A Câmara aprovou nesta quinta-feira (10) o projeto (PL 4372/20), que regulamenta o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O texto estabelece regras para a distribuição dos recursos do fundo a partir de 1º de janeiro de 2021, quando o Fundeb passa a ser permanente. A Bancada do PT lamentou o descumprimento do acordo feito pelo relator, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), com a Oposição, e emendas apresentadas pela base do governo acabou desfigurando o fundo para permitir a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada.
O coordenador do Núcleo de Educação do PT, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), lamentou o que ocorreu na regulamentação da Emenda Constitucional (EC 108), que constitucionalizou o Fundeb. “Destruíram a maior vitória da educação pública que conquistamos com a aprovação do novo Fundeb. É lamentável ver a base do governo destruir todas as conquistas. É lamentável o relator não manter o acordo, ele disse que apenas três partidos – o Novo, o Cidadania e o PSDB – não tinha participado do acordo. Nós da Oposição confiamos, retiramos as nossas emendas, o nosso kit obstrução com a esperança de consolidar essa vitória da educação. No entanto isso não foi cumprido, estamos assistindo à destruição da escola pública”, lamentou.
Na mesma linha, a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) repudiou a estratégia da base do governo para destruir, desfigurar o Fundeb. “É com tristeza na minha alma de educadora que estou vendo ser esfacelado o que construímos na aprovação do Fundeb em favor da educação pública de qualidade. Com esses destaques que foram aprovados estamos retirando os direitos de igualdade para as escolas públicas. Estamos tirando os parcos recursos que foram agregados para melhorar a qualidade da educação. Tudo que foi agregado foi retirado”, protestou.
A deputada também criticou o descumprimento do acordo. “Na verdade, o relator fez dois acordos, um com a Oposição e outro com a base do governo, lamentavelmente, porque nós teríamos agido de outra forma se soubéssemos que viríamos aqui para entregar os recursos públicos para a iniciativa privada”, desabafou. Ela disse que há três semanas negociava o texto da regulamentação com o relator. “Podemos no Parlamento divergir das ideias, mas acordo se cumpre”, ensinou.
Rosa Neide e Waldenor Pereira lamentaram o que consideraram o verdadeiro desmonte da educação pública brasileira e garantiram que a luta pela educação pública continua. “Aprovaram muitas inconstitucionalidades que se não forem corrigidas no Senado iremos à Justiça”, adiantou a deputada.
Obstrução
O PT e os partidos de Oposição passaram a obstruir os trabalhos da sessão virtual após a aprovação de mudanças na regulamentação do novo Fundeb, com a aprovação de destaques para destinar recursos do fundo para entidades do Sistema S e para entidades filantrópicas. O líder da Bancada do PT, deputado Enio Verri (PR), questionou como ficará os acordos a partir de agora. “O quadro ficou muito temerário. E eu pergunto como ficam os acordos a partir de agora porque, durante esse período, nós fizemos muitos acordos com muita gente. E nós fechávamos os acordos, votávamos e encaminhávamos. A partir de agora, parece que os acordos não valem porque fechamos o acordo e ele não é cumprido”, lamentou.
Enio Verri anunciou que o Partido dos Trabalhadores vai rever sua posição sobre construir acordos, visto que os acordos são feitos com o relator, mas nem sempre são cumpridos por outros. “Portanto, isso enfraquece qualquer possibilidade. Acredito que isso vai dificultar muito a nossa vida aqui para frente”, alertou.
A deputada Rosa Neide enfatizou que a obstrução era um alerta e afirmou que o texto da regulamentação não é mais o fundeb, é uma regulamengação que não respeitou os recursos públicos para a educação pública.
Covardia
A deputada Erika Kokay (PT-DF) considerou uma “covardia” a drenagem dos recursos públicos para educação para a iniciativa privada. “O que está acontecendo nesta noite é extremamente grave por vários aspectos. Primeiro, porque aqui está havendo uma drenagem do recurso público para a iniciativa privada, sob a égide de que a iniciativa privada significa qualidade. Nós defendemos uma escola pública de qualidade, uma escola pública que possa universalizar e que possa respeitar a necessidade de termos um País com pessoas inteiras. Eu diria também que há uma drenagem covarde em cima do Fundeb. Buscam retirar recursos públicos para sustentar a iniciativa privada de forma covarde”, denunciou.
Ela ainda apontou outro problema: que é o problema do método. “Houve uma construção, feita com o relator, que assegurou princípios básicos para o Fundeb, para que nós não desrespeitemos o que ele representa e a necessidade de uma educação pública de qualidade. Isso simplesmente está sendo desconstruído de forma covarde também por representantes dos partidos que representam a base do governo”, protestou.
Duro Golpe
Na avaliação da deputada Maria do Rosário (PT-RS) o que aconteceu na regulamentação do Fundeb foi um “duro golpe contra a educação”. Como é possível explicar ao povo brasileiro que em agosto aprovamos o Fundeb público, sustentamos a legislação brasileira para oferecer aos estudantes a ampliação da participação da União de 10% para 23% e agora os parlamentares retiram os recursos das escolas públicas?”, indagou.
Rosário considerou como “uma noite triste”, neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, que preconiza o direito à educação como direito fundamental, como direito à esperança, ao presente e ao futuro. “Retiram das novas gerações o que nós construímos, a duras penas, com este Fundeb. Nós estamos aqui vendo a descaracterização total de uma matéria constitucional. Certamente, poderemos entrar com recursos no Judiciário, mas é triste ver o Parlamento submeter a educação a este achincalhamento, neste momento tão difícil que a República já viu”.
Fundo
O Fundeb financia a educação básica pública e é composto de 20% da receita de oito impostos estaduais e municipais e valores transferidos de impostos federais. Até 2026, o governo federal aumentará a complementação para esses fundos a cada ano, começando com 12% do montante até atingir 23%. A regulamentação está prevista na Emenda Constitucional 108/20, promulgada pelo Congresso em agosto deste ano.
Vergonha
E o deputado Rogério Correia (PT-MG) disse que se sentia envergonhado com “a tragédia” que aconteceu nesta noite, aqui na Câmara. “Nós deveríamos estar comemorando a regulamentado do Fundeb conforme foi aprovado na emenda constitucional, mas lamentavelmente o fundo foi descaracterizado. “E agora nós temos recursos da escola pública para o Sistema S, portanto, privado. Recurso da escola pública em 10% para escolas confessionais, filantrópicas, também de conteúdo privado, além de termos, agora, recursos públicos para pagamentos de profissionais do setor privado”, denunciou.
Rogerio Correia espera que estes estrangulamentos do Fundeb sejam corrigidos no Senado. “Tomara que o Senado corrija tudo. E a Câmara dos Deputados vai passar uma vergonha por ter feito algo tão inconstitucional que é colocar verba pública para o sistema privado”, concluiu.
E o deputado Pedro Uczai (PT-SC) se posicionou terminantemente contra um dos destaques que foi aprovado para destinar parte dos 70% previstos para os profissionais da educação pública para os profissionais da educação privada, dos convênios, dos terceirizados. “Efetivamente, isso não é democrático. Eles estão destruindo a democracia prevista na Constituição, que regulamentou a EC 108. Isso não é democracia, é o desmonte da escola pública. Hoje está claro: são contra a escola pública, são contra a qualidade da escola pública, e agora são contra os professores, os profissionais da escola pública”, protestou.
Avanços anulados
Rosa Neide relembrou os avanços que tinham sido assegurados no novo Fundeb. “Nós temos a maior escola pública do mundo, aberta para todos, sem seleção para entrar. É isso que o País espera de nós: que todos os filhos do País tenham acesso à escola, que a escola seja pública e para todos”, afirmou. Ela explicou que, quando se abre a possibilidade de convênio, quando permite que parte dos recursos públicos seja direcionada para a iniciativa privada, mexe na estrutura dorsal da educação brasileira, no financiamento da educação brasileira.
“Quando se abre a possibilidade para o conveniamento, conforme está sendo feito aqui hoje, estamos destruindo a escola pública brasileira, estamos colocando todos os recursos do Fundeb para a iniciativa privada e estamos retrocedendo para antes da Constituição de 1988”, reforçou.
O deputado Waldenor Pereira também relembrou os avanços da constitucionalização do Fundeb e acrescentou que a regulamentação deveria ter consolidado essas conquistas. “Nós não poderíamos, em hipótese nenhuma, termos permitido que aquela vitória da educação pública brasileira fosse transformada, hoje, numa derrota, num retrocesso. Não poderíamos ter permitido a transferência dos recursos da educação pública para a educação privada”, reforçou.
Waldenor enfatizou que a defesa intransigente do PT é a de que os recursos do Fundeb sejam destinados para a educação básica pública. Ele explicou que o Fundeb hoje representa aproximadamente 60% do financiamento da educação pública brasileira. “Ele mantém uma rede de 50 milhões de alunos e de 3 milhões de professores com pagamento, inclusive, do piso nacional de salário. Portanto, o fundo é para financiar a educação básica pública. Ele é para financiar a educação básica pública, que necessita de mais recursos, que necessita de mais financiamentos para melhorar a sua qualidade de ensino, ampliar o número de matrículas e reduzir a desigualdade educacional, tão forte e tão presente no nosso País”, argumentou.
Vânia Rodrigues