Os sistemas que mais são capazes de garantir acesso pleno ao direito à saúde são aqueles de caráter público e universal. Ou seja, nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Em contrapartida, não existem evidências em todo o mundo de que sistemas privados tenham capacidade de prover melhor qualidade de atendimento a seus usuários.
As análises são da médica Asa Cristina Laurell, doutora em Sociologia pela Universidade Nacional Autônoma do México e uma das pesquisadoras mais emblemáticas da medicina social em toda a América Latina, que participou nesta terça-feira (1º) do Fórum Internacional de Sistemas de Saúde Comparados. O evento foi promovido pela Subcomissão Permanente de Saúde, presidida pelo deputado Odorico Monteiro (PT-CE).
Laurell fez parte da mesa que discutiu o tema “Sistemas Universais: inovação e desafios” e traçou diferenças marcantes entre um modelo e outro. Acerca da concepção básica de cada um deles, a pesquisadora mostrou que, enquanto nos sistemas públicos a garantia do direito à saúde é definida como uma premissa, os sistemas privados costumam restringi-la, ignorá-la ou negá-la. Outras diferenças pontuadas pela especialista foram relacionadas à cobertura e ao acesso provido aos usuários em cada um dos sistemas.
“Quando dizemos que o sistema é único e público, está no seu próprio caráter de que ele é também universal, de que há a obrigação do Estado de garantir o acesso aos serviços, pois trata-se da sua definição como sistema”, afirmou. Porém, disse que o mesmo não acontece com os sistemas privados. Segundo Laurell, nenhum dos países latino-americanos que optaram pelos seguros privados de saúde logrou a possibilidade de um atendimento de 100% da população. “Até mesmo no Chile, onde esse sistema se implantou no início dos anos 80, ainda existe uma população que carece de seguro de saúde. Não é muito, mas existe, em torno de 5%. Na Colômbia, chega a 10%”, ilustrou.
A especialista também chamou a atenção para a busca desenfreada pelo lucro das seguradoras de saúde e dos prestadores de serviços privados. “O problema é que o usuário é quem sempre sai perdendo”, ressaltou. Laurell destacou ainda que esses sistemas baseados no lucro centram seus serviços necessariamente na “pessoa” e não no “coletivo”. “E assim se perdem todas as ações de saúde pública e corretiva, que por definição têm que estar na base dos sistemas com uma cobertura territorial importante”.
Desafios – Odorico Monteiro ressaltou o trabalho posto ao SUS no sentido de garantir esse acesso pleno a seus usuários, em um território de dimensões continentais, com um elevado número de usuários e diante de um quadro de subfinanciamento. “O Brasil tem um enorme desafio pela frente: é o único país do mundo com mais de 150 milhões de habitantes que tem um sistema único, público e universal de saúde. O sistema alemão, que é o maior da Europa, conta com 82 milhões de usuários”, afirmou.
Gerardo Alfaro, coordenador da Unidade Técnica de Sistemas e Serviços de Saúde, da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), pontuou de forma semelhante alguns desafios dos quais o Brasil não poderá escapar, por ter assumido a tarefa de prover à população um sistema universal e público de saúde. O primeiro deles seria ampliar o aceso equitativo e efetivo a serviços de saúde integrais e de qualidade, baseado numa atenção primária ampla. O segundo seria fortalecer a gestão do sistema, e o terceiro, aumentar e melhorar o financiamento. “Uma quarta linha diz respeito ao fortalecimento da coordenação multissetorial para poder abordar os determinantes sociais da saúde que garantam a sustentabilidade de uma saúde universal”.
A presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, pontou a importância do debate ao permitir que o Brasil possa olhar para outros sistemas de saúde estruturados em realidades diferentes. “Isso é fundamental para a gente reconhecer os avanços, identificar as ameaças e, sobretudo, garantir uma unidade – mesmo reconhecendo as diferenças – no sentido de reunir forças para não comprometer mais ainda direitos sociais, bem como a capacidade do Estado de atender as necessidades da população”, disse.
Participaram ainda desse primeiro momento do Fórum, que incluiu também a mesa de abertura, Leonor Pacheco, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); Jurandi Frutuoso, secretário-executivo do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), José Noronha, do Centro de Relações Internacionais da Fundação Oswaldo Cruz; e Lenir Santos, secretária de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde.
PT na Câmara
Foto: Gustavo Bezerra/PT na Câmara