Em artigo publicado no jornal O Globo, nesta terça-feira, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes, denuncia a tentativa de golpe articulada através da instituição de um grupo de trabalho para analisar a adoção do semipresidencialismo, às vésperas das eleições de 2022.
De tempos em tempos, surgem golpes contra a Constituição e a soberania do voto popular. Mudam de forma, mas na essência são arranjos das elites para continuarem no poder. A tentativa da vez é o semipresidencialismo, que ganhou um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados para estudar sua adoção.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), nomeou uma Comissão para debater a Proposta de Emenda à Constituição apresentada pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que propõe que o chefe de governo – um primeiro-ministro – seja eleito pelo Congresso, mantendo o presidente da República como chefe de Estado. Na prática, é um parlamentarismo com medo de dizer seu nome.
O receio é justificado, já que o parlamentarismo foi rejeitado pelo povo brasileiro em duas consultas populares. Mesmo assim, foram nomeados dez deputados para ressuscitá-lo entre quatro paredes. Os parlamentares contarão com o apoio de um conselho de “notáveis”. Nele, estará o ex-presidente Michel Temer, que sabidamente conhece os atalhos para assumir o poder sem votos.
A ideia de esvaziar os poderes da Presidência da República costuma reaparecer quando existe favoritismo de candidatos da esquerda. Agora o temor do ‘andar de cima’ recai sobre a possibilidade da volta de Lula, já que lidera com folga todas as pesquisas eleitorais para 2022. Setores das classes dominantes tentam mudar a regra do jogo para manter a proteção de seus interesses e privilégios, recentemente ampliados a partir do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff.
A ideia do parlamentarismo é um velho coringa que há 60 anos ronda o Brasil. Sempre que a coisa aperta, ela volta em forma de uma aventura golpista. Em 1961, com a inesperada renúncia de Jânio Quadros, a Constituição determinava a posse de João Goulart, já que na época o vice-presidente era eleito em chapa separada do titular. Mas Jango representava ideias mais progressistas e não era aceito pelas elites.
Para tentar impedir sua posse na Presidência, vieram com a proposta parlamentarista. Num arranjo ilegítimo, Jango ficou como primeiro-ministro, com poderes limitados até um plebiscito em janeiro de 1963, quando o parlamentarismo foi rechaçado pela ampla maioria da população. Jango tornou-se presidente, propôs reformas estruturais e foi deposto pelo golpe militar de 1964.
Em 1993, após o impeachment de Fernando Collor, o parlamentarismo foi novamente abraçado por setores que temiam a vitória de Lula no ano seguinte. Mais uma vez foi rechaçado em plebiscito pelo voto popular. De lá para cá, a elite política se deu conta de que a consulta ao povo não seria um bom caminho e passou a impor métodos mais heterodoxos para burlar a Constituição, como o golpe de 2016.
Agora, ressurge a discussão sobre Parlamentarismo às vésperas de outra eleição presidencial. A PEC endossada por Arthur Lira cria a figura do primeiro-ministro, que passaria a mandar na política e na economia. O presidente ficaria com um papel decorativo, limitado à defesa e às relações internacionais. Na prática, a mudança roubaria do eleitor o direito de escolher quem vai governá-lo. Esse poder seria transferido de 150 milhões de eleitores para 594 congressistas.
Para se esquivar, os golpistas dizem que a nova regra só valeria a partir de 2030. Se isso é verdade, não haveria motivo para desenterrá-la às pressas, meses antes da eleição de 2022. Qualquer alteração do regime político tem de passar por plebiscito, o povo tem de ser chamado a decidir. Fora disso é golpe. O mesmo velho golpe tentado tantas vezes em nossa história.
Reginaldo Lopes é economista, deputado federal (PT-MG) e líder do partido na Câmara dos Deputados
Artigo Publicado originalmente no jornal O Globo