiência pública foi proposta pela deputada federal Denise Pessôa (PT-RS) na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara dos Deputados com o objetivo de debater o impacto das plataformas de aplicativos nas cidades e suas consequências para os trabalhadores.

Trabalhadores e trabalhadoras em aplicativo de diferentes Estados do Brasil estiveram reunidos nessa quinta (22) em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, para expor a precarização de suas condições de trabalho e reivindicar a elaboração de políticas públicas que garantam direitos à categoria.

Entre as principais reivindicações dos trabalhadores estão a regulamentação da situação trabalhista; o julgamento das situações de conflito entre trabalhadores e plataformas pela justiça do trabalho; a cobertura de acidentes de trabalho, que hoje são enquadrados como acidentes de trânsito, por parte das plataformas; a criação de espaços de descanso e banheiro com pontos para carregamento dos celulares, especialmente aos cicloentregadores; a criação de políticas capazes de garantir segurança para coibir e prevenir riscos de roubos, furtos e assassinatos dos trabalhadores e trabalhadores, entre outras.

A audiência reuniu representantes de sindicatos, associações e cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras plataformizados, pesquisadores e pesquisadoras, representantes do governo e do Ministério Público do Trabalho. Também estiveram presentes os deputados federais Tarcísio Motta (PSOL-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

Deputada Denise Pessôa coordenou audiência pública na Câmara Federal. Fotos: Gabriel Paiva

Relatório

“Nós vamos apresentar um relatório dessa audiência pública aos demais deputados que participam da Comissão de Desenvolvimento Urbano, bem como ao Grupo de Trabalho do governo federal constituído para regulamentar o trabalho por meio de plataformas digitais”, afirmou Denise Pessôa. “A CLT é o melhor que a gente construiu até aqui e não podemos retroceder. Não são formatos diferentes que vão fazer com que os trabalhadores sejam explorados. A gente tem direitos previstos em lei e precisa garantir que esses direitos sejam cumpridos”, completa Denise.

Pesquisa fake

Motoristas e entregadores questionaram pesquisa do Cebrap apresentada pelo diretor executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), André Porto, que aponta uma dinâmica de engajamentos e ganhos segundo a qual os motoristas trabalham em média 4,2 dias por semana, cerca de 22 a 31 horas por semana, e recebem um ganho mensal para jornada estimada de 40 horas semanais que varia entre R$ 2.925 e R$ 4.756, números que caem para 3,2 dias por semana, 13 a 17 horas semanais e valores entre R$ 1.980 e R$ 3.039 por mês no caso dos entregadores. A pesquisa foi alvo de risadas e considerada “fake” por motoristas presentes na audiência, como o presidente do Sindicato de Motoristas e Entregadores por Aplicativos do Rio de Janeiro (Sindimobi), Luiz Corrêa, que também lembrou a grave situação enfrentada por motoristas no dia a dia na cidade do Rio.

“Dizer que os motoristas ganham quase 5 mil líquidos (por) mês trabalhando quase 40 horas por dia. Essa pesquisa é fake. É um fake news que essas empresas estão fazendo”, comenta Luiz. “Vamos ter a seriedade de que estamos tratando de vidas. Eu falo com muita tristeza esse número de 500 motoristas mortos, a maioria fica no meu estado. Você vê pessoas trabalhando 14, 16 horas por dia. Inúmeros motoristas, entregadores entrando em contato pedindo cesta básica. Não conseguem fazer manutenção (dos veículos) porque o lucro fica com as empresas. Onde está a parceria disso? Não existe parceria”, desabafa o presidente do Sindimobi do Rio de Janeiro.

A motorista e presidenta do Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros por Aplicativo do RS (Simptrapli), Carina Trindade, apresentou uma captura de tela dos ganhos no aplicativo de um motorista presente que contradiz os dados da pesquisa apresentada pela Amobitec.

“Isso aqui é um print do valor bruto, sem tirar aí manutenção, seguro, rastreador, IPVA, esse número aí vai pra menos da metade do valor só nas despesas que o motorista tem”, comenta Carina, que também considerou os dados não condizentes à realidade vivenciada pelos trabalhadores e trabalhadoras de aplicativo.

Saúde dos trabalhadores

O entregador e, da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea), reforça a importância de as plataformas garantirem a saúde dos trabalhadores. “Quando sofremos acidente, somos enquadrados em acidente de trânsito e não acidente de trabalho. Saiu uma pesquisa de que o número de assassinatos reduziu no Brasil todo, menos no Rio de Janeiro. Já cansei de entrar em comunidades e ter um cano de fuzil apontado pra mim e falar que eu tô fazendo entrega. (Além do) próprio racismo, agressões e xingamentos que a gente sofre. Isso é autonomia? A gente tem liberdade? Somos patrões de si?”, aponta e questiona Saulo.

A Coordenadora de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Estela Aranha, relembra que somente a baixa remuneração não representa a precariedade vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras. “A gente está falando de ser cada vez mais informal a forma do trabalho. Os trabalhadores não têm uma prescrição prévia do que é o trabalho deles, saem de casa sem saber exatamente para onde vão, quanto tempo vão trabalhar, quanto vão ganhar naquele dia. Eles arcam com os riscos do seu trabalho, com os custos dos seus trabalhos. Tem regras que estão em mutação o tempo todo, eles não sabem como essas regras são mudadas, eles não têm interferência sobre essa mudança de regras”, comenta.

Estela também reforça a necessidade de as plataformas informarem os trabalhadores sobre quais são os sistemas de monitoramento utilizados para avaliar o desempenho de trabalho, bem como da criação de um sistema de proteção social, independente do vínculo empregatício, que garanta sustentabilidade às famílias.

A Coordenadora de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Estela Aranha, participou via Zoom.

“A gente não tem informações precisas ao devido processo legal, de como se recorrer a um desligamento, a uma penalidade. As regras de penalidade têm de estar claras. Além da necessidade de supervisão dos sistemas automatizados, de revisão humana das decisões automatizadas que tem impactos semelhantes a impactos jurídicos que seriam do mundo do trabalho como rescisões contratuais, suspensão de contas, entre outras. Há uma assimetria de poder muito grande (entre plataformas e trabalhadores), então há uma necessidade de haver órgãos de fiscalização em relação a isso”, completa a representante do governo federal presente, Estela Aranha.

Corpos expostos

O diretor da Associação de Cicloentregadores do Rio Grande do Sul (ACERGS), Eduardo Salim, relembra as condições desgastantes dos cicloentregadores que utilizam seus próprios corpos para movimentar seus veículos de transporte. “Ficamos muito mais expostos aos riscos do que outros trabalhadores, pedalar horas seguidas desgasta. Ficamos expostos aos acidentes de trânsito, corremos risco de sermos assaltados em regiões perigosas. Muitos colegas que se acidentaram arcaram com os custos sozinhos. As plataformas só oferecem respostas automáticas, não conseguimos entrar em contato com os representantes das empresas. É fundamental que existam canais de comunicação diretos com as plataformas”, desabafa e reivindica Eduardo.

Justiça do Trabalho

O juiz Marco Aurélio Treviso, da Associação Nacional dos Juízes do Trabalho (ANAMATRA), defendeu que quem deve julgar quaisquer conflitos existentes entre trabalhadores em aplicativos e plataformas é a justiça do trabalho, e não a justiça comum. “Nós entendemos que a Justiça do Trabalho é o órgão do poder judiciário mais apto para definir e dirigir qualquer uma das controvérsias relacionadas a essa discussão. Não se trata apenas de reconhecer ou não a relação de emprego, porque sabemos que relação de emprego e relação de trabalho são institutos completamente distintos, e a Constituição consagra à Justiça do Trabalho a competência para apreciar tudo que diz respeito ao mundo do trabalho”, conclui Marco.

 

Assessoria de Comunicação deputada Denise Pessôa

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